Sexo foi pauta determinante na eleição de Trump
Sexualidade é política e pode ser instrumentalizada pela direita conservadora
Gozado. Nos confins da internet esbarro mais do que gostaria com brasileiros se dizendo trumpistas, mesmo que votem na zona eleitoral de Carapicuíba. Creio que eles veem na sua cara laranja cádmio uma espécie de resgate aos valores tradicionais da família.
Donald Trump já apareceu em filmes de pornografia softcore da revista Playboy (ele vestido, as mulheres não). Um de seus cassinos, hoje falido, tinha um clube de striptease. Uma vez, disse que mulheres deixavam homens famosos como ele fazerem o que queriam e que podia "agarrá-las pela buceta".
E, claro, acumula denúncias de abuso sexual. Faz sentido. Nada é mais identitário da família burguesa patriarcal que a hipocrisia e o estupro.
Desde que comecei a assinar essa coluna, já li um montão de comentários alegando que sexualidade e gênero são assuntos fúteis que não deveriam adornar páginas de jornais. Que são assuntos muito privados para serem falados em público.
Não tenho dúvidas de que muitos desses comentaristas votariam com entusiasmo naquele guerreiro do betacaroteno se não fosse o detalhe das suas zonas eleitorais em Carapicuíba, ou Osasco, ou Cianorte, ou Lucas do Rio Verde.
É porque o problema não é exatamente que se fale de sexo, o que Trump faz aos montes, é que mulheres falem de sexo —e viados, travestis, sapatonas, qualquer um que não seja um homem branco ou alaranjado— principalmente se estiverem reivindicando prazer ou direitos.
Quem viveu os anos 90 e pegou uma Revista Nova com Guia de Sexo Lacrado na mão sabe muito bem que mulher até podia falar desse assunto, desde que fosse para discutir mil maneiras de enfiar o pau do seu marido (só dele) na garganta e fazer a sua vulva cheirar melhor.
Mas tergiverso. Quando pessoas não normativas começam a reivindicar respeito, consentimento, prazer e direitos sexuais e reprodutivos, o controle da sexualidade vira bandeira política. Não à toa, a campanha de Trump despejou milhões de dólares em anúncios que destacavam e criticavam o apoio de sua opositora Kamala Harris aos direitos de pessoas trans —se colocando como alternativa antidireitos.
O direito ao aborto, já claudicante no país, deve sofrer mais reveses. Porque não basta que os estados conservadores não permitam que mulheres abortem, eles terão cada vez mais incentivos para criarem leis que restrinjam os corpos femininos.
Entraves na distribuição de contraceptivos, encarceramento de mulheres grávidas, restrições à livre circulação de gestantes para evitar que elas busquem métodos abortivos, falta de atendimento médico a mulheres que buscam hospitais com sangramentos já são realidade, e a situação não deve melhorar. O Planned Parenthood, instituição responsável por serviços de planejamento familiar, deve ver seus fundos minguarem no próximo governo.
Aborto, contracepção, dignidade de pessoas trans, homossexuais e não-binárias são pautas de sexo e gênero e também são pautas de direitos. São inconvenientes para homens (principalmente brancos e laranjas) porque pressupõem que eles percam a supremacia sobre esses corpos, e, por isso, foram nomeadas pejorativamente por eles de "pautas identitárias".
Pode reparar, desde que Trump ganhou, tem um monte de homem, de esquerda inclusive, culpando mulheres, LGBTQ+ pelo acontecido. Afinal, se não fosse a luta dessas pessoas por direitos, os pobrezinhos não teriam sido forçados a votar em trogloditas que prometem acabar com o identitarismo. Nada de novo no front, culpar as vítimas pelos próprios erros e pelos próprios desejos obscuros de eleger fascista é típico desse recorte.
Mas, caros leitores. Agora é que não dá para esmorecer. Sigamos lutando. E falando de sexo - sempre por prazer, sempre consentido.
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