Mulheres humoristas desmascaram a fragilidade do movimento red pill
Uma nova geração de comediantes expõe os machistas ao ridículo
No filme "Matrix", de 1999, o protagonista Neo toma uma pílula vermelha para sair da fantasia virtual em que vive prisioneiro e descobrir a dura realidade.
A cena se tornou icônica e acabou inspirando um movimento reacionário, que pretende reverter as conquistas do feminismo e restaurar o poder do patriarcado. Um perigoso inimigo identificado pelo red pill (pílula vermelha, em inglês) são as moças que oferecem cerveja a rapazes que estão bebendo Campari.
Parece ridículo, porque de fato é. Os "redpillers" acreditam que o feminismo –que, na sua essência, prega apenas a igualdade de direitos entre homens e mulheres, mais nada–, na verdade, é plano maléfico para castrar simbolicamente todo o sexo masculino e dar à mulherada o controle total do planeta.
A verdade é exatamente o contrário: apavorados com o avanço das mulheres nas mais diversas áreas, homens sem talento para nada pregam a volta imediata à velha ordem, que lhes garantia privilégios e poder. Esses caras se sentem ameaçados por garotas que ganham seu próprio dinheiro, porque elas não dependem deles financeiramente e, portanto, podem ir embora na hora em que bem entenderem.
A face trágica desse pensamento é o aumento do número de feminicídios. Antigamente, a mulher "precisava" trair para ser morta pelo marido ou namorado. Hoje em dia, basta ela querer se separar para o machão se sentir humilhadíssimo. A ponto de preferir esfaquear aquela que, muitas vezes, é a mãe de seus filhos, do que passar pela vergonha de ter sido abandonado por ela.
A face cômica são os "coaches de masculinidade" como Thiago Schutz, o nome "artístico" de Thiago Cruz Schoba, que tem mais de 300 mil seguidores no Instagram. Há poucos dias, ele ganhou ainda mais notoriedade, depois de ameaçar com "processo ou bala" a atriz e roteirista Livia La Gatto. Ela sequer o cita pelo nome no vídeo em que tira sarro das ideias dos "redpillers", mas a carapuça serviu de tal maneira na masculinidade frágil de Schutz, que quem corre o risco de ser processado agora é ele.
Livia La Gatto se tornou a expoente de toda uma nova geração de mulheres comediantes, que encontrou no movimento red pill uma matéria-prima inesgotável para suas piadas. Nomes como Rafaela Azevedo, Giovana Fagundes, Claudia Campolina, Marcela Casagrande e Carol Delgado vêm lotando shows por todo o Brasil e amealhando milhares de seguidores nas redes sociais.
A bem da verdade, elas não são as primeiras a rir dos homens que temem uma mulher não submissa. Eles já eram alvos de Dadá Coelho, Carol Zoccoli e Chris Wersom, por exemplo, que nunca os pouparam no programa A Culpa É da Carlota, do Comedy Central. E praticamente todas as mulheres do humor, desde meados do século 20, investiram contra esses trouxas.
Mas o red pill conseguiu galvanizar a ira feminina, ao se apresentar como uma filosofia organizada e reacionária. O movimento, na verdade, é só mais um instrumento da imensa onda de extrema direita que varre o mundo há quase 10 anos e tenta sufocar mulheres, negros, gays e qualquer outra "minoria" (põe aspas nisso), sempre em benefício dos homens brancos cisgênero heterossexuais.
Nos Estados Unidos, comentaristas de TV falam abertamente na "Grande Substituição", o suposto processo em que o predomínio branco sobre o país estaria sendo minado pela chegada de imigrantes não brancos e pelo empoderamento das supostas minorias.
Só que essa turma já está perdendo o jogo, como atestam as derrotas que sofreram nas eleições presidenciais nos EUA, em 2020, e aqui no Brasil, em 2022. Ainda não estão fora de combate, é verdade. Mas, pela reação patética de Thiago Schutz ao vídeo satírico de Livia La Gatto, não são páreo sequer para um bando de minas de língua afiada.
Comentários
Ver todos os comentários