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Zapping - Cristina Padiglione

'Bom Dia Verônica': Criadores falam sobre escolha por vilões bonitos

Após Du Moscovis na 1ª temporada, Reynaldo Gianecchini motiva novas reflexões na série

Klara Castanho, Reynaldo Gianecchini e Camila Márdila em cena na 2ª temporada da série 'Bom Dia Verônica', produção da Zola Filmes para a Netflix - Laura Campanella/Netflix
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São Paulo

O mal tem pinta de galã, mesmo quando a imagem vem desconstruída, como aconteceu com Eduardo Moscovis na 1ª temporada de "Bom Dia Verônica", série brasileira da Netflix que acaba de lançar sua 2ª safra para mais de 150 países.

Matias, o vilão da vez, agora encarnado por Reynaldo Gianecchini, ao menos não nos permite ver como feio alguém esteticamente perfeito, como aconteceu com Moscovis. Mas deixa só esse sujeito abrir a boca em cena para você, espectador, desejar passar longe dele, uma espécie de João de Deus bem esculpido.

Em conversa com a coluna, os criadores da produção, Raphael Montes e Ilana Casoy, dizem que não foi proposital a busca por dois sujeitos que honram a galeria de homens bonitos da televisão brasileira, mas já que Moscovis e Gianne toparam a empreitada, por que perder a chance de acrescentar à percepção do público uma camada extra nas aflições, confusões e perspectivas sobre esses personagens psicopatas?

"Isso foi surgindo ao longo do processo, no roteiro a gente não deixava tão claro quem seria", diz Montes. "Na primeira temporada, Du Moscovis, salvo engano, foi nossa primeira possibilidade de ator, e a gente adorou a ideia, é interessante justamente por ser um galã bem desconstruído."

"Na segunda", continua Montes, "a gente escreveu com algumas figuras em mente, não pensando em um ator específico, mas algumas figuras religiosas. A gente queria um missionário da fé que bebesse em várias fontes, de modo que a gente não falasse de uma religião especifica, mas sim do poder de alguém que é um líder religioso ou um missionário que diz ter o poder de cura."

"Quando surgiu a possibilidade de ser o Gianne, a gente ficou feliz e animado porque traz uma segunda camada, justamente por ser muito bonito. Você pode erroneamente supor que essa beleza exerce algum tipo de poder no que ele pratica, ele é um criminoso sexual bonito, o fato de ele ser bonito não faz com que ele não seja um criminoso sexual. Isso pareceu que somava ao debate."

Ilana complementa: "Eu acho também que no audiovisual, com o pouco tempo que a gente tem, a beleza ajuda a montar a questão do carisma, da atração pessoal, que muitas vezes, nesses líderes religiosos, está no discurso e no tempo que as pessoas estão dentro da igreja. A escolha dele também facilita emplacar uma figura agradável, esteticamente. Isso não é o primeiro plano, mas é uma camada."

Os criadores e roteiristas da série, além do diretor José Henrique Fonseca, evitaram espelhar em Matias qualquer referência nominal, mas não faltam líderes religiosos mundo afora capaz de contemplar os atributos do personagem.

FIO CONDUTOR

A nova temporada é feita de seis episódios, dois a menos que a primeira safra, e já estava toda traçada na cabeça dos autores desde que Verônica deu seu primeiro "Bom Dia". Em livro, a série será composta por uma trilogia que batiza o segundo volume como "Boa Tarde, Verônica", e o terceiro, como "Boa Noite, Verônica". Por isso, toda a curva do arco dramático sobre o enredo já habitava a efervescente imaginação dos autores desde a primeira linha.

Tainá Müller, nossa protagonista, sofre nas mãos de Fonseca mais do que Uma Thurman padece sob os domínios de Quentin Tarantino em "Kill Bill". A nova safra mantém o nível orçamentário da primeira --a não ser pela redução em dois episódios--, com direito a boas sequências de perseguição e explosão de carros.

Verônica, observa Raphael, mais uma vez chega ao último episódio da safra completamente diferente da figura que se apresentava no primeiro capítulo, como aconteceu na primeira temporada. Ela se transforma ao longo de um enredo que também se modifica e traz focos de investigação distintos.

REFLEXÃO E VIOLÊNCIA

Se a questão da violência doméstica e do feminicídio provocaram tamanha comoção na safra inicial, e até hoje Ilana conta receber telefonemas de advogadas e assistentes sociais relatando ter salvado mais uma Janete (personagem de Camila Morgado), dessa vez o debate chama para o abuso de autoridade, com foco especial na questão religiosa e no desespero de quem não tem mais nada a perder e se submete aos desmandos de líderes que se acham ungidos pelo poder divino.

Matias, uma figura que abusa sexualmente de seus fiéis (atenção, isso não chega a ser spoiler porque estará evidente logo no início do enredo), motiva um debate sobre por que os desesperados demoram a perceber que são abusados sexualmente e como levam tempo para processar denúncias que lhes envergonham, mesmo sendo vítimas.

"Quando a série saiu, o sucesso da primeira temporada nos fez ver o quanto foi pertinente e forte o trabalho de contar uma boa história, mas também de discutir um bom assunto", afirma Montes.

"Como é potente lançar uma série que vai passar em mais de 150 países, e tem gente da Índia mandando mensagens. Olha como a gente chega a outros lugares, e sem prejuízo de contar uma boa história. Eu e Ilana gostamos muito de viradas, somos do suspense, do mistério, do policial, da ação, gostamos de contar uma boa história e a força da série vem muito de trazer um debate pertinente e atual."

"Para o segundo livro da séria, a gente já tinha isso, mas o sucesso da primeira temporada nos deu a percepção da importância de fazer isso com consciência e responsabilidade. A maneira que a gente trata a violência nesta segunda temporada é ate mais cuidadosa que na primeira", diz ele.

Ilana endossa: "A gente tem consciência de como a arte gera cultura. Janete ganhou espaço como símbolo de uma mulher que sofre violência doméstica e não denuncia e que já está em estado de alerta vermelho, como estava Janete."

NO LIMITE DO DESESPERO

Para Ilana, o tema levantado por esta 2ª temporada é "o poder da autoridade, nesse caso na fé. E todas as autoridades vão trazer esse tipo de problema, que á própria vitima entender qual é o limite e denunciar, o que pode ser perigoso em vários aspectos e, não menos importante, quando você está desesperado e alguém te oferece uma porta, você não para pra pensar, e essa é a grande perversidade de vilões como Matias. O uso desse desespero vai levar ao sucesso dele. Se eu estivesse desesperada, eu aceitaria, porque são pessoas que realmente estão perdidas."

"Ele detém na mão dele a vida e a morte, à medida em que ele tem o poder da cura, e propositadamente, a gente deixa um pouco em aberto se tem ou não tem, porque não é sobre isso, é sobre a figura de autoridade que ele representa", completa Montes.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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