Cenas de sexo de 'Pobres Criaturas' provam que as pessoas se chocam com pouca coisa
Tanto no contexto quanto na performance, trechos sexuais de filme são leves e banais
Emma Stone andou se justificando, dizendo por que fez cenas de sexo tão explícitas em "Pobres Criaturas", filme do cineasta Yorgos Lanthimos. Quando o filme foi exibido em Veneza, portais correram para noticiar que alguns espectadores teriam abandonado a sessão por causa de tais momentos.
Como colunista de sexo –sim, isto é uma coluna de sexo, ainda que muitos equivocados chamem de "matéria" e reclamem que só fala de sexo–, eu fiquei empolgadíssima e cheia de expectativas. Eis que assisti e achei tudo muito banal, quase inocente, e talvez fosse essa mesmo a intenção. O pessoal se impressiona com tão pouco! O texto a seguir tem spoilers!
Dirigido por um homem, baseado em um romance escrito por outro homem, "Pobres Criaturas" conta a história de Bella Baxter, uma mulher que está à mercê dos homens do início até quase o fim. Ela se suicidou, mas não pode nem morrer em paz sem que a medicina, sempre ela, decidisse ditar o destino de seu corpo. Um médico colocou o cérebro do bebê que a suicida esperava em sua cabeça e a reanimou, resultando em uma mente de criança no corpo de uma mulher adulta.
Evidentemente, ao longo do seu rápido do desenvolvimento, ela começa a descobrir a própria sexualidade. E começa com a masturbação, quando ela, ainda com a cognição de uma criança pequena, percebe que sente prazer esfregando a vulva nas coisas e esfregando coisas na vulva. As cenas de siririca não são nada pornográficas. É bastante poético como mostram o orgasmo chegando por meio dos movimentos da boca de Emma Stone, que está ótima no papel.
Bella cresce mais e mais e, em algum momento, fica sabendo que sexo é gostoso demais. Ela parte em uma jornada pelo mundo com o picareta Duncan, vivido por Mark Ruffalo, e eles trepam bastante no caminho. É aí que aparecem as cenas que algumas pessoas teriam achado desnecessárias ou demasiado fortes. São momentos em que vemos Bella quicando muito e Duncan metendo muito, em algumas posições diferentes e durante pouco tempo –ainda mais se tivermos como referência o filme "Azul É a Cor Mais Quente" (2013), que tem uma cena de sexo de mais de seis minutos.
As cenas com Ruffalo são lúdicas, mostram o sexo, até aquele momento, como uma brincadeira para a personagem. Isso é perfeitamente coerente com aquilo que ela é: na prática, uma adolescente infantilizada em corpo adulto. Elas não são desnecessárias e estão de acordo com o objetivo do filme, que é narrar a história de uma mulher abusada de várias formas possíveis.
Nos momentos em que Bella está em um puteiro, as cenas foram criadas para mostrar o descaso com o prazer feminino da maioria dos homens que frequentava o lugar, e cumprem bem esse propósito. Não, ser prostituta naquele contexto não foi uma escolha livre e ousada de Bella, não há nenhuma emancipação naquilo. Mas a maioria dos trabalhos também não são fruto de uma escolha ou emancipação.
Apesar de não ser um filme feminista, como alguns querem tanto que seja, a consultoria feminina no roteiro fica clara quando percebemos que o sexo que Bella tem com homens é meteção atrás de meteção. O bom oral, seguido de boa gozada, vem de outra mulher. Não me julguem mal, meteção é uma delícia, com o Mark Ruffalo então nem se fala, mas como já repeti exaustivamente aqui, dedo e língua são órgãos sexuais também.
Minha avaliação sob o aspecto que aqui me cabe –SEXO— é de que as cenas cumprem um propósito narrativo, não destoam do resto da obra. Elas não têm o intuito de excitar ou ser sexy, e sim de mostrar como Bella se relaciona com a própria sexualidade em cada momento da sua vida.
Se eu achei o filme bom? Não, achei bobo, ainda que muito bem fotografado e com belos figurinos. É uma jornada da heroína que mostra a exploração do corpo feminino sob a ótica de um homem –ainda que seja um homem relativamente bem orientado.
"Pobres Criaturas" contém sim uma romantização da infantilização e narra uma história de emancipação que só se dá sob autorização patriarcal. O único diretor que está merecendo o biscoito feminista nos últimos tempos é David Fincher, por ter filmado "Garota Exemplar" (esse, sim, escrito por mulher).
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