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Zapping - Cristina Padiglione

'Travessia' tropeça em erros primários: confira os 5 maiores

Das viúvas de José Leôncio a estreante em papel de destaque, novela de Glória Perez busca ajustes em pleno voo

Chiara (Jade Picon) confunde o vulnerável Ari (Chay Suede) por seu poder econômico - Fabio Rocha/Globo
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Ao fechar o primeiro mês de "Travessia", principal produto de entretenimento da casa, a Globo comemorou a melhor audiência da novela desde a estreia, o que ainda representa 5 pontos percentuais a menos que sua antecessora, "Pantanal".

Em São Paulo, a trama de Glória Perez registrou 24 pontos de audiência e 39% de participação entre o total de TVs ligadas, com crescimento de 1 ponto em relação à semana anterior. No Rio, a novela registrou média semanal de 28 pontos, sendo sintonizada por 44% dos aparelhos ligados --isso são 2 pontos a mais de audiência e 1 a mais de participação em relação à semana anterior, na região.

O folhetim registrou ainda recorde semanal em Belo Horizonte (23 pontos), Porto Alegre (24), Belém (30) e Salvador (24).

O progresso da terceira para a quarta semana corresponde ao início da retomada da vida roubada de Brisa (Lucy Alves), a protagonista, que teve o noivo, Ari (Chay Suede), se engraçando com uma rica herdeira mimada (Chiara, papel da estreante Jade Picon) e o filho do casal já morando na casa da possível futura família abastada.

Logo a Brisa, que dava um duro danado no interior do Maranhão para que o rapaz concluísse seus estudos em São Luís, na capital, e foi vítima de fake news tratada como brincadeira de criança, sendo até presa, enganada nessa proporção? Que homem é esse Ari? De que adianta ser Chay Suede e ter um caráter fraco desse jeito?

A plateia não embarcou no enredo como a direção da Globo gostaria. Pudera. A novela anterior seduziu com êxito um público bem maior, em torno de um personagem robusto que não encontrou parâmetro em "Travessia": a partida de José Leôncio (Marcos Palmeira) e seus súditos deixou um time de telespectadores viúvos. Só em São Paulo, temos 1 milhão a menos de pessoas diante da TV.

Mas, diferentemente de "Um Lugar ao Sol", novela anterior a "Pantanal", que ficou até abaixo de "Travessia", na casa dos 22 pontos, e sem condições de ser ajustada de acordo com o gosto do público por estar já totalmente gravada antes de estrear --em função da pandemia--, a trama da vez já busca adequação ao sabor da audiência.

Alguns problemas, no entanto, podem ser endêmicos da própria produção, sem muita saída. Vamos aos maiores cinco dramas do próprio drama de "Travessia".

JADE PICON

Jade Picon é muito crua para o tamanho exigido de sua função na história: corromper o caráter do mocinho e tirá-lo da heroína, Brisa. Sim, a Globo já fez várias apostas em novos talentos numa novela das nove, mas não na linha de frente, como acontece com a intérprete de Chiara. O próprio Guito, em "Pantanal", foi um golaço da casa, ao interpretar Tibério. O personagem, no entanto, não afetava a trama central, como acontece agora. De Grazi Massafera a Ricardo Macchi, o Cigano Igor, as missões entregues a estreantes sempre foram menos pesadas.

A inglória tarefa de Chiara tampouco conspira a favor da moça, que surge para atrapalhar o romance enaltecido em imagens bucólicas nas areias maranhenses, imagem vista no primeiro capítulo e em um zilhão de flashbacks de Brisa e Ari.

DIREÇÃO

A direção de Mauro Mendonça Filho não encontrou uma unidade que desse identidade à novela. O diretor chega a flertar com Almodovar, sem condições de sublinhar muito essas referências em um enredo que se vende de modo mais realista e menos fantástico do que as narrativas do cineasta espanhol. Falta direção de atores, falta emoção, falta comoção nas atuações, falta alinhavar diálogos, ponto essencial para qualquer encenação. Com algumas exceções, como Drica Moraes e Marcos Caruso, todo mundo fala como se já soubesse ou não escutasse o que o outro tem a dizer.

ENTROSAMENTO

Falta entrosamento entre o elenco, o que transborda para a tela e se escancara de modo gritante em relação a "Pantanal", onde as relações de bastidores eram as melhores possíveis, inclusive favorecidas pelas viagens de toda a equipe a Aquidauana (MS), uma imersão no próprio Pantanal, que era quase um personagem da história. Os bastidores de "Travessia", que nunca estiveram no nível de "Pantanal", pioraram com os assédios ideológicos proferidos por Cássia Kis.

A atriz não deu ouvidos à regra reforçada pela Globo em períodos pré-eleitorais para que preferências políticas não sejam comentadas no ambiente da empresa, especialmente no sentido da militância. No caso de Cássia, isso foi agravado por declarações homofóbicas e pelo ativismo católico, com valores religiosos que têm incomodado quem pensa diferente dela. Consta que há queixas sobre ela já dirigidas ao departamento de compliance da Globo e que colegas vêm bloqueando a atriz no WhatsApp, a fim de evitar suas pregações religiosas e ideológicas.

A participação da atriz na tela deve se reduzir ou até ser encerrada, a fim de melhorar o clima nos bastidores. Mas Cidália, sua personagem, tem a importante função de questionar e confrontar a chatice da mimada Chiara, e sua eliminação da trama pode enfraquecer ainda mais o efeito negativo de Jade Picon sobre a opinião da audiência.

SÍNDROME DE MODERNICE

A linguagem altamente tecnológica estampada pela trama do metaverso, e sequências com hologramas, holografias e afins, não foram bem digeridas pelo público, estranhamento também reforçado pelas boas impressões orgânicas e naturais deixadas pela novela antecessora. Mauro Mendonça Filho testou, aparentemente sem êxito, a exposição de conversas digitais com telas de celular ampliadas na tela da TV.

MOCINHO BANDIDO

O mocinho da história, Ari, mostra-se muito fraco de caráter, um conflito interessante para fazer valer a discussão sobre o impacto do poder econômico na vulnerabilidade moral do ser humano, mas mal digerido por um público carente de grandes heróis na vida real. Mesmo a proposta de exaltação da figura feminina nesse contexto, no caso, Brisa, perde força, à medida que o seu par se mostra tão fragilizado pelo poderio financeiro de Chiara.

Em tempo: cada ponto de audiência na Grande São Paulo corresponde a 205.755 telespectadores, parâmetro que na Grande Rio vale 124.692 pessoas.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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