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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu

'Todas as Flores' acabou como paródia de si mesma

Novela de João Emanuel Carneiro no Globoplay começou bem, mas chegou ao fim remetendo às sátiras do Casseta & Planeta

Regina Casé em cena de novela
Regina Casé como Zoé no capítulo final da novela 'Todas as Flores' - Reprodução Globoplay
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São Paulo

Malvado de novela, quando não morre no final, vai preso ou se redime. As três alternativas foram válidas para o desfecho de Zoé, a vilã vivida por Regina Casé em "Todas as Flores". Exibida pelo Globoplay para pagantes, a novela de João Emanuel Carneiro terminou nesta quinta-feira (1º), frustrando as altas expectativas criadas ao longo da 1ª temporada da história.

A mulher que abandonou uma filha cega, matou o pai das filhas, raptou o próprio neto, depois entregue ao tráfico humano, matou a mulher do amante e até o amante, por fim teve um breve surto psicótico de três minutos e assumiu a culpa por todos os pecados cometidos ao longo de 85 capítulos diante de um tribunal que estava prestes a condenar sua herdeira boazinha.

Heroína da história, Maíra teria facilmente provado sua inocência por meio de fartos recursos técnicos. Mas os personagens de "Todas as Flores" claramente não confiavam na polícia, científica ou não, tentando enfrentar criminosos terríveis sem ajuda profissional.

Zoé então se redimiu? Longe disso. Após cumprir pena, e sempre ostentando unhas gigantescas irretocáveis, a megera de bom coração voltou a viver de golpes, tendo como comparsa a filha malvada, Vanessa, alvo de adorável interpretação de Letícia Colin.

A atuação da atriz é o maior legado de "Todas as Flores".

Novela é ficção, não tem obrigação alguma de honrar a realidade, que tantas vezes parece ser mais inacreditável que folhetim. Mas há que ter lógica e o mínimo de coerência, seja em Hogwarts ou na Barra da Tijuca. "Todas as Flores" perdeu a confiança do público porque perdeu seu poder de persuasão, lançando meios que não sustentavam os fins.

A perda de rumo se deu sobretudo em função do enredo que envereda pelos meandros de uma facção dedicada ao tráfico humano. Em determinado momento, a trama parecia tão risível, que quando alguém anunciava "Fulano, você está na fazenda", cabia pensar se havíamos errado de canal e sintonizado no reality de confinamento da Record.

O capricho dos capítulos iniciais foi sucumbindo ao relapso e à preguiça, do texto à edição e montagem, como se a verba de produção tivesse sido drasticamente reduzida após o incêndio real que engoliu o maior cenário da trama, onde ficava a loja Rhodes, do mocinho Rafael (Humberto Carrão).

A frase "Eu vou acabar com você" foi repetida à exaustão por vários personagens na segunda etapa. No final, Pablo (Caio Castro) foge com todo o dinheiro cobiçado pelo pai e pela amante, e cai no golpe Boa Noite Cinderela aplicado por duas orientais seminuas, em uma sequência patética, de óbvias restrições orçamentárias, como diriam as saudosas paródias de novelas feitas pelo Casseta & Planeta.

A trama se tornou uma paródia de si. Até em função da frustração com "Travessia", de Glória Perez, lançada uma semana antes na TV aberta, "Todas as Flores" mereceu todos os aplausos e entusiasmo em seus primeiros 40 capítulos, disponibilizados até dezembro, quando a produção acabou de ser gravada.

A expectativa foi potencializada por um hiato de quatro meses, e a primeira semana da 2ª fase prometia muito. Maíra acabara de se submeter a uma cirurgia nos olhos e aprendia então a enxergar e a viver com baixa visão, sem que suas inimigas conhecessem tal condição.

Não que a trama gerasse uma expectativa de ser a nova "Avenida Brasil", cobrança que persegue o autor desde 2012, quando a Carminha de Adriana Esteves se despediu do público. Mas as personagens da vez se mostravam muito bem construídas, uma praxe em suas histórias, dentro de um melodrama incontestável: a filha cega abandonada pela mãe só conheceu a progenitora quando a irmã má precisou de um transplante de medula.

Da abertura às cenas de sexo, "Todas as Flores" mostrou a ousadia que tem cabulado aulas na TV aberta. Deu voz à abordagem sobre capacitismo. Fez Colin brilhar. E promoveu Regina Casé a uma saudável troca de papel, sem perder algumas frases da amável dona Lurdes (da novela "Amor de Mãe"): "Tua mãe tá aqui", repetia a vilã.

Carneiro, no entanto, meteu todo mundo, mocinhos e bandidos, em uma cilada. Foram poupados os personagens que tiveram a chance de morrer antes do capítulo final. Salvaram-se Sansa (Angelo Antônio), Débora (Barbara Reis), Humberto (Fábio Assunção) e Galo (Jackson Antunes). Melhor destino teve Guiomar (Ana Beatriz Nogueira), que partiu ainda no início da história, quando tudo parecia flores.

Já a morte de Raulzito (Nilton Bicudo), também na primeira fase, no incêndio ficcional da Rhodes, fez algum estrago. Embora seu destino tenha sido determinante para o sucesso de Mauritânia (Thalita Carauta) como empresária, a parceria entre os dois era um ponto alto do enredo.

Mauri perdeu fôlego e humor junto com o interminável concurso Garoto Rhodes, feito sob o pretexto de exibir belos meninos em cena.

E olha que nem falamos do bebê Rivaldinho, que permaneceu do mesmo tamanho enquanto várias tramas se desenrolavam. Gente morria, gente engravidava, gente nascia, gente enricava, gente empobrecia, gente casava, gente separava, o mundo girava, e o menino ali, igualzinho.

A história se desidratou no eixo central, como se o roteirista da segunda fase não fosse o mesmo da primeira.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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