Apagão do humor na TV aberta acontece no momento em que mais precisamos rir
Pandemia calou os humoristas de um jeito que nem a censura conseguiu
Nunca foi fácil fazer humor na TV brasileira. Durante a ditadura militar, a censura fazia marcação cerrada, e não eram só as piadas com políticos e generais que não podiam ir ao ar. Qualquer coisa que parecesse atentar contra a moral e os bons costumes, um conceito para lá de subjetivo, era sumariamente cortada.
Mesmo com a redemocratização, a liberdade nunca foi total. A turma do Casseta & Planeta conta que sofria pressões para pegar leve com o então presidente Lula. Além disso, a Globo também proibia o grupo de satirizar os anunciantes da casa, ou mesmo os programas da concorrência.
Mas nada foi tão drástico quanto a pandemia da Covid-19. O novo coronavírus forçou o cancelamento de programas de auditório e gravações de dramaturgia. Também atingiu em cheio os humorísticos, especialmente na Globo.
Hoje, sobrevivem na TV aberta apenas dois programas de humor com conteúdo inédito: Encrenca, na RedeTV!, e o imortal A Praça É Nossa, no SBT. O primeiro é voltado ao público jovem; o segundo, a quem ainda consegue achar graça em bordões do século passado. Para a alegria de Jair Bolsonaro, nenhum dos dois critica seu desgoverno.
A Globo até que tentou, mas seus projetos na área foram sendo derrubados um por um. A primeira vítima foi Fora de Hora, que estreou em janeiro de 2020 e acabou tendo sua temporada encurtada por causa do advento da pandemia.
Já a nova safra do Zorra, que deveria entrar no ar em abril do ano passado, foi adiada para agosto, com os atores gravando a si mesmos em suas próprias casas, e terminou abruptamente, antes do Natal.
Neste ínterim, uma outra crise eclodiu: as graves acusações de assédio moral e sexual feitas por Dani Calabresa e outras atrizes contra Marcius Melhem. O então diretor da área de humor da Globo acabou se desligando da emissora em agosto de 2020, depois de cinco meses afastado de suas funções.
Com o fim do Zorra, a Globo anunciou um novo humorístico para 2021, capitaneado pelo escritor e colunista da Folha Antonio Prata. Previsto para abril, Novo Normal foi adiado para agosto e depois cancelado. Na faixa que deveria ocupar nas noites de sábado, a emissora vem exibindo episódios antigos da série “Vai que Cola”, produzida pelo canal Multishow.
Além da dificuldade em trazer com segurança o elenco para os estúdios, há um outro fator que provocou este apagão do humor: o custo. Com as receitas publicitárias em queda por causa da pandemia, todas as redes de televisão estão tendo que apertar os cintos.
Assim, o conteúdo inédito acabou confinado na TV paga e no streaming. Algumas produções são baratíssimas, como o Sinta-se em Casa de Marcelo Adnet. O programete teve edições diárias no Globoplay, de segunda a sexta, entre abril e setembro de 2020, e gerou derivados como Sinta-se na Casa, em que Adnet imitava os participantes do BBB 21.
Também foi dos poucos a zombar da política, embora sem a contundência de Isso a Globo Não Mostra, quadro produzido por Marcius Melhem para o Fantástico e extinto no começo do ano passado.
Pode-se argumentar que não há do que rir neste momento trágico, em que nos aproximamos dos 600 mil mortos pela Covid-19. Mas esses tempos difíceis geraram comportamentos que também são um prato cheio para o humor, dos sommeliers de vacinas ao descalabro do governo federal. No entanto, nenhum desses assuntos virou alvo de risos na TV aberta. Nem mesmo a censura, que alguns querem trazer de volta, conseguiu tal façanha em seus tempos áureos.
Talvez, com o avanço da vacinação e a retomada da economia, a TV brasileira volte ao velho normal em 2022, com novelas inéditas, auditórios lotados e novos humorísticos. Vem aí uma campanha presidencial, e será uma pena se os candidatos não forem ridicularizados nos canais abertos. “Ridendo castigat mores”, diziam os romanos. Em tradução livre: para corrigir os costumes, é preciso rir deles.
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