Diretora de 'Adriano Imperador' expõe fraquezas de super-homens do futebol
Série estreia no Paramount+ sob o comando de Susanna Lira, que também assina documentário de Casagrande
Por trás de ídolos aclamados, heróis de multidões e uma movimentação bilionária de cifras, o universo aparentemente soberano do futebol guarda vulnerabilidades invisíveis. Adriano Imperador que o diga. Embora o público em geral conheça por cima a história do sujeito que deixou milhões de Euros para trás para se reaninhar no colo da Vila Cruzeiro, comunidade onde nasceu e foi criado, no Rio de Janeiro, ele mesmo sempre mostrou muita resistência em aprofundar suas dores diante das câmeras.
Agora, essa história vem à tona por meio de testemunhos inéditos de seu protagonista e de um rico acervo de imagens registradas por um tio desde que Adriano era molequinho. Chega ao catálogo da Paramount+ nesta quinta-feira (21) o documentário "Adriano Imperador", uma produção em três episódios que revisita toda a trajetória do ex-craque do Flamengo e da Inter de Milão.
A direção é de Susanna Lira, mesma cineasta de "Casão em um Jogo sem Regras", um dos títulos mais vistos no GloboPlay desde maio, quando foi lançado, sobre Walter Casagrande Júnior.
Perfilar dois personagens que ganharam holofotes graças ao esporte mais popular do mundo, que no Brasil serve inclusive como ponte de ascensão econômica, deu a Susanna a chance de documentar as tantas fraquezas que se escondem sob o viés machista do universo do futebol. Trata-se, afinal, de um ambiente dominado por homens e onde eles trabalham para parecerem sempre fortes e invencíveis.
"São dois personagens que têm muito em comum como retrato de Brasil, de conseguir vencer essa competição que é se tornar um grande jogador de futebol para ajudar a família", diz Susanna à coluna, quando provocada a falar sobre a coincidência de ter retratado duas figuras que entraram para o imaginário popular como grandes ídolos do esporte.
"Mas eles são muito diferentes. O Casão fala muito, espontaneamente, sem problema. Já o Adriano eu tive que ir pela família e pelas beiradas até conseguir ganhar a confiança dele pra falar das coisas de que eu precisava falar na série", conta a diretora.
"E justo eu, que faço obras tão femininas, acabei retratando dois homens tão complexos e fascinantes, porque são homens de extrema sensibilidade, de um lugar onde a sensibilidade não é permitida. O futebol é um lugar onde vulnerabilidade é quase um palavrão e eles se mostram sensíveis, vulneráveis, sem medo, sabe? E no universo do futebol, isso é quase um pecado."
Embora a assessoria de Adriano tenha imposto a jornalistas o veto a perguntas sobre alcoolismo e episódios polêmicos na entrevista coletiva promovida para o lançamento da série, Susanna disse, na ocasião, que todos os assuntos foram abordados com ele durante as conversas gravadas para a série.
A cada entrevista para a diretora, no entanto, ele se apressava em perguntar: "Já acabou?" "Falta muito?" E invariavelmente acabava por chorar ao lembrar de sua história, marcada pela atuação do pai, Almir Leite Ribeiro, que treinou Adriano e boa parte de seus amigos na Vila Cruzeiro,
TIO DOCUMENTARISTA
A cineasta não se cansa de mencionar como grande diferencial da nova série o acervo registrado por Papau, tio de Adriano, em uma câmera VHS, equipamento improvável para uma família de consumo modestíssimo, moradora da Vila Cruzeiro. Ali estão as primeiras imagens do futuro ídolo do futebol e a reação verdadeira, sem encenação, da família a cada bola que o jovenzinho metia na rede em suas performances iniciais como profissional.
"Esse tio documentou essa família durante 20, 30 anos. Ter acesso a esse acervo é entrar naquele núcleo da Vila Cruzeiro e ver o que tem lá para que ele [Adriano] goste tanto daquele lugar. Quando eu vi esse material, era difícil não chorar bruto."
Susanna avalia que Adriano seja "tímido por natureza", mas "muito franco": "Acho que ele conseguiu abrir a alma dele. Conta que a família colaborou muito e enfatiza que a mãe, Rosilda, representa "os dois pés dele" no chão. Foi ela quem questionou o filho se ele precisaria mesmo de quatro carros, após vê-lo comprar tantos automóveis de uma só vez.
O primeiro salário vindo da Inter de Milão, no entanto, pagou a casa onde dona Rosilda mora até hoje. Durante a entrevista coletiva, acompanhada virtualmente pela coluna, Adriano se emocionou mais uma vez ao lembrar do pai, que foi atingido por uma bala na cabeça e conviveu com o artefato no cérebro até os seus últimos dias.
"Toda vez que fala sobre ele eu já começo a tremer porque foi uma pessoa pra mim, e não só pra mim, como pra minha família, muito importante. Toda vez que fala dele eu ainda gaguejo, ainda me faz falta, não como antes, porque a gente vai crescendo e amadurecendo, mas faz."
O ex-jogador disse ainda que não se arrepende de nada que tenha feito na vida porque fez o que quis fazer e quando quis. "Não tenho que ficar me culpando. O que aconteceu era pra acontecer porque Deus sabe de tudo na nossa vida. Aquilo que eu fiz eu fiz porque era o momento e era o que eu precisava. Não me arrependo de nada."
ENCOMENDA
Diferentemente do documentário sobre Casagrande, que foi uma iniciativa sua, Susanna foi convidada a dirigir a série de Adriano. A proposta veio de Vânia Catani, que sugeriu a ideia a Adriano ao encontrá-lo em um show dos Racionais MC's. Ela já vinha montando "Casão em um Jogo Sem Regras" quando começou a gravar os depoimentos para "Adriano Imperador".
A nova série reúne ainda depoimentos de Aloísio Chulapa, Dejan Petković, Javier Zanetti, Léo Moura e Ronaldo Fenômeno, que convidou o ex-craque para morar com ele em Milão. Também estarão em cena nomes como Massimo Moratti (ex-presidente da Internazionale de Milão), além de amigos e familiares de Adriano.
"A questão não é gostar ou não gostar [dele]", diz Susanna. "Ele é de uma integridade que constrange. O futebol é um meio que mascara tantas coisas e ele constrange a gente com a franqueza. Você espera que ele tenha um personagem e ele não tem. O Adriano, embora introspectivo, é muito emocionado, supersensível, não é isso que a gente espera desse mundo machista do futebol", ela fala.
"Esse cara ensina muito para os homens e para as mulheres, e não tem dinheiro que pague isso, quando a gente fala da saúde mental dos atletas. Ele presta um grande serviço aos atletas quando se mostra vulnerável. É um símbolo de masculinidade que sabe que não precisa estar nesse papel de super-homem", completa a diretora.
Susanna lembra ainda que a série foi feita por "um bando de mulheres" e o protagonista da produção "se sente bem porque nós, mulheres, nos permitimos vulnerabilidade." "Acho que ele aprende que a vulnerabilidade é a força dele, que é a verdade que vem dele. Pra gente ganhar, precisa saber perder. Ser vulnerável não significa não ter inteligência emocional."
Ele concorda: "Foi muito bom estar em meio a essas mulheres maravilhosas, já estou acostumado com a minha família, que tem tantas mulheres. No decorrer do documentário, eu pude ser mais flexível, aprendi a me abrir mais, me deixaram muito à vontade pra contar a minha história."
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