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Zapping - Cristina Padiglione

Semelhança de 'Terra e Paixão' com 'Renascer' põe remake em risco

Coincidências temáticas simultâneas ou em novelas seguidas são erro primário historicamente evitado na Globo

Os atores Cauã Reymond e Tony Ramos em cena
Assim como João Pedro em 'Renascer', Caio (Cauã Reymond) é apontado pelo pai, Antonio (Tony Ramos) como culpado pela morte da mãe no parto - Reprodução Globo
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São Paulo

Uma infeliz semelhança entre "Terra e Paixão", atual novela das nove da Globo, e "Renascer", cujo remake está previsto para sucedê-la no horário das nove, coloca a releitura da trama de Benedito Ruy Barbosa em franca desvantagem para ganhar a atenção do público.

Um dos eixos centrais de "Renascer" é o filho que sofre a vida toda ao ser apontado pelo pai como culpado pela morte da mãe no parto. Essa história foi contada em 1993, tendo Antônio Fagundes como o patriarca José Inocêncio, e Marcos Palmeira como caçula de quatro irmãos.

Corta para 2023: Caio (Cauã Reymond) já repetiu algumas vezes, em apenas quatro capítulos da nova trama de Walcyr Carrasco, que se ressente de ter sido culpado pela morte de sua mãe no parto, responsabilidade que o pai sempre lhe imputou.

Em outros tempos, por semelhanças menos relevantes e até mais recorrentes em novelas, ex-dirigentes como Boni, Daniel Filho e Silvio de Abreu inibiam a presença de uma mesma questão em produções seguidas, da mesma forma como evitavam o desgaste de imagem de atores por longo período.

É uma questão de alternância para manter o público interessado em sintonizar a emissora naquele horário. Em 2011, quando escrevia "Morde & Assopra" para a faixa das sete, Carrasco já havia tropeçado em coincidências com outra novela do mesmo período e fora até acusado de plágio por Aguinaldo Silva.

Seu enredo trazia uma mãe maltratada pelo filho (Dulce, papel de Cássia Kis), tema que Aguinaldo exploraria logo em seguida em "Fina Estampa", por meio de Griselda (Lilia Cabral). Carrasco contou em live com a revista Caras em 2020 que reconhecia a semelhança entre as duas novelas, mas garantiu que não tinha conhecimento da trama de Aguinaldo e só fora advertido pela direção da Globo duas semanas antes de colocar sua novela no ar, sem ter tido prazo para mudar a trama.

Dessa vez, é certo que Carrasco não tivesse conhecimento sobre a escolha por um remake de "Renascer" quando começou a escrever "Terra e Paixão", mas como essa é uma resenha contada há 30 anos, a partir do momento em que a direção da emissora definiu sua releitura, seria conveniente eliminar esse argumento da trama de Carrasco.

O elemento do filho que se culpa pela morte da mãe tem menos peso no folhetim atual do que no enredo que vem sendo reescrito por Bruno Luperi, neto de Benedito. "Terra e Paixão" é norteada pela saga de Aline (Bárbara Reis), que quer vingar o assassinato do marido fazendo seu solo brotar. Já em "Renascer", a relação pai e filho é a essência da história, que acontece toda em torno dos conflitos entre os dois.

Consumado o erro de estratégia, a direção da Globo pode até arriscar manter "Renascer" a seguir, mas não tem sido tarefa fácil reerguer a audiência do horário, que amargou 22,9 pontos na quinta-feira (11), 0,1 a mais que a novela das sete, "Vai na Fé".

Não existe fórmula pronta para o sucesso, ou então não haveria fracassos em Hollywood, a mais bem estruturada indústria do entretenimento. Há, no entanto, uma lista de equívocos a evitar, e não repetir o mesmo argumento em um curto período é princípio básico.

A GLOBO MUDOU

Nos bastidores da emissora e do mercado audiovisual, roteiristas, diretores, produtores independentes e atores atribuem equívocos como esse às várias transformações em andamento na empresa desde 2019, afetando o organograma e suas chefias. Isso gerou, por parte dos profissionais da área de criação, a pergunta: a quem devo me reportar? O diálogo foi afetado.

De lá para cá, Silvio de Abreu foi substituído por José Luiz Villamarim, respondendo a Ricardo Waddington, que já perdeu o posto e está deixando a empresa.

Waddington havia assumido o comando dos Estúdios Globo e da área de entretenimento, funções antes abrigadas sob a aba de Carlos Henrique Schroder, ex-diretor-geral, cargo extinto em 2020. As atribuições de Schroder haviam se dividido entre Waddington e Amauri Soares, que foi diretor de programação anteriormente.

Com a saída de Waddington, tudo volta a se concentrar em uma só chefia, no caso, pelas mãos de Amauri Soares.

Nesse ritmo de "Escravos de Jó", algo que nunca foi praxe no Grupo Globo, tratativas iniciadas com determinado executivo tiveram, em mais de uma ocasião, de serem retomadas do zero com seus sucessores, gerando instabilidade principalmente no time de dramaturgos, que assim como o grupo de atores contratados por longo prazo sob exclusividade, sofreu grande redução nos últimos cinco anos.

A essa altura, iniciada uma nova novela das nove, a trama a seguir normalmente já teria seus protagonistas definidos, mas "Renascer" ainda não tem créditos de atores fechados. A maior parte do cast central só será escolhida a partir da definição do par Inocêncio-João Pedro.

Essa antecedência seria ainda mais necessária num cenário em que a Globo já não tem tantos atores a sua inteira disposição, como em outros tempos, nem passa perto da falta de concorrência que sempre lhe deu larga vantagem em relação a outros canais da TV aberta --convém lembrar que todas as grifes dispensadas pela emissora já estão ocupadas com produções no streaming.

A novela prevista para a faixa das nove após "Renascer", uma hipotética alternativa para evitar a repetição do chamado plot do filho que se culpa pela morte da mãe no parto, é "O Grande Golpe", de Ricardo Linhares e Maria Helena Nascimento.

Mas "Renascer" já está em fase de pré-produção, com texto mais avançado --até por se tratar de remake-- e locações praticamente definidas. A direção artística será de Gustavo Fernandez, que entrou em "Pantanal" para substituir Rogério Gomes, o Papinha, que deixou a Globo repentinamente, no meio da produção --outro episódio incomum--, por desentendimentos com Waddington.

Com a saída do ex-chefe, Papinha já está de volta e dirige agora "Guerreiros do Sol", novela para ser exibida antes pelo GloboPlay, com texto de George Moura e Sergio Goldenberg.

É o que dizem os veteranos da casa: a Globo mudou muito.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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