Concorrência acirrada faz canais de notícias exagerarem na urgência
Agora a moda é apurar ao vivo, com o celular nas mãos
"E atenção para a notícia que acaba de chegar", diz a apresentadora.
Eu, que trabalho em casa com a televisão ligada, largo tudo que estou fazendo e me preparo mentalmente para o impacto, como um passageiro que ouve pelo alto-falante que o avião está perdendo altura.
"Mauro Cid está entrando na sede da Polícia Federal em Brasília neste exato momento".
Seguro a respiração por mais um segundo, à espera da continuação de tão estrepitosa informação. Que não vem, é claro. Era só isto mesmo.
Durante muitos anos, os canais brasileiros de notícias 24 horas tiveram um líder inconteste, a GloboNews. Suas rivais Band News e Record News jamais dispuseram da mesma estrutura da Globo, com tantos correspondentes no Brasil e no exterior, ou tantos comentaristas de prestígio.
A tranquilidade era tamanha que a GloboNews tinha vários programas de "soft news", sobre avanços tecnológicos ou problemas estruturais do país. Hoje, quase toda a grade está ocupada por telejornais que repetem ao longo do dia mais ou menos as mesmas notícias, sempre em tom de urgência. Inclusive nos fins de semana.
O que provocou tal mudança? A meu ver, dois fatores. Um deles foi a chegada das redes sociais. No Twitter, são comuns as postagens de veículos de mídia, políticos e até mesmo pessoas comuns que começam com "URGENTE!" ou "GRAVE", assim mesmo, em caixa alta. Vale tudo para atrair atenção e gerar engajamento.
O outro fator foi o acirramento da concorrência. Em março de 2020, a CNN Brasil entrou no ar, com um time de jornalistas de peso vindo de outras emissoras. Em outubro de 2021, foi a vez da Jovem Pan News, que logo atingiu picos de audiência dizendo ao público mais à direita exatamente o que ele queira ouvir.
Hoje a CNN Brasil abriu mão de várias de suas estrelas, vai mal de audiência e cogita até mesmo mudar de nome, para não ter que pagar royalties à CNN americana.
Já a Jovem Pan News perdeu muitos anunciantes, foi desmonetizada no YouTube por propagar fake news e luta junto ao governo federal para não perder concessões de rádio.
Mas o relativo declínio da concorrência não afetou a urgência com que a GloboNews trata as notícias mais irrelevantes. Aliás, todos esses três canais estão quase o tempo todo em tom alarmista, como se o mundo fosse acabar nas próximas horas.
Agora a moda é o âncora aparecer no vídeo com seu celular nas mãos, checando a apuração de algum fato em tempo real. Por um lado, o recurso realmente traz dados importantes em primeiríssima mão. Por outro, aumenta a sensação de que uma invasão extraterrestre está em andamento.
Outro problema é a dificuldade em mudar de assunto. Em alguns dias, parece que o escândalo das joias envolvendo o ex-presidente Bolsonaro é a única coisa acontecendo em todo o universo. Analistas gastam muito tempo e saliva dissecando as estratégias da defesa, às vezes tentando adivinhar o que foi dito entre quatro paredes.
Será este o novo normal? Estamos nós, espectadores dessas emissoras, condenados a viver em eterno sobressalto? Até mesmo para mim, que sou viciado em notícias, chega uma hora em que não aguento mais. Pego o controle remoto e mudo para um canal de viagens, só para ver paisagens bonitas. Afinal, o mundo ainda vai estar aqui amanhã.
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