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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu

Faustão na Band já nasceu plantado em erros estruturais

Era inviável fazer frente à Globo em um canal bem menor, sem lastro de audiência na faixa nobre e ignorando as transformações da mídia

Apresentador tentou remontar na emissora, em edições diárias, o mesmo programa que comandava na líder de audiência, semanalmente, incluindo elenco fixo de bailarinas - Crédito: Renato Pizzutto/Band
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São Paulo

O anúncio de que Fausto Silva deixará a Band ao final deste mês endossa uma série de equívocos cometidos desde a concepção do programa que lá estreou em janeiro de 2022. A aposta de remontar na Bandeirantes uma estrutura muito similar à que ele tinha na Globo, e com expediente multiplicado por cinco, pareceu desde o início nada mais que uma revanche à antiga casa do apresentador.

Ele foi retirado do ar oito meses antes do vencimento de seu contrato, após desentendimentos com uma nova chefia na emissora dos Marinhos.

A Globo iniciara já em 2019 um processo de desidratação nos gastos, reduzindo seu elenco fixo, assim como salários, bônus e vantagens antes distribuídos com fartura maior entre seus astros e estrelas. A emissora, que por quatro décadas abocanhou 70% de todos os investimentos publicitários do país, já não desfrutava de tamanha hegemonia e deveria conviver com as novas regras ditadas pelos algoritmos em um universo onde o dinheiro passou a se dividir entre mais telas.

Nada disso foi levado em conta na concepção do Faustão na Band, planejado como se o mundo ainda fosse regido pelo mercado dos anos 1990. Parecia claro que essa conta não se fecharia, mas como o profissional acumulou fortuna ao longo de 33 anos como o maior faturamento isolado da TV brasileira, muito se especulou que ele ajudaria a cobrir do próprio bolso os investimentos ali feitos, até que os gastos começassem a se pagar.

De fato, Faustão chegou a bancar boa parte da aposta. Mas até hoje, um ano e cinco meses depois de lançado o programa, o superávit nunca apareceu. O prejuízo até se arrefeceu após a demissão das bailarinas, no final de 2022, e de parte da equipe, mas não foi totalmente sanado.

A questão feita desde o início do projeto era: por que alguém bem-sucedido aos domingos, com décadas de sucesso, vai dar a cara à tapa em outro canal sem tradição de liderança, para comandar um horário diário na faixa em que a Globo historicamente exibe sua maior vantagem de audiência?

Aliada à sede de Faustão em mostrar que seu valor ia muito além da tela da Globo, a Band quis aproveitar a volta do astro (que saiu de lá 33 anos antes) para se livrar do culto evangélico de R.R. Soares, um inquilino da sua faixa nobre por mais de 20 anos.

Mas se o bispo parecia fundamental para abastecer o caixa da casa, o estrago era inevitável nas estratégias de programação da faixa nobre, derrubando a audiência trazida por José Luiz Datena e pelo Jornal da Band.

A direção da emissora ameaçou despejar R.R. do horário das 20h30 em várias oportunidades, mas a verba trazida por ele parecia indispensável diante de uma interminável crise financeira. Perto do traço (menos de 1 ponto de audiência) registrado pela fé eletrônica, até que os 2 pontos que Faustão vinha registrando desde o ano passado representavam mais de 200% de crescimento.

O apresentador também logo mostrou ali seu poder de fôlego junto ao mercado publicitário, mas o custo de um programa como esse se mostrou muito alto para ser recompensado por uma plateia tão mais modesta que a da Globo, onde ele chegou a marcar 30 e tantos pontos de audiência aos domingos, nos áureos tempos em que brigava com Gugu, e oscilava entre 15 e 19 pontos no último ano, segundo dados da Grande São Paulo.

A proposta era ter na Band não só um elenco fixo de bailarinas, modelo ultrapassado e de custo desnecessário, mas ainda mais integrantes do balé do que o Domingão dispunha. Auditório, palco, iluminação e figurinos: tudo deveria funcionar, nos planos do apresentador, como funcionava na líder de audiência.

Além de desprezar o peso da nova distribuição da publicidade, Faustão não levou em conta a discrepância de audiência entre as duas emissoras e um princípio que conhece muito bem: televisão é hábito. Luciano Huck logo herdou a liderança deixada por ele nas tardes de domingo da Globo, mas Fausto Silva não faria milagre sozinho sem uma grade noturna mais estruturada na Band, especialmente após duas décadas de programação religiosa.

Faustão chegou a registrar 10 pontos de audiência em sua estreia na Band, alvo da curiosidade do apresentador repentinamente tirado do ar pela Globo, onde apareceu por mais de três décadas. Mas esse patamar nunca mais se repetiu, e o programa foi perdendo gás ao longo das semanas seguintes.

Além disso, o público interessado em auditório é basicamente o mesmo atento a novelas, produto de excelência na Globo no mesmo horário, com alternativas exibidas pelo SBT e pela Record entre as 20h30 e as 22h, todas na frente da Band, lembrando que o espaço inicial de Faustão ia até as 22h30.

Haja atração para ocupar tanto espaço. Muitos medalhões que deixaram a Globo e não precisam mais se submeter à exclusividade exigida pelo plim-plim poderiam comparecer ao palco de Faustão, e assim o fizeram. Mas não há talentos suficientes para evitar a repetição de cantores, atores e humoristas em um programa de alta frequência.

Considere-se ainda que os nomes mais presentes no Domingão, de Faustão a Luciano Huck, são aqueles em evidência nas novelas e séries que estão no ar pela Globo no mesmo período, e esse elenco segue sendo vantagem única da emissora dos Marinhos.

No conjunto da obra, não é exagero afirmar que Faustão acreditou ser um CNPJ de si mesmo, imagem que o mercado publicitário e a própria imprensa ajudaram a construir no imaginário popular. Mas erro maior do que superestimar seu tamanho foi apostar que o figurino da Globo poderia caber na moldura da Band.

Executivo que comandou o SBT ao longo das duas primeiras décadas, Luciano Callegari ajudou Silvio Santos a levar sua TV à vice-liderança de audiência pregando sempre que é preciso fugir da tentação de imitar a Globo e buscar caminhos alternativos. Quem tenta imitar a Globo, ensinava ele, corre o risco de fazer uma Globo mal feita.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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