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Tony Goes

Debate mais solto deixou candidatos exporem não suas ideias, mas a si mesmos

Lula estava visivelmente mais à vontade e relaxado que Bolsonaro

lula e bolsonaro na tela da Band
Lula e Bolsonaro no debate presidencial do segundo turno - Reprodução
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Debate entre apenas dois candidatos é outra coisa. Sem coadjuvantes tentando roubar os holofotes, os protagonistas da corrida eleitoral conseguem expor com mais clareza não suas plataformas de governo ou suas visões para o país, mas algo ainda mais interessante: eles próprios.

Debate em que os candidatos podem se enfrentar sem muita mediação e sem a restrição das respostas muito curtas, então, é o equivalente da política contemporânea a um embate de gladiadores no Coliseu.

O formato do banco de tempo, já adotado no debate da semana passada entre Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidatos ao governo de São Paulo, é um acerto considerável. Desengessa o confronto e permite um contraste muito mais claro entre os adversários.

Foi sob esta regra que discorreu o primeiro bloco do primeiro debate presidencial da campanha do segundo turno das eleições presidenciais, promovido pelo pool formado por Folha, UOL, Band, Cultura e outras empresas ligadas a esses grupos de comunicação. Depois de responder a uma pergunta dos mediadores, cada um dos candidatos tinha 15 minutos para se dispor como gostaria, interpelando diretamente o adversário.

Jair Bolsonaro (PL) foi o primeiro a responder a uma pergunta do jornalista Eduardo Oinegue, um dos mediadores. Tenso, não encarou a câmera nem saiu de trás de sua bancada. Lula (PT), que respondeu em seguida, aproveitou a deixa e fez exatamente o contrário: caminhou pelo palco e se dirigiu diretamente ao espectador. Estava com a voz cansada, mas visivelmente mais à vontade que o rival.

Na sequência, os dois se dirigiam um ao outro com um leve escárnio. Lula tratava Bolsonaro com um quase desrespeitoso "você", Bolsonaro replicava com um irônico "seu Lula".

Num dado momento, o atual presidente chegou a apelar para o etarismo para desqualificar o ex-presidente: "pega mal para a sua idade". Curiosamente, não conseguiu conter a tosse algumas vezes, quando o assunto era a Covid-19.

No segundo bloco, os candidatos tinham que responder a perguntas feitas por jornalistas. A primeira foi Vera Magalhães, desrespeitada por Bolsonaro no primeiro debate presidencial do primeiro turno. Lula pediu para ela não se assustar: iria se aproximar da câmera, mas sem agredir a repórter. Já o presidente iniciou sua resposta com um cínico "que satisfação revê-la".

O candidato da extrema-direita se mostrou mais desenvolto ao responder a uma questão de Patrícia Campos Mello, repórter da Folha, sobe fake news. Tirou os óculos e, aparentando indignação, foi o primeiro a tocar no tema quente deste fim de semana: a pedofilia. Era evidente a tentativa de esvaziar uma possível investida de Lula, mas também uma jogada arriscadíssima.

Aliás, seus marqueteiros deveriam ganhar adicional por insalubridade. Não há uma única tentativa de suavizar a imagem de Bolsonaro que ele mesmo não dinamite com suas palavras tronchas.

No terceiro bloco, que voltou ao formato do banco de tempo, aconteceu algo inusitado. Lula respondeu a uma pergunta de Bolsonaro sobre o petrolão; quando terminou, o presidente ficou alguns segundos sorrindo, sem dizer nada. Parecia não saber o que retrucar. Quase um nocaute técnico.

Em seguida, os dois se aproximaram, e Bolsonaro chegou a tocar Lula no ombro. Por um momento, passaram a impressão de que iriam sair no mano a mano. Acabaram falando os dois ao mesmo tempo, provocando uma intervenção do mediador Leão Serva.

Nas redes sociais, um dos assuntos era o look dos candidatos. Lula tomou de volta as cores da bandeira, ao portar uma gravata com faixas verdes, amarelas, azuis e brancas. Já Bolsonaro escolheu uma gravata totalmente verde.

O petista também usava um broche da campanha Faça Bonito, contra a violência sexual contra crianças e adolescentes – uma sutil cutucada ao adversário, acusado de pedofilia depois de dizer que "pintou um clima" entre ele e uma venezuelana de 14 anos de idade.

Na reta final, Lula cometeu uma bobeada: falou demais e esgotou seu banco de tempo muito antes que Bolsonaro, que ainda tinha quase seis minutos à disposição. O presidente finalmente se soltou diante das câmeras, mentindo à vontade sobre Lula ter fechado igrejas, sem medo de ser interrompido. Seu adversário fez dois pedidos de direito de resposta e um deles foi aceito, o que lhe rendeu apenas um minuto a mais.

De modo geral, foi um debate animado e, felizmente, curto: menos de duas horas. Nenhum dos candidatos feriu o outro de morte, nem houve o momento de exaltação que tantos esperavam. Ambos foram aperfeiçoando seus desempenhos ao longo dos blocos. Lula largou melhor, titubeou no último bloco, mas se recuperou nas considerações finais. A ver se o confronto repercutirá nas pesquisas que serão divulgadas esta semana.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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