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Zapping - Cristina Padiglione

Casagrande deixa a Globo em ano de Copa do Mundo

Emissora perde única voz crítica à seleção brasileira; 'foi um alívio para os dois lados', diz comentarista

Walter Casagrande Jr., comentarista esportivo
O ex-jogador e comentarista esportivo Walter Casagrande Jr - @wcasagrande no Instagram
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A Globo rescindiu nesta quarta-feira (6) o contrato de seu principal comentarista de futebol, maior voz crítica à seleção brasileira, a menos de cinco meses de uma Copa do Mundo e a três meses de uma eleição presidencial sobre a qual ele tem se posicionado claramente como opositor de Jair Bolsonaro.
Em vídeo publicado em suas redes sociais, Walter Casagrande Júnior, 59, anunciou o fato e disse que "na realidade, foi um alívio para os dois lados".

"Eu vim aqui pra comunicar vocês que depois de 25 anos de TV Globo, seis Copas do Mundo, cinco finais, incluindo a de 2002, com os dois gols do Ronaldo, três Olimpíadas e diversas finais de campeonatos por aí, meu ciclo acabou. Estou saindo da TV Globo hoje, não faço mais parte do grupo de esportes da TV e vou seguir a minha estrada."

As relações entre a chefia de esportes e o comentarista começaram a azedar desde a troca no comando do departamento, entre 2016 e 2017, mas pioraram após a Copa América, em 2019.
Presente no time da emissora desde 1997, o ex-jogador fez sua primeira Copa em 1998, na França, e começou a comentar partidas da seleção em 1999.

Parceiro de Galvão Bueno desde 1997, Casagrande esteve na transmissão de todos os jogos da seleção ao longo de 20 anos pela Globo. Sua saída, a essa altura, esvazia um pouco a esperada despedida de Galvão, planejada para a final do mundial no Qatar.

Na final da Copa da Rússia, em 2018, Casagrande emocionou o público e o locutor ao dizer que pela primeira vez encerrava o trabalho em um mundial fora do país sem recaída alguma pela dependência química. "Assim você chora e me faz chorar", comentou Galvão na ocasião.

No momento, Casagrande protagoniza um dos melhores e mais vistos lançamentos do GloboPlay deste ano, o documentário "Casão em um Jogo sem Regras", série dirigida por Susanna Lira que narra suas glórias e derrotas. A produção o levou ao centro do Roda Viva, o mais tradicional programa de entrevistas da TV brasileira, pela TV Cultura. E foi negociada diretamente entre a diretora e o GloboPlay, sem qualquer relação com o departamento de esportes, onde o desgaste parecia irreversível. A chefia da área ignorou a boa repercussão da série.

Neste ano, o comentarista se destacou ainda entre as edições de despedida de Fátima Bernardes das manhãs da Globo, esteve no Altas Horas e gravou programas no canal GNT. Mostrava-se mais valorizado por outros campos da empresa do que por aquele que pagava o seu salário.

COERÊNCIA

Conhecido por se posicionar com franqueza a respeito de temas relevantes sobre política, racismo, homofobia e meio ambiente, o ex-jogador honrou, como comentarista de futebol, o histórico de quem foi um dos líderes da Democracia Corintiana, ao lado de Sócrates e Wladimir, nos anos 1980. Ainda estávamos sob o regime militar quando o time alvinegro ostentava a palavra "Democracia" na camisa e todas as decisões eram tomadas com base no voto dos jogadores e de toda a equipe do Timão.

Foi sob esse contexto que o grupo se engajou na campanha das Diretas Já, em apoio à volta do voto direto para presidente da República, com lugar no palanque do icônico comício da Praça da Sé em 25 de janeiro de 1984.

Daí a coerência de Casagrande em defender que atletas se posicionem sobre ideias capazes de promover a conscientização do público quanto a temas caros aos índices sociais do país. Daí a coerência em bancar divergências, sempre de modo civilizado, com colegas como Caio Ribeiro e Tiago Leifert, que deixou a Globo no ano passado e já declarou ser contra o posicionamento político de atletas.

Ídolo do Corinthians, Casagrande jogou também pela Caldense (Poços de Caldas), pelo São Paulo Futebol Clube, pelo Flamengo, pelo Porto, em Portugal, e Ascoli e Torino, na Itália.

A estreia como comentarista aconteceu pela ESPN Brasil e chamou a atenção do ex-diretor de esportes da Globo, o saudoso Marco Mora, que o convidou a trocar de canal sob a condição de atuar na emissora dos Marinho com a mesma independência que demonstrava no canal pago.

O hábito de nadar contra a corriqueira bajulação que profissionais de canais detentores de direitos esportivos costumam praticar no ofício lhe garantiu credibilidade e boas controvérsias em mesas redondas de futebol.

Sem Casagrande no Qatar, a Globo segue para a Copa com Caio Ribeiro e Júnior, atendendo a um tom mais amistoso e uníssono em relação à principal estrela da seleção canarinho, Neymar Jr., e ao próprio time.

Em recente edição de sua coluna no site GE, do Globo Esporte, "De Peito Aberto", Casagrande jogou água fria nas expectativas para a conquista do Hexa: "Situações de Neymar e Daniel Alves deixam uma pergunta: o Brasil é mesmo um dos favoritos na Copa?"

Sua ausência no Qatar aponta para uma transmissão mais interessada no ufanismo que atrai a audiência do que na objetividade técnica que não canta vitória antes da hora e preza pela crítica necessária.

Pena.

OUTRO LADO

Por meio de uma nota, a Globo se manifestou sobre a saída do comentarista após a publicação deste texto:

"Como jogador, Walter Casagrande Júnior escreveu uma história importante dentro de campo: ídolo do Corinthians, onde foi protagonista da Democracia Corintiana, teve passagem pelo futebol europeu e também defendeu a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1986. Fora dos gramados, a trajetória foi também de sucesso.

Há 25 anos ele exerce a função de comentarista, 24 deles na Globo. Um período marcado por grandes momentos, conquistas, emoções, superação e pela autenticidade, uma de suas marcas registradas. Em comum acordo, a parceria entre Globo e Casagrande chega ao fim, mas suas análises estarão para sempre marcadas no almanaque das transmissões de futebol da televisão brasileira."

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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