Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Zapping - Cristina Padiglione

Enrique Diaz torce pelo poder social de Timbó em 'Mar do Sertão'

Ator espera que personagem inspire como agente de transformação: amado pelo público, ele não perde a essência genuína, mesmo após descobrir petróleo no quintal de casa

Enrique Diaz em cena na novela 'Mar do Sertão'
Enrique Diaz como Timbó, ao lado do jegue Shopcente: personagem enrica ao descobrir petróleo no quintal de casa na novela 'Mar do Sertão' - Ronald Santos Cruz/Divulgação
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Timbó pode ser ingênuo, mas está longe de cair na armadilha do deslumbramento trazida pela fortuna. Forjado sob a seca do sertão e alvo do endêmico desdém da elite de Canta Pedra, cidade fictícia que ambienta a novela "Mar do Sertão", na Globo, o dono do jegue Shopi Cênti enrica, verbo que remete ao nome de seu intérprete, Enrique, no caso, o Diaz, ao encontrar petróleo no ressecado solo do quintal de casa.

Mas não dizem que petróleo fica debaixo do mar? Pois é, mas Canta Pedra é sertão que um dia já foi mar. Em conversa com a coluna, o ator conta qual desfecho desejaria para Timbó, figura que tem lhe enchido a alma com tantos abraços e afagos de um público formado por gêneros, extratos sociais e etários diversos, numa onda de afeto que ele, Enrique, temia estar anestesiada por quatro anos de estupidez, como se refere ao governo passado.

E não deixa de ser interessante que em uma novela que se gabou de reunir tantos atores nordestinos e tipos brasileiros, o mais brasileiro desses tipos, se não fisicamente, na prosódia e no comportamento, tenha nascido em Lima, no Peru. Caçula de seis irmãos --o também ator Chico Diaz é um deles--, Enrique chegou ao Brasil aos 2 anos, após mais uma mudança operada em função do ofício do pai, que trabalhava em uma instituição internacional.

Do mesmo jeito que Timbó não cai na conversa de gente interesseira que agora está a lhe paparicar pelo petróleo de sua propriedade, Enrique acredita que ele jamais seria massa de manobra dessa gente que hoje contesta resultado da eleição presidencial e incentiva ataques ao patrimônio dos três poderes.

Casado com a atriz Mariana Lima e pai de duas meninas, Enrique celebra a chegada da caçula aos 15, três anos mais nova que a primogênita, e diz que anda "meio Timbózinho", curtindo o ninho familiar, com mais um mês de gravações pela frente para honrar o texto da novela de Mario Teixeira, sob direção de Alan Fiterman.

Cumprido em uma bela parceria com Clarissa Pinheiro, a Tereza, mulher que põe Timbó nos eixos, o expediente é seu terceiro papel na TV desde 2019, emendando "Amor de Mãe", interrompida pela pandemia e retomada após um ano, "Pantanal", onde foi Gil, o sofrido companheiro de Maria Marruá (Juliana Paes) na primeira fase, e o adorável Timbó.

A seguir, um resumo da nossa conversa:

RICO, MAS FIEL AOS VALORES

"Eu sabia que ia ter essa história do petróleo, que ele ia ficar rico, ainda não sei o que vai acontecer com isso, acho até que algumas coisas mudaram. Eu tive uma imagem de ele se lambuzar com essa riqueza, de ele ir pro erro, do excesso, da pessoa que se deslumbra, e agora eu estou achando que talvez isso não aconteça, talvez ele viva isso de uma maneira diferente, com esses valores bem mantidos, mas talvez com alguma informação nova.

Claro que imagino situações engraçadas, pelo inusitado da coisa, pela sensação de novidade, de uma grande viagem, de uma pessoa que não tem nenhum convívio com aquilo e não dá importância praquilo, ele dá importância pra ter uma geladeira, por exemplo.

Tem algumas cenas que mostram que ele não tem noção daquele dinheiro, ele pergunta se dá pra comprar um arreio pro Shopi Cênti [seu jegue], se dá pra comprar uma eguinha, que ele tá muito sozinho.

Eu acho lindo, porque dá uma sensação de recompensa pela resiliência dele, pela alma boa que ele tem e gera situações muito boas de comédia, de relação de apego do telespectador com o personagem. Eu acho excitante, no melhor sentido."

OPORTUNISTAS DE PLANTÃO

"Já gravei várias coisas nessa situação em que ele vira alvo de aproveitamento de outros personagens. Ao mesmo tempo em que ele tem que lidar com a novidade, tem que ser super esperto e manter a reta dele ética no mesmo lugar.

No caso dessa cidadezinha pequena, essa textura da novela, do lugar em que a novela está, isso é evidente, hilário, e ao mesmo tempo fofoqueiro. Tem tanta coisa na mira. Numa cena, a Quintilha fala em VIP, e eles nem sabem o que é VIP.

