A metrópole é a grande aliada dos LGBTQIA+ e das solteiras convictas
Cidades cheias de gente oferecem anonimato, variedade e aceitação
Eu sou uma apaixonada pela urbe e o zunir das motos me é mais poético que o estridular dos grilos. O berro que uma gay vestindo shortinho beira cu e regata branca solta quando vê seus amigos vindo em sua direção me é mais sonoro que o canto dos pássaros. Os saltos de uma travesti ressoando na calçada me são mais encantadores que um galo ao amanhecer.
Cada caminhoneira cantando a plenos pulmões para sua amada em um show da Adriana Calcanhotto no SESC Pompeia me emociona mais do que o soprar do vento nas folhas de um jacarandá. Quando passa um cardume de piranhas de braços dados se dirigindo aos bares para passar o rodo, acho uma visão mais linda que os peixinhos nadando na cristalina água da sanga.
Toda vez que alguém questiona por que alguém moraria em uma metrópole cheia de gente, caótica, barulhenta, estressante e cara em vez de morar numa pacata cidade pequena em que todos se conhecem pelo nome, eu penso: inocente. E imediatamente concluo que o ser perguntador provavelmente não é LGBTQIA+ —e nem piranha.
Perceba, nasci no extremo sul do país e passei a infância e a adolescência em Canoas, no Rio Grande do Sul, que tem mais de trezentos mil habitantes mas, para mim, parecia-se muito com uma lata de sardinha. A menina que passasse tempo demais conversando com meninos rapidamente virava "falada" —palavra que significa que ela é uma pessoa que fofoqueiros chamam pelas costas (e às vezes pela frente) de vagabunda, puta, piranha.
Assim que pude escapei para Porto Alegre, uma lufada de liberdade. Com vasta população universitária e gente esquisita, a capital gaúcha era um bom campo de experimentação do qual guardo saudades. Ainda assim, era pouco.
Foi na maior capital do país que comecei a me sentir mais livre em termos de estilo, de intelecto e de sexo. Conheci um monte de amigos interessantes com quem eu podia sair pela noite, ficar com um desconhecido e saber que no dia seguinte ninguém estaria achando estranho e comentando com alguma tia minha que "desse jeito nenhum homem vai querer casar com ela". E também era ótimo saber que eu provavelmente nunca mais veria esse desconhecido de novo se não estivesse a fim.
Nesse período conheci gays, lésbicas, pessoas trans e muitas delas vêm de cidades menores, onde relatam se sentir sozinhas e tolhidas. Algumas só se sentem confortáveis para serem quem são na megalópole, onde convivem com pessoas que as aceitam. Ao visitarem a cidade natal, precisavam usar outras roupas, outros gestos e fingir ser heterossexuais.
Na Barra Funda, bairro boêmio de São Paulo, há o bar Bandeira Bandeira, gerido por mulheres lésbicas e construído para ser um ambiente voltado para elas. Foi um sucesso tão grande que a quadra onde ele está foi tomada por sapatonas. Vários tipos de lésbicas.
As hipsters, as caminhoneiras, as padrão, as sapatilhas, as góticas. Elas vão solteiras ou acompanhadas, flertam, se beijam e namoram. E depois que o bar fecha, vão para as muitas festinhas no entorno onde podem se pegar livremente.
O posto 9, na praia de Ipanema no Rio de Janeiro, e a contígua rua Farme de Amoedo são um point internacionalmente conhecido por reunir muitos homens gays. Eles trocam olhares, telefones e mais algumas coisas sem constrangimento algum.
Mesmo num país em que o fundamentalismo religioso heteronormativo cresce, as metrópoles continuam sendo um espaço menos inseguro para homossexuais existirem como são —o que não quer dizer, de forma alguma, que estão livres de homofobia.
Para pessoas trans que são vítimas de violências sádicas das mais diversas, a cidade grande não é garantia de tranquilidade, mas oferece uma chance maior de contato com pessoas que passam pelos mesmos processos e podem dar acolhimento.
Em quatorze anos morando em São Paulo nunca tive um vizinho bisbilhoteiro. Todos eram muito gentis e educados, mas nenhum deles dava a mínima para o que eu fazia da minha vida e para o quem eu enfiava dentro da minha casa. E se algum deles se metesse eu bem que poderia gritar: sai pra lá que você não paga as minhas contas!
O Rio de Janeiro é um pouco menos populoso e brutalista, mas também oferece o mesmo benefício, com a vantagem de que o carioca, em média, beija melhor. Um brinde ao caos urbano e às tantas trocas de experiências e fluidos que ele proporciona.
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