Betty Faria faz 80 anos cheia de sonhos e assustada com Brasil de Bolsonaro
Atriz se indigna com penúria do cinema brasileiro e o ódio nas redes sociais
Atriz se indigna com penúria do cinema brasileiro e o ódio nas redes sociais
Betty Faria faz 80 anos neste sábado (8) e diz se surpreender em como o tempo passou "rápido demais". "E olha que eu vivi, não fiquei feito a Carolina na janela....'O tempo passou na janela, e só Carolina não viu'", cantarola a atriz a música de Chico Buarque.
"Eu vivi tanto que não me dei conta do tempo", completa ela em conversa por Zoom, ao F5. "Que delícia", responde esta repórter. "Não sei se é uma delícia, é uma loucura", diz a atriz, aos risos.
Apesar de uma dorzinha aqui e outra ali, Betty Faria se mostra muito entusiasmada e ativa. "Tenho tantos sonhos, tenho tantos planos", destaca. Por superstição, porém, ela diz não revelar os projetos.
Por outro lado, a atriz lamenta não ter feito duas "participações pequenas e muito interessantes" para as quais havia sido convidada, mas que a Globo vetou para preservar a saúde dela e evitar que fosse infectada pela Covid.
No dia 1º de março, Betty recebeu a primeira dose do imunizante contra a doença, do laboratório AstraZeneca/Oxford. Ela deve receber a segunda dose no início de junho. "É claro que eu fiquei contente de ser cuidada, mas fiquei triste por perder as minhas personagens".
Segundo ela, os papéis eram bem diferentes do que está acostumada a fazer. "Eu estava encantada." "Agora tem que vir coisas maravilhosas", projeta.
Diferentemente de grandes nomes da teledramaturgia brasileira que não tiveram seus contratos renovados com a Globo em 2020, a exemplo de Antônio Fagundes, Tarcísio Meira e Glória Menezes, Betty Faria segue contratada da emissora.
A atriz prefere não falar sobre o assunto. "Posso dizer a você que estou feliz e muito grata de nesta pandemia estar na TV Globo com toda a cobertura, carinho e atenção que eu tive", comenta.
Faltam bons personagens para mulheres mais velhas? Betty Faria diz que esse é um papo que ela "concorda e não concorda". Segundo explica, as histórias são normalmente protagonizadas mesmo por pessoas mais jovens. E isso não é só na TV ou no cinema brasileiro, mas no mundo, afirma.
"Adoro a minha profissão, adoro representar. Tudo que me oferecem, eu faço. Se eu gostar, é claro. Se eu achar, 'ah essa mulher é uma babaca', não faço. Mas se eu gostar, faço, independentemente do tamanho", diz a atriz, que estreou na Globo no ano da inauguração da emissora, em 1965, com o musical Dick e Betty 17.
Para ela, é importante estar sempre praticando o ofício da interpretação. "Representar é igual ginástica, porque você vai representando, vai exercitando", diz. "A pessoa que fica parada, sentada, dizendo ser um absurdo não ter papéis para mulheres mais velhas...acho isso um saco, esse chororô, esse mimimi."
Betty Faria diz ser uma visão "muito limitada" essa reclamação, embora admita que são poucos os papéis bons destinados a essa faixa etária. "Então, o que tiver, eu vou fazer. E aí poder ter um maravilhoso, e eu mato a pau", comenta.
Com mais de 400 mil mortes por Covid, Betty Faria diz não ter coragem de fazer uma comemoração pelos seus 80 anos. "Tenho a minha solidariedade para o povo brasileiro que está sendo massacrado e dizimado".
Ela afirma sentir medo de ser contaminada pela Covid e, portanto, segue à risca o isolamento social. Recentemente, a atriz conta ter perdido para a doença a sua contadora, "uma senhora adorável, que cuidava de mim".
Perguntada sobre o desempenho do secretário especial da Cultura, o ator Mario Frias, Betty Faria diz que o problema é muito maior que ele. Na avaliação dela, a situação vivida no Brasil é parte de um movimento de extrema-direita em ascensão no mundo que quer "acabar com a cultura, com a educação, com os negros, os gays e os velhos".
"Esse extrema-direita tem na Hungria, o Steve Bannon, o Olavo de Carvalho [...] Eles acham que têm que destruir tudo para fazer uma nova sociedade. E eles estão conseguindo muito", diz.
Na opinião dela, o "coitadinho do secretário de Cultura nem sabe que isso existe". Mas, apesar do caos, a atriz vê esperança no fim do túnel, que passa pela não reeleição do atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022. Ela também destaca a responsabilidade e a falta de solidariedade dos brasileiros que, mesmo diante do elevando número de mortes na pandemia, seguem realizando festas clandestinas.
"Talvez, espiritualmente falando, o povo brasileiro tivesse que passar por isso para acordar, para tomar um pouco de consciência. Uma coisa que já me chocava muito antes da pandemia era assim: crianças sendo mortas na favela e na esquina ter um batuque, um ziriguidum, um Carnaval e todo o mundo sambando", afirma.
Betty Faria também critica o famoso, e muitas vezes celebrado, "jeitinho brasileiro". "Que jeitinho, pô? Isso é corrupção, corrupção mesmo... O Brasil precisa de educação e saúde. Um povo sem educação e saúde dá nisso", reflete.
Faz também questão de ressaltar a penúria que o cinema nacional vive mesmo antes da pandemia. "Se um governo não gosta dos artistas, não gosta dos cineastas, não gosta dos diretores, do cinema, claro que para tudo", diz.
"Antes da pandemia, já estava estabelecido esse boicote ao cinema brasileiro, e essas fake news torcendo a cabeça da opinião pública contra nós, falando que estamos na mamata, quando mamata são eles que seguram o dinheiro da Condecine [Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional]."
A Agência Nacional do Cinema, a Ancine, teve uma diminuição considerável nos editais de fomento direto ao audiovisual, desde o início do governo Bolsonaro, levando a uma quase paralisia do setor. Além disso, desde o início de 2020, a Ancine vem reprovando as contas de filmes produzidos e exibidos há mais de uma década, e é acusada de travar verbas destinadas ao segmento.
Na avaliação da atriz, um "governo inteligente" usaria a sétima arte para promover a cultura e o nome do Brasil no exterior, como fizeram os americanos com Hollywood. "Tenho esperança de que isso aconteça ainda. Que pessoas e governos inteligentes e cultos promovam a cultura."
Isolada, Betty Faria afirma aproveitar o período para estudar. A atriz afirma que, em 2020, a Globo promoveu uma série de oficinas sobre grandes cineastas, como Federico Fellini (1920-1993), Ingmar Bergman (1918-2007) e Pedro Almodóvar —este último que ela tem como ídolo. "Ele só não fez filme comigo, porque ele não me conheceu até hoje", diz, sorrindo.
Em 2021, ela fez também, sempre de forma remota, uma oficina de atores da emissora, criada por Chico Accioly, gerente artístico de elenco da Globo. "Eu muito abusada resolvi fazer. E claro que eu era a mais velhinha, mas foi maravilhoso. Você se sente renovada."
Além disso, ela diz ser noveleira e não perdia um capítulo da reprise de "A Força do Querer" (2017) na Gobo, em que atuou como Elvirinha, que ela considera um presente dado pela autora Glória Perez. Agora também tem visto a reapresentação de "Império" (2014-2015), de Aguinaldo Silva.
Betty Faria afirma ainda não ter assistido às tramas pelo streaming, mas ficou feliz que "Tieta", a personagem mais famosa da sua carreira na TV, ter sido a novela mais vista no Globoplay em 2020. "Ela representa a liberdade com muito amor no coração e sem preconceitos. Ela se apaixona por um garoto, e a melhor amiga é uma travesti. É ecológica, há lutas ecológicas durante a novela. É uma história muito atual."
Também está sempre ligada nas redes sociais, especialmente no Twitter e nas notícias —durante a entrevista de 50 minutos disse que estava ansiosa para saber o que o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta estava falando na CPI da Covid.—a conversa com a atriz foi na última terça (4).
Com o gerenciamento do seu perfil no Instagram, em que a atriz soma 353 mil seguidores, ela diz que gostaria de ser mais assídua. "Porque eu sumo..Eu penso: ah, vou botar uma foto, mas aí tenho preguiça de passar um rímel, pintar o olho."
E como lida com os haters e comentários? Betty Faria diz que já respondeu às críticas mal-educadas, mas hoje tem rebatido cada vez menos. "É um tipo de gente que não adianta, não vale a pena perder tempo. São pessoas que querem brigar por você ter determinado pensamento, aí vão atacando, chamam de comunista. Não sou comunista, mas longe disso, detesto comunismo, e não sou Lula. Já fui há muitos e muitos anos", diz.
"É uma turma que arrasa você, que te xinga, que te destrata", continua. Segundo ela, o pior é que isso não acontece só nas redes sociais. Betty Faria revela ter tido problema semelhante com uma colega de trabalho. "São pessoas burras, ignorantes e grossas. Elas se fecharam aqui [coloca as duas mãos entre os olhos] e não se informam. É uma loucura", diz, sem revelar quem seria a atriz. "Não vou dar esse ibope."
"O Brasil está cheio disso agora. As pessoas não se informam, estão cegas e surdas. Estão se matando, se xingando porque pensam diferente. É um absurdo o que está acontecendo, é uma coisa de fim de mundo, um fim de espécie."
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