Tem Janjão, o prefeito, e várias situações diferentes. É muito saboroso, porque ele é a parte debaixo da pirâmide social.

A SEGUIR

"A gente deve gravar até o fim de fevereiro, mas ainda não sei o que vou fazer a seguir porque tenho contrato com a Globo. Em termos de planejamento, dependo do que eles querem e do que eu quero. No que se abre esse vazio, eu fico pensando em projetos meus, como uma série a partir de peças de teatro, são coisas da ordem de pesquisa e trabalho de construção.

Tive uns convites de filmes, dependo da Globo pra saber se dá pra fazer.

Tô muito ligado na família também, porque não tô muito preocupado com trabalho, tô meio Timbozinho, minha filha acabou de fazer 15 anos, a outra fez 18, estou curtindo."

O QUE ESPERAR DO FIM DE TIMBÓ

"O meu desejo é que se reitere uma questão social através do personagem, uma questão de empoderamento, democracia e fraternidade. Digo isso porque lá no começo, disseram que era meio um Antonio Conselheiro, eu disse ‘não, é mais João Grilo’. Aí fiquei pensando nisso, que no final fique muito claro que é uma questão de justiça social, da força a da cultura, daquela esfera do norte do pais.

Por isso que eu acho que uma curva dramática boa seria, independente de ele entrar pra uma ação mais contundente ou perigosa, que ele passasse a ser mais ativo nessa discussão do equilíbrio social, já que ele é um personagem que passa por muitas coisas, mas está sempre naquele mesmo lugar, ele mantém o mesmo lugar na dramaturgia, e uma mudança o final poderia ter uma espécie de consciência que ele não tinha e que pode ser difundida através da presença dele."

TIMBÓ E OS ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS

"Eu acho que ele olharia com profunda ironia praquilo tudo e perguntaria que espécie de cogumelo essas pessoas [que depredaram o Palácio do Planalto e o STF em 08/01] tomaram. Ele não acreditaria como o ser humano pode ser tão patético, ele ficaria mais desconfiado. Tinha um dos animais que faziam o Shopi Cênti que deitava no chão e roçava as costas. O Timbó ia olhar aquilo como um jegue se roçando no chão, não elaboraria muito mais que isso.

O ATOR E A POLÍTICA

"É um momento muito delicado, muito importante, essa virada das eleições foi essencial pra nossas vidas, deu uma direção e uma luz pra gente, inclusive mundialmente, o Brasil tem oportunidade de ser uma potência politica no cenário internacional que é todo corroído pela direita, ser um líder (meio ambiente) e ter aliados corretos. Esse embate com golpistas, da extrema direita, é muito delicado, ações são financiadas, organizadas, a gente está avançando bem.

Lula apresentou ministério bom, muito significativo, mas há que se cuidar dessas relações, especialmente com os militares. Nos próximos anos, os militares têm que voltar ao lugar que lhes é de natureza, a gente tem uma herança terrível de uma anistia feita de modo equivocado e que criou um monstro.

Os militares têm que ser um apoio institucional, dentro de uma estrutura hierárquica, e não é simples, porque tem um histórico de 40, 50 anos de disfunção.

Um deputado homenageia um torturador no Congresso e não é preso, não aconteceu nada, isso não existe. Essa presença dos militares nessa disfunção é um iceberg, tem a questão da policia, segurança pública, tudo isso tem que ser repensado, é um dos nós nevrálgicos que têm que ser desfeitos.

AFETO E ABRAÇO

"Eu queria dizer uma coisa que é meio evidente: o tipo de retorno das pessoas em relação ao personagem é tão numa esfera de afetividade... É muito bonito, é de uma beleza tão grande a maneira como as pessoas mais velhas, as pessoas mais novas falam, ‘a minha mãe’, o meu pai, ‘vamos ver o Timbó’, que dá a impressão de um resgate, de o personagem funcionar como uma espécie de dínamo, um carinho familiar, de avó, de mãe, de pai, de irmão, num lugar que parecia que a gente estava perdendo.

A gente passou quatro anos de truculência, de estupidez e imbecilidade. Eu receber esse carinho dessas pessoas nessa esfera, no lugar feminino do cuidado, é muito bom, e eu só tenho a agradecer.

SPIN-OFF DE TIMBÓ?

"Já vi monte de gente escrevendo isso. Ia ser uma graça, tem um misto de Didi Mocó, mas da família mesmo, de afeto, de cuidado, ele tem uma relação com os animais que é de lidar com alguém, é super avançado, super bonito, ele lida com esse jeito sertanejo, que é muito mais próximo de um machismo pesado, e ele representa o machismo também, mostrando como aprende.

É uma novela muito bem escrita, um personagem muito bem escrito, com esse texto é só continuar o que eu tô fazendo."

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem