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Zapping - Cristina Padiglione

Protagonistas negros na Globo viram notícia no exterior

The Guardian observa que pela 1ª vez emissora tem três novelas simultâneas conduzidas por atores pretos

Atuação de Sheron Menezzes foi enaltecida nas redes
Sheron Menezzes é o eixo central de 'Vai na Fé', novela das sete que hoje representa o maior sucesso do gênero na Globo - Reprodução/Globoplay
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São Paulo

A Globo normalmente não se esquiva de abordar problemas sociais em suas novelas, inclusive racismo, mas, na contramão do discurso, o protagonismo dos folhetins é dominado historicamente por atores brancos. Neste momento, pela primeira vez em sua trajetória, todas as novelas inéditas exibidas pela emissora têm atores negros como protagonistas.

O fato foi observado pelo jornal inglês The Guardian, em reportagem publicada no dia 20, sábado, na reportagem "Black Brazilians Claim Prime Time as Telenovelas Finally Reflect Diversity" ("Brasileiros negros reivindicam horário nobre, enquanto novelas finalmente refletem diversidade").

"Com sua dose diária de melodrama, suspense, romance e lágrimas, as telenovelas extremamente populares do Brasil nunca se esquivaram de trazer comentários para a sala de estar dos telespectadores", diz o texto, que segue: "Ao longo dos anos, as telenovelas de sucesso abordaram uma série de questões controversas, desde classe social e sexualidade até ditadura e desmatamento."

"Mas por décadas, a questão da desigualdade racial tem se destacado por sua ausência: apesar de 56% da população brasileira se identificar como negra ou mestiça, suas novelas apresentam uma flagrante falta de diversidade --em alguns casos notórios, atores brancos foram até contratados para interpretar papéis negros".

Isso aconteceu em "A Cabana do Pai Tomás", novela de 1969, protagonizada pelo branco Sérgio Cardoso, que se pintava até com carvão para viver o protagonista.

Sérgio Carodo em 'A Cabana do Pai Tomás' - Foto: Reprodução

Hoje, a Globo tem Diogo Almeida como o médico Orlando Gouveia em "Amor Perfeito", às 18h30, Sheron Menezzes em "Vai na Fé", às 19h35, e Barbara Reis em "Terra e Paixão", às 21h30, citando apenas os protagonistas.

"Isso marca um momento inédito na TV brasileira", atesta a aposentada Marisa Silva da Paixão, 66 anos, ex-funcionária pública, ao Guardian. Quando tinha [negro], eles sempre faziam o papel de escravo ou empregado doméstico, nunca em uma posição social mais elevada", completa.

De Salvador, a entrevistada questiona o fato de normalmente não encontrar na tela pessoas que a representassem.

"A sub-representação dos negros em posições de poder continua sendo um problema arraigado em um país que ainda está ligado com um apagamento de seu passado afro-brasileiro", segue a reportagem do veículo britânico, que lembra de "Segundo Sol" (2017), quando a Globo foi repreendida por exibir uma novela que se passava na Bahia, Estado mais negro do país, protagonizada por brancos.

Na época, o Guardian também destacou o caso do folhetim de João Emanuel Carneiro, encabeçado por Emílio Dantas e Giovanna Antonelli.

Co-roteirista de "Amor Perfeito", Elísio Lopes Jr., que é negro, comemora o fato de agora haver não apenas "atores negros, mas também personagens que têm direito aos seus próprios objetivos, que não estão contando suas histórias apenas pela lente do olhar branco" em uma história desprovida de "tensões negras", como é o caso da novela.

À coluna, o roteirista comemorou, pouco antes da estreia da novela, a oportunidade de contar histórias com negros que não sejam necessariamente sobre racismo ou diversidade, mas sim sobre amor, como acontece nos enredos protagonizados por brancos.

"A sociedade quer se ver melhor representada na tela e isso atrai o público", argumenta Rosane Svartman, autora de "Vai na Fé", traduzida pelo Guardian como "Never Give Up" ("Nunca Desista").

Para Raquel Oliveira, ouvida pelo Guardian, guia turística carioca, o enredo contempla a diversidade dentro da diversidade, mostrando que entre os negros há evangélicos, conservadores, progressistas e adeptos de orientações LGBTQIA+.

A reportagem diz ainda que o quadro atual é resultado de um esforço da Globo, que no ano passado criou um departamento de diversidade. "Terra e Paixão", a nova novela das nove, é mencionada como uma produção que, além de ser protagonizada por uma atriz negra, inclui indígenas e trans no seu elenco, e um ator mirim albino.

A preocupação com a diversidade alcança ainda o espaço por trás das câmeras, lembra o Guartian, citando que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um fundo de R$ 3,8 bilhões (US$ 760 milhões) que impõe cotas para representação negra e indígena em projetos de candidatos a bolsa.

Esse recurso, no entanto, em nada atinge o planejamento da Globo, que toma as decisões sobre seu conteúdo sem depender de bolsas do governo. Mesmo assim, "Terra e Paixão", por exemplo, abriga em sua equipe de diretores os negros Jeferson De e Juliana Vicente, que se destacou pelos créditos do documentário sobre os Racionais MC na Netflix, "Das Ruas de São Paulo para o Mundo", dirigindo agora sua primeira novela.

Responsável pelo planejamento que consolida a diversidade como uma política central da Globo, Samantha Almeida diz que "se você não construir uma cadeia de movimento dentro do setor cultural, o protagonismo [negro], a estética, a tela, é efêmero."

O texto termina com a observação de Elísio Lopes sobre um avanço ainda em construção, a caminho de uma consolidação.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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