Zapping - Cristina Padiglione

2022: o ano visto pelos episódios que fizeram história na TV

De 'Pantanal' às eleições, passando por Copa do Mundo, temporada foi marcada por novos modelos de negócios

Casimiro Miguel e Galvão Bueno estiveram entre os destaques da TV em 2022 pela Copa do Qatar - Reprodução

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São Paulo

Tudo o que fisga a atenção do brasileiro passa pela TV ou é emanado da tela, de modo que é impossível dissociar os interesses da vida real das cenas que compõem os bastidores e o foco das câmeras.

Em 2022, a TV nos deu "Pantanal", novela de Benedito Ruy Barbosa de mais de três décadas atrás, refeita por seu neto Bruno Luperi. O enredo gerou muita conversa boa a partir dos temas ali abordados, dos estragos ao meio ambiente às músicas executadas, embalando discussões sobre misoginia, machismo, homofobia e corrupção com um elenco afiadíssimo.

Os reality shows perderam engajamento em relação aos anos anteriores, talvez porque o grande paredão da vez tenha acontecido mesmo na seara política das eleições, com intrigas, conchavos e pirotecnia fora do alcance da imaginação de qualquer produtor ou roteirista.

A indústria aquecida pelo streaming nos contemplou com vários exemplares de um gênero até bem pouco tempo desprezado pelo hábito brasileiro: o documentário, das biografias ao gênero true crime.

A partida do gênio Jô Soares nos alertou para o risco de a TV estar perdendo a graça, e a volta de Marcelo Adnet ao ar só na hora do futebol sublinhou que esta mesma TV já foi bem mais disposta a rir de tudo e de todos.

A Copa do Mundo fechou um ano de grandes emoções. Mesmo quem se recusa a misturar esporte, política e religião não conseguiu ficar imune a essa miscelânea.

De quebra, o cenário televisivo aposentou compulsoriamente figuras que há anos habitavam nossa rotina, promovendo ainda a migração de uns e outros para espaços que mal se conheciam tão potentes, como mostrou a Copa do Casimiro Miguel. Quem poderia prever, há um ano, que veríamos mundial de futebol pelo streaming?

Em contraste ao fenômeno Casimiro, demos adeus às narrações de Galvão Bueno pela Globo, mas até isso está no pacote das grandes transformações de mídia do ano, já que o mais famoso dos locutores de esporte vai inaugurar, em 2023, um canal para chamar de seu, também pelo streaming.

O mundo está virado e a TV capota junto, janela que é do mundo --e para o mundo.

A seguir, confira uma lista de momentos selecionados pela coluna para resumir o filminho de 2022:

FAUSTÃO NO OUTRO CANAL

A essa altura, quase não nos lembramos da alta expectativa que antecedeu a estreia de Fausto Silva em outro canal, o mesmo que ele havia deixado 32 anos antes de ir para a Globo. A volta à Band foi anunciada nos primeiros minutos de 2022, com estreia de fato marcada para a segunda semana de janeiro, e gerou alta curiosidade do público, que chegou a dar quase 10 pontos de audiência à emissora.

A exibição em horário concorridíssimo, no entanto, arrefeceu os ânimos daquele lançamento, levando Faustão a se contentar com algo em torno de 2 pontos de audiência, menos de 10% do que ele tinha pela tela da Globo. Para a Band, no entanto, isso representou um saldo quadruplicado do que lhe rendia o pastor R.R. Soares, ex-inquilino daquele espaço.

TIAGO ABRAVANEL PEDE PARA SAIR

Quando o neto de Silvio Santos, uma das principais grifes do BBB22, apertou o botão para deixar espontaneamente o reality show da Globo, a gente já deveria ter se convencido de que essa edição viria para flopar de vez. Embora tenha de novo trazido um grande faturamento à Globo, o jogo do ano se mostrou insípido e inodoro, para o azar de Tadeu Schmidt, que ali estreava como apresentador.

A edição fez campeão um moço muito bem preparado para entregar o que o público queria, enquanto as torcidas organizadas fora da casa voltaram a manipular o saldo de votos, dessa vez por um personagem que não sobreviveu ao interesse da emissora fora do confinamento.

Arthur Aguiar se mostraria o menos interessante dos vencedores do BBB dos últimos três anos, e perdeu até o documentário que se dedicaria a retratar a sua trajetória após o fim da temporada, como aconteceu com vencedores (e até derrotados) de anos anteriores.

A MORTE DE MARIA MARRUÁ

Entre as muitas cenas icônicas deixadas por "Pantanal", vamos destacar a morte de Maria Marruá, personagem de Juliana Paes, que foi desafiada a virar onça na hora da morte, amém, e lutou com seu algoz como pode, com bala no ventre e forças minadas. Mas a mãe de Juma ficaria a rondar a tapera da cria até o último de seus dias, resistindo às queimadas que destroem o Pantanal na vida real.

Àquela altura, a novela já tinha dado outros shows, principalmente pela presença de Irandhir Santos como Joventino, patriarca dos Leôncios, em um duelo com o boi Marruá, pouco antes de se tornar o espírito do Velho do Rio, que permearia toda a novela e só desaparecia no último capítulo, então na pele de Osmar Prado, para dar lugar ao filho, José Leôncio, em grande performance de Prado e Marcos Palmeira.

DUELO DE CORDAS

Intérprete de Trindade, o violeiro que faz pacto com o diabo, na versão original de "Pantanal", pela extinta Rede Manchete, Almir Sater emprestou o filho, Gabriel, ao mesmo personagem no remake deste 2022. O herdeiro honrou o histórico do pai e ainda contracenou com ele em ocasiões diversas, com destaque para um duelo de viola e violão que tomou mais de sete minutos de uma única e rara sequência na TV atual, que mal se permite exibir cenas de mais de três minutos em uma novela ou série.

E não é que o público tenha apenas tolerado a sequência. A cena ficou entre as mais comentadas no Twitter de toda a novela, tendo rendido aumento nas buscas do Google pelos nomes de pai e filho, matéria no Fantástico e gente dedicada a observar aquele dedilhar dos Sater.

O TRIUNFO DA 'BRUACA'

A performance de Isabel Teixeira para a personagem que foi de Angela Leal há 32 anos, somada ao texto de Bruno Luperi atualizado nas lutas contra o machismo, a misoginia e a homofobia, entregou uma interpretação pronta par comover o público. Embalada por entretenimento, sem didatismo, a desconstrução de preconceitos estruturais deu show.

Na ficção, o ano foi de Isabel.

Mas o avanço das meninas na tela contou ainda com outra injeção de ânimo na proposta de mostrar que lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na histórica seara da narração de futebol, que pela primeira vez contou com mulheres na locução e nos comentários de uma Copa do Mundo, por meio de Renata Silveira, Natália Lara, Ana Thais Matos e Renata Mendonça.

SILVIO SANTOS VEM AÍ?

Senor Abravanel passou dois anos confinado por força da pandemia, com breve intervalo para sanar a ausência dos estúdios entre julho e agosto de 2021, quando a Covid o pegou. No início deste ano, finalmente retomou seu trono no SBT e logo se entusiasmou em gravar uma nova edição do Troféu Imprensa, premiação que também passou dois anos suspensa. Foram três horas de expediente sem pausa, exibindo a resistência do homem nos seus então 91 anos.

Mas a presença do patrão nos estúdios não duraria muito, e ele voltou a sair de cena sob forte gripe, sem mais retornar ao palco, que tem sido ocupado pela filha número 4, Patrícia Abravanel, ainda que ela mantenha o nome do pai no programa.

Como bom animador de apostas, Silvio Santos se recusa a dizer que está aposentado, até mesmo para se dar ao direito de voltar ao ar quando lhe der na telha.

HÁ (MUITA) VIDA FORA DA GLOBO

Em 2022, além dos vários atores que deixaram de ter vínculo longo com a Globo sob contrato de exclusividade, encontrando vida em serviços de streaming como a Disney, a HBO Max, a Netflix e o Prime Video, tivemos de lidar também com a saída daquela tela de gente que nos dizia Bom Dia há anos, como Chico Pinheiro, ou Boa Noite, caso de Carlos Tramontina.

No futebol, as análises feitas sobre o jogo em campo perderam intensidade e ousadia com a saída de Walter Casagrande Jr., que deu a letra nesta Copa, agora como colunista do UOL e da Folha. Seus comentários, contundentes e necessários, se mostraram premonitórios diante da derrota do Brasil, com previsões absolutamente ausentes na Globo, ao menos até que a tragédia se consumasse.

Já a despedida anunciada de Galvão Bueno será, na verdade, um "até logo", já que a voz dele deixa de narrar na TV, mas segue nas chamadas institucionais que anunciam os principais eventos esportivos e sua presença já é aguardada para a transmissão da abertura da Olimpíada de Paris.

Um novo contrato de dois anos lhe dá ainda a chance de produzir um especial por ano para a emissora e a liberdade para trabalhar à vontade em seu novo canal no streaming, sob o guarda-chuva da Play9, de Felipe Neto e João Pedro Paes Leme.

E quem pensa que isso pode representar uma redução de espaço e dinheiro na conta do homem é porque não acompanhou o êxito de Casimiro Miguel nas transmissões da Copa do Qatar pela Cazé TV. O alcance do canal, via YouTube e Twitch, fez mais audiência que muitos canais abertos de TV.

No novo modelo de trabalho, Galvão segue atraindo grandes marcas para faturar com publicidade, já que continua tendo a Globo como vitrine, com chance de ampliar sua atuação no segmento da internet e de cuidar de suas vinícolas, como gosta, com agenda mais flexível.

INTERNET X TV

Faz tempo que há vida fora da TV, e a internet endossa novos ídolos a cada dia, mas esse negócio de uma tela querer absorver o sucesso da outra sem entender que o consumo da TV linear nem sempre se equipara ao das redes sociais não funciona.

Não adianta contratar influenciadora como atriz ou jornalista sem respeitar o ofício a que a contratação se destina. A Globo errou ao escalar Jade Picon para estrear no seu horário nobre, sem preparo suficiente para encarar a ficção. Apostou no seu poder de influência, que durou apenas o momento da curiosidade de seus fãs, escalando a moça para um papel central de uma novela fraca, com uma história frágil e pouco crível.

Novela não tem compromisso com a realidade, mas carece de lógica e de uma boa história, o que "Travessia" não entrega.

ELEIÇÃO FOI O REALITY DO ANO

Num ano fraco em reality shows, as eleições deram o tom de suspense e cenas inacreditáveis, com direito a motociatas, enredos da Carochinha contados sobre pedofilia, fake de fake news e intensa movimentação de YouTube, Twitter, Facebook e TSE para inibir a indústria de pistas falsas do jogo.

Os debates ganharam definitivamente um recurso de flexibilidade lançado nas eleições municipais passadas, em modelo proposto pela Folha, com tempos de resposta, réplica e tréplica somados ao gosto do candidato.

Pouco presente nos embates de 2018, sob o pretexto da facada que sofreu em Juiz de Fora (MG) a dois meses do pleito, Jair Bolsonaro se viu forçado, pela primeira vez em quatro anos de governo, a encarar jornalistas que o cobrariam de suas ações no cargo e de planos futuros. E não se conteve em atacar presencialmente a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura e do Grupo Globo, que também sofreu ataques de um aliado seu nos bastidores de um dos debates a governo do Estado de São Paulo.

Antes disso, as sabatinas de Lula e Bolsonaro no Jornal Nacional chegaram a estar entre as audiências mais altas da TV neste ano, com índices depois superados pelos jogos do Brasil na Copa, além da final entre França e Argentina, mas que serviram para mensurar o interesse do eleitor sobre o tema.

A REALIDADE DOS DOCS

Graças aos serviços de streaming, tivemos uma avalanche de documentários sobre figuras nacionais, enumerando aí o caso Daniella Perez (HBO Max), o caso Escola Base, por Valmir Salaro (GloboPlay), as belas cinebiografias de Tim Maia e Nara Leão, ambas por Renato Terra, em formato de série (GloboPlay), o assalto ao Banco Central (Netflix), o caso Celso Daniel (GloboPlay), o filme sobre os Racionais MCs (Netflix) sob direção de Juliana Vicente, o longa sobre Ronaldo Fenômeno (GloboPlay, com produção da FIFA), e os documentários sobre Adriano Imperador (Paramount) e Walter Casagrande (GloboPlay) pelas mãos da documentarista Susanna Lira.