'Sabe de quem?': criador de bordões, Luís Roberto diz entender comparações com Galvão Bueno
Narrador transmite o Mundial de Clubes a partir desta segunda (18) e é hoje a principal voz do esporte na Globo
O ano de 2023 foi um marco na carreira de Luís Roberto. Após Galvão Bueno deixar de narrar na TV aberta e mudar seu modelo de contrato com a Globo, o locutor de 62 anos virou a principal voz esportiva da emissora. Algumas mudanças, que já vinham sendo ensaiadas, foram colocadas em prática também por outros motivos.
Voz frequente em jogos de times do Rio desde o fim dos anos 1990, Luís passou a narrar mais jogos paulistas, com a saída de Cléber Machado, em março. Outra alteração foi sua estreia como titular das partidas da seleção brasileira, posto ocupado ininterruptamente por Galvão desde 1993 na TV. Luís narrou partidas amistosas e jogos das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026.
Não que ele fizesse apenas campeonatos regionais e, de repente, tenha subido vários degraus. Foi tudo construído com muito trabalho, faz questão de frisar. "Eu já vinha narrando as últimas finais de Copa do Brasil, por exemplo. Mas algumas coisas mudaram. Em vez de só ter um Flamengo e Vasco, entrou um Brasil e Colômbia, um Palmeiras e Corinthians. Para mim, foi um ano positivo, e para a Globo também, em pautas que são muito caras para a gente", afirma, em entrevista exclusiva ao F5.
Quando conversou com a reportagem, Luís aproveitava alguns dias de folga entre o fim do Brasileirão e o começo do Mundial de Clubes, em sua casa, em Fortaleza, no Ceará. "Gosto de ficar aqui sempre que posso, é meu refúgio", relata, com orgulho de ser cidadão cearense, em título conquistado em 2018.
O começo de carreira
Na Globo desde 1997, Luís Roberto de Múcio começou sua carreira ainda no interior de São Paulo, no início dos anos 1980, em um jornal na cidade de São João da Boa Vista, onde morou quando era jovem. Depois de se mudar para Santos e trabalhar na rádio Cultura, Luís começou a flertar com as estações da capital em 1984.
Depois, liderou a equipe da Gazeta e se transferiu para a rádio Globo nos anos 1990, onde foi editor-chefe esportivo e narrador titular em transmissões divididas com outros colegas. Até os dias de hoje, suas narrações de Fórmula 1 no rádio são celebradas por fãs de automobilismo.
No ano de 1994, quando cobria de perto os passos da categoria, Luís tem uma história jornalística que ele sabe da importância: ter sido o único que estava ao vivo no anúncio da morte do piloto Ayrton Senna, em Ímola, na Itália.
"Naquele fim de semana, estava sendo inaugurado o roaming europeu de celulares. E naquele fim de semana, eu tenho um celular na mão. Eu fiz uma entrevista com o Rubens Barrichello na UTI do hospital dias antes (Rubinho sofreu um acidente dois dias antes de Senna). Parece até que era para aprender o caminho, porque não tinha GPS na época. No domingo, acontece o acidente do Ayrton, transmiti a corrida até o fim, e fui para o Hospital. Por causa do telefone, a doutora fala ao vivo só com a gente. Custou uma fortuna, mas foi importante", revela.
A ida para a televisão
Por causa do sucesso especialmente no rádio, Luís Roberto começa a despertar o interesse de TVs. Em 1996, Luís é contratado por José Trajano para fazer parte da equipe da ESPN Brasil.
Mas ele, assim como alguns outros colegas, não duraria muito na TV esportiva da Disney. Em 1997, brilha nas transmissões de lutas de boxe e mostra toda a sua capacidade de apuração e improviso ao encarar mais de uma hora de pré-jogo em partidas importantes do Paulistão. A Globo estava de olho e o convite para integrar a equipe da emissora não custou a chegar.
Tudo estava certo. Contrato assinado, nova casa definida. O porém é que a contratação tinha algo que só foi avisado de última hora: uma mudança de cidade inesperada.
"Eu estava contratado, mas depois teve uma reuniãozinha para dizer que eu devia viver no Rio. 'Opa, tem que mudar!'. E eu encarei viver no Rio (risos)", brinca.
Ali começa a sua história com os cariocas. Sua identificação é tão grande que Luís é o narrador que mais fez títulos do Flamengo, o clube mais popular do país, na TV. São 15 títulos rubro-negros irradiados por ele na Globo, entre estaduais, dois Brasileiros e a Libertadores de 2019.
