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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu
jornalismo

Globo abre microfone a vozes sufocadas durante governo Bolsonaro

Com concessão renovada, rede expõe virada de página com discursos e piadas feitas no Domingão

Luciano Huck e Paulo Vieira
Luciano Huck e Paulo Vieira no Melhores do Ano do Domingão - Reprodução Globo
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São Paulo

Havia uma sensação de riso finalmente libertado, preso por longa temporada na garganta da plateia composta por artistas e jornalistas da Globo na premiação de Melhores do Ano do Domingão com Huck, neste Natal. A percepção de esperança por dias melhores, mais pela despedida de um governo que perseguiu a emissora e a cultura, de modo geral, do que pelo time que toma posse no dia 1º, foi verbalizada pelos premiados em mais de uma ocasião do programa.

Como disse Bruno Luperi, autor do remake de "Pantanal", ao final da festa, a política está em tudo o que a gente faz (favor não confundir com partidarismo ou fulanização). O escritor falava das escolhas do dia a dia sobre valores que defendemos e da abordagem que ele, responsável pela atualização de uma história escrita 32 anos antes pelo avô, Benedito Ruy Barbosa, realizou para vários temas colocados em cena, jogando luz sobre questões relevantes para o avanço do país.

Mas até poucos dias atrás, nem sobre ideias que remetessem à política de modo generalizado parecia possível falar na tela da Globo. Autores, atores e apresentadores da emissora se mostravam inibidos de defender diante das câmeras qualquer posicionamento que pudesse denunciar aprovação ou ojeriza ao atual governo. E não foi apenas pelas eleições, período em que de fato a direção da casa usualmente pede moderação sobre o assunto no ambiente corporativo.

O discurso de Luperi foi só a coroação de um programa permeado por falas e piadas políticas, e aí sim, nominalmente endereçadas ao bolsonarismo e os males praticados contra a cultura e o jornalismo, ofícios dos que ali se encontravam para concorrer aos troféus da Globo.

Paulo Vieira se esbaldou ao abrir o programa com a promessa de que não aceitaria uma derrota, ameaçando "botar fogo nos carrinhos da Globo" e até "trazer o Faustão de volta", uma alusão aos bolsonaristas que não aceitam o resultado das eleições para a presidência da República.

As câmeras flagraram gargalhadas de William Bonner, Renta Lo Prete, Cesar Tralli e atores presentes, com imagens que traduziam que sim, finalmente é possível rir do ridículo.

Natasha Dantas, William Bonner, Fábio Porchat, Marjorie Estiano, Márcio Maranhão, Julio Andrade,
Natasha Dantas, esposa de William Bonner, Fábio Porchat; na fileira de cima, o autor Bruno Luperi, Marjorie Estiano e o namorado, Márcio Maranhão, Julio Andrade e convidados para a premiação Melhores do Ano, do Domingão cm Huck, riem de piada de Paulo Vieira em alusão a bolsonaristas acampados em portas de quartel - Reprodução Globo

Vieira fez os colegas se contorcerem. Disse que se comoveu diante da morte do personagem de Osmar Prado em "Pantanal", questionando "que Deus é esse que leva o Velho do Rio e deixa o Velho da Havan?".

Brincou à vontade com deboches que a emissora tem evitado nos últimos três anos, a fim de não resvalar em um presidente que passou boa parte do mandato ameaçando não renovar a concessão da emissora, ato finalmente consumado há uma semana, e também a reduzir a verba publicitária do governo destinada à Globo.

Quando muito, tivemos Marcelo Adnet no Central da Copa fazendo piada com o patriota do caminhão, referência ao rapaz que se segurou na fachada de um veículo em movimento nos dias que se seguiram às eleições, obstruindo rodovias por todo o país.

Osmar Prado celebrou a volta da valorização da cultura e de um ministério próprio, tema corroborado pelo próprio Huck ao final do programa, com Paulo Vieira evocando "Faraó", grande sucesso de Margareth Menezes, titular da pasta já anunciada pelo novo governo Lula.

O desabafo de Txai Surui e Neidinha Bandeira sobre os assassinatos e toda a opressão sofrida pelos povos indígenas nesses quatro anos também comoveu a plateia de personalidades, assim como o grito de Julio Andrade pelo SUS, ao receber mais um prêmio por "Sob Pressão".

Premiado como jornalista do ano, Bonner falou sobre a hostilidade sofrida por ele e por colegas jornalistas em locais públicos nos últimos dois ou três anos, e citou a canção de Lulu Santos e Nelson Motta para celebrar que "tudo passa, tudo sempre passará".

"A Renata, o Cesar e eu representamos aqui uma categoria inteira, não apenas de colegas nossos, da Globo, mas uma categoria de profissionais que nos últimos anos tem se dedicado enormemente a levar luz para as pessoas, a levar informação para as pessoas."

O discurso veio na esteira do que anunciara o próprio Huck, ao falar do combate ao arsenal de notícias falsas que permearam as eleições, e do período anterior, de pandemia.

Oxalá o Domingão dos Melhores do Ano tenha sido um sinal de que a Globo voltará a sorrir e a fazer piada das mazelas políticas que afetam o público e o poder público, algo que sumiu da tela da emissora desde o fim do Zorra. Como disse Bonner e bem cantou Lulu, "tudo passa, tudo sempre passará".

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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