O humor na TV brasileira corre risco de extinção?
Humorísticos que sobraram poupam políticos e evitam polêmicas
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Na sexta passada (22), o canal Comedy Central promoveu uma coletiva de imprensa para lançar a 10ª temporada de A Culpa É do Cabral, que estreia nesta segunda-feira (25) às 22h. A conversa, que aconteceu por videoconferência, reuniu parte do elenco do programa e alguns jornalistas, inclusive eu.
Quando chegou a minha vez de perguntar, não me contive. Fiz praticamente um desabafo. "Eu vejo os humoristas reclamando que não podem fazer piada com gay, com gordo, com trans. Mas não vejo ninguém falando de política".
Respirei fundo e continuei. "Nós temos um governo que é uma piada, uma palhaçada, e não tem ninguém tirando sarro desses caras atualmente. Eu vejo um humor muito do cotidiano. Não sei se é especificamente uma preocupação de A Culpa É do Cabral, para não ficar datado".
Sim, é: o assessor de imprensa da Viacom explicou que o programa tem suas temporadas gravadas todas de uma vez, por causa da agenda dos comediantes. Depois, cada episódio é reprisado várias vezes e disponibilizado no streaming. Piadas com política perdem rapidamente a validade, portanto não entram no roteiro.
Mesmo assim, o humorista Thiago Ventura, presente ao encontro, ficou um pouco incomodado. Ele logo apontou que, nos shows, o pessoal que faz stand-up não tem poupado farpas contra o governo. Foi aí que eu percebi que havia me expressado mal: eu estava me referindo especificamente ao humor na TV, não a todas as manifestações humorísticas do país.
O humor corre risco de extinção na TV aberta. Uma das razões é o corte de custos. A Globo cancelou o Zorra, e agora preenche as noites de sábado com episódios de "Vai que Cola" já exibidos pelo canal pago Multishow. O projeto de um novo humorístico foi jogado para as calendas.
No SBT, sobrevive A Praça É Nossa, um formato que surgiu no rádio e já acumula mais de meio século na TV. O Encrenca continua vivo na RedeTV!, mas perdeu seu elenco original, que deve estrear na Band no dia 7 de novembro, sob o nome Perrengue. Na Record, há anos que não existe nenhuma atração do gênero.
Nem tudo está perdido. A Cultura acaba de lançar Conversa Piada, uma mesa redonda que reúne quatro integrantes do Casseta & Planeta para comentar o noticiário da semana. Na TV paga e no streaming a comédia também continua, mas quase sempre pegando leve com os poderosos de plantão.
No Globoplay, Marcelo Adnet disparou farpas para todos os lados com uma produção caseira, Sinta-se em Casa, e Bruno Mazzeo conseguiu ser indicado ao Emmy Internacional com "Diário de um Confinado". No entanto, esses dois projetos são de 2020, e não tiveram continuidade este ano.
Por falar em confinamento, é mesmo muito difícil fazer graça numa pandemia que já matou mais de 600 mil brasileiros. O clima não está para qualquer piadinha.
Mas há também o policiamento ostensivo em cima dos comediantes, que se sentem acuados. Sem falar na polarização política, que já fez com que espetáculos fossem interrompidos no meio.
As sensibilidades estão aguçadas, às vezes de modo desproporcional. Thiago Ventura conta que foi processado por uma de suas professoras, depois de dizer no palco que ela era velha e feia.
"A comédia de verdade só vai conseguir ser imposta quando não houver censura", afirma ele, lembrando a insegurança que reina entre seus colegas. "Será que a televisão vai me permitir fazer algo? Será que não é melhor fazer no YouTube? Mas o YouTube não chega na grande massa, que não tem nem condição de pagar internet".
"Se nós tivéssemos um pouquinho mais de liberdade na TV, sem tantas reprises que tornam as piadas datadas", conclui Thiago Ventura, "acho que teríamos um humor mais ácido, sim". Quem sabe, algum dia?