"Eu acho que, pelo fato de ter sido criado do interior de São Paulo, não tenho o sotaque paulista do 'eindo', do 'entendeindo', que o carioca não gostava muito. E com certeza, isso ajudou em uma época em que a gente não tinha essa diversidade de sotaques, que é muito bem-vinda", diz.
Seu primeiro ano na Globo começa com algumas transmissões estaduais do Rio. Mas se transforma de vez quando Luís Roberto é surpreendido com a informação de que iria narrar sua primeira Copa do Mundo na TV. Diz que soube de sua 'convocação' assim como todos os espectadores: vendo televisão.
"Eu vejo a chamada da Copa da França no ar e me vejo anunciado. Eu penso: 'O que está acontecendo?' (risos). Aí beleza, né? E vamos para a Copa. Fiz todos os jogos da França. E com o sucesso gigante da Copa de 1998, os caras aproveitaram e o futebol entrou de vez na grade fixa".
A mudança no status
A virada na carreira de Luís Roberto na Globo, segundo ele próprio, tem um auge em 2016, nos Jogos Olímpicos do Rio. Com uma mudança na direção esportiva da emissora, os narradores são instigados a serem diferentes. E Luís começa a usar na TV bordões da sua época de rádio, que caem rapidamente na boca do povo.
"Começamos a ter uma liberdade maior, mas ainda sem o incentivo direto, porque todo mundo ainda estava tateando. Ali, na Copa do Brasil daquele ano, eu tentei alguns avanços e tive o sinal verde. A partir de 2014, a gente começa a ter o incentivo dos chefes, e eu começo a ousar um pouco no vôlei, que tinha um time multicampeão na época, e estava na TV aberta o tempo todo", revela.
Luís entendeu que aquela era a chance de fazer sua narração da forma que queria de fato e aproveitou a chance. Começou então a usar na TV bordões da sua época de rádio e frases que ouvia em casa, como os "negros maravilhosos", modo a que se referiu aos jogadores franceses que entravam em campo para enfrentar a Suíça. Virou meme.
"Isso saiu totalmente acidental. Foi por conta do meu pai que amava o Santos de 1958, aqueles negros maravilhosos que jogavam de branco e encantavam o planeta (risos). Ele adorava ir para o Pacaembu e ficava no alambrado para vê-los", revela. Nas Olimpíadas, Luís lança mais bordões, como "Lucão! No chão!", no vôlei, e "Sabe de quem?", ao fazer certo suspense para anunciar quem acabara de fazer um gol.
No futebol, Luís começa a gritar "gol", e emenda com seu antigo bordão de rádio, dizendo que tal jogador, o que marcou para o seu time, é "o nome da emoção!".
O futuro na Globo
Em 2024, as mudanças na vida de Luís Roberto como narrador titular serão mais perceptíveis. Ele será a principal voz da Globo nos Jogos Olímpicos de Paris, entre julho e agosto. Antes, claro, tem Copa América, seu primeiro torneio oficial como titular da seleção brasileira.
"Lógico que não vou comparar o tamanho das Olimpíadas com a Copa América, mas a Copa América é um evento muito importante para a gente. De prestígio mesmo, tem seleção brasileira, serão nos estádios da Copa de 2026. Mas os Jogos Olímpicos eles são a maior confraternização dos povos. Eu fico emocionado só de falar", afirma.
A relação com Galvão Bueno
Luís diz que não tem como: as comparações com o Galvão sempre vão acontecer. Mas garante que a relação com o amigo é de generosidade e amizade.
"Minha relação com o Galvão é maravilhosa desde o começo, de empatia mesmo. Talvez por ter feito sucesso na Gazeta, onde ele começou como comentarista. Se [a relação] não é de amigos, por conta de compromissos, é uma conversa quando a gente se cruza sempre leve, de muita consideração", comenta.
Para exemplificar sua parceria com o Galvão, o narrador evoca novamente o acidente de Ayrton Senna e conta uma dica generosa dada por ele. "Na morte do Ayrton, a gente tem que trocar de hotel duas vezes. No segundo hotel, quando estávamos na tensão do traslado, eu volto da rua para pegar a chave. Ao lado dela, tinha um guardanapo com o voo onde iria o corpo dele. Esse é o nível de generosidade".
Os dois estavam juntos no momento final de Galvão Bueno como narrador de TV aberta, na Copa do Mundo do Catar. "Eu dou um abraço fraternal, e a gente começa a chorar muito, o pessoal teve que cortar (risos). E nossa relação continua sendo uma relação de amizade fraterna e de muitos aprendizados. O Galvão é um bom ouvinte. É muito bom tê-lo como amigo. Eu entendo as comparações".
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