Direção privilegiou narrativa a estratégia e foi a maior inimiga do entretenimento no BBB 24
Dinâmicas puniram quem tentou se mexer no jogo, e ótimo elenco da edição foi desperdiçado
Os VTs bem editados e as imagens ao vivo de Salvador, Manaus e Alegrete (RS) podem até ter dado a impressão de que havia alguma coisa em jogo na final do BBB 24 (Globo), na madrugada desta quarta-feira (17). Mas a verdade é que o jogo estava decidido havia pelo menos um mês, sem muito espaço para surpresas.
Todo mundo que acompanha o programa sabia que Davi seria o campeão da temporada —não sem merecimento. O motorista de aplicativo soube aproveitar as oportunidades no jogo e não teve páreo à altura. Engajou um público aguerrido, que segurou sua mão (e votou muito) nos poucos momentos de perigo real para o baiano no jogo.
Houve, porém, um destempero por parte da direção do programa, que privilegiou a narrativa de perseguição em detrimento da estratégia. Quem tentou jogar foi punido, e não pelo público —o que seria mais justo (e bastante provável, dado o histórico da versão brasileira)—, mas pelo próprio programa.
O arquétipo do vencedor perseguido é um dos mais comuns na versão brasileira do programa. É uma narrativa já provada e aprovada em várias edições anteriores, e que alçou anônimos a vencedores desde a primeira edição, com Kleber Bambam. Também fazem parte desse arquétipo Jean Wyllys (BBB 5) e, mais recentemente, Arthur Aguiar (BBB 22), por exemplo.
O ápice foi em 2021, com a vitória incontestável de Juliette Freire com acachapantes 90,15% dos votos —para efeitos de comparação, Davi teve 60,52% e ambos disputaram o título com mais dois finalistas. O BBB 21, porém, teve uma série de reviravoltas que não deixaram o programa criar uma "barriga", termo normalmente usado na dramaturgia para definir aquele momento em que a trama não anda, só enrola o espectador enquanto o desfecho não chega.
O BBB 24 teve "barriga" porque não aproveitou bem o que tinha de melhor: um dos melhores elencos dos últimos anos. Participantes considerados plantas (que se movimentam pouco) na edição que terminou poderiam ter tido grande destaque em grupos anteriores. Sem falar nos personagens que brilhariam em qualquer BBB de que participassem (cito a hiperbólica Beatriz Reis e a interessantíssima Fernanda Bande, para ficar em alguns).
Do meio para o fim, o favoritismo de Davi ficou claro até dentro da casa, mas os concorrentes não queriam deixar barato. Tentaram bolar planos, somar votos, fazer contas para botar aliados no paredão. Tudo em vão.
As dinâmicas (em especial na equivocada prova Bate e Volta, que toda semana salvava aleatoriamente uma pessoa do Paredão) privilegiaram a sorte e faziam com que tudo voltasse à estaca zero, com os participantes do quarto Gnomos sendo dizimados um atrás do outro por semanas a fio.
Além disso, o excesso de mudanças nas regras (que muitas vezes pareciam desafiar a capacidade cognitiva de quem assiste) deixaram de ser uma boa sacada para evitar que as combinações de votos sequestrem o jogo para se transformar em um castigo para quem tenta ter o mínimo de estratégia. Quando finalmente um grupo tornava numericamente possível fazer algum movimento, era surpreendido por uma votação "para salvar" ou por um "quem você puxa para disputar com você".
A mão da direção pesou em diversos momentos, como na intervenção direta do Big Boss quando Davi pensou em desistir. O participante ficou parado diante do botão de desistência, que fica dentro de uma redoma de vidro que só pode ser aberta quando a luz ao redor está verde. Ela ficou vermelha o tempo todo e Davi foi chamado para conversar no confessionário, onde foi demovido da ideia.
Vanessa Lopes, que apertou o botão, não teve a mesma deferência. Alguns podem argumentar que a influenciadora estava em surto psicológico, e isso é fato. Mas, nesse caso, a direção se omitiu e deixou a participante decidir a própria sorte —gosto de imaginar que, nos bastidores, a produção estourou um champanhe para comemorar ter se livrado da bucha.
Em outro momento, a trancista Leidy Elin foi incentivada a jogar as roupas de Davi na piscina, apenas para depois levar um sermão do apresentador Tadeu Schmidt ao vivo. O baiano chegou a encher um balde de água da piscina para jogar na colega como vingança, mas antes foi interrompido pela direção. Leidy foi a recordista de rejeição desta edição, com 88,33% dos votos para sair.
Já quando Davi e MC Bin Laden (agora MC Binn) se desentenderam e quase partiram para as vias de fato, dummies (os mascarados assistentes de produção do programa) entraram na casa para separá-los. A agressão física é um dos únicos gatilhos para a expulsão sumária de algum participante, mas não me recordo de uma interferência assim em edições anteriores do reality show.
Falando nisso, outro momento-chave foi a expulsão de Wanessa Camargo. A cantora bebeu demais em uma festa e, animada, entrou no quarto fazendo algazarra e bateu no pé de Davi, que foi ao confessionário denunciar uma agressão. Diferentemente do que ocorreu em anos anteriores (basta lembrar das expulsões de MC Guimê e Cara de Sapato no ano anterior), não valeu a interpretação da direção sobre o ocorrido, mas o sentimento da vítima.
Esse poderia ter sido um ponto de virada na trajetória de Davi na casa. Muita gente interpretou a agressão como não intencional nem forte o suficiente para justificar uma expulsão, e isso poderia ter lhe valido o prêmio. Com o paredão que ele enfrentou na mesma semana, ficou claro que a popularidade dele ficou inabalada.
Nesse momento, ele já havia cristalizado a imagem que o levaria à vitória. E isso ainda foi potencializado pelo fato de Wanessa, de fato, ter sido uma de suas maiores algozes, de modo que o público se sentiu vingado nesse jogo de vieses.
Porém, a que custo? A vitória de Davi, como disse, é merecida. Ele soube maximizar o que o jogo colocou diante dele, não fugiu de embates e manteve o equilíbrio emocional nos momentos mais adversos, mas teria sido mais divertido acompanhá-lo sabendo que os demais tinham alguma chance. Do jeito que foi, quem merecia ter sido eliminada era a direção do BBB 24, a maior inimiga do entretenimento desta edição.
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