Tem algo de ganancioso e covarde na escolha de Taylor Swift como Pessoa do Ano da Time
Pela primeira vez em quase 100 anos, revista aponta alguém da área da cultura
Ao contrário do que muita gente pensa, o título de Pessoa do Ano outorgado anualmente pela revista Time não é um prêmio. A própria publicação explica que seus editores escolhem a personalidade que "para o bem ou para o mal, mais influenciou os eventos do ano".
Diversos vilões já foram a Pessoa do Ano da Time. Adolf Hitler foi o agraciado de 1938. Josef Stálin levou o título duas vezes, em 1939 e 1942. A indicação do aiatolá Khomeini, em 1979, provocou uma onda de cancelamentos de assinaturas da revista.
Foi para evitar algo semelhante que a Time preferiu, em 2001, apontar Rudy Giuliani, então prefeito de Nova York, no lugar de Osama Bin Laden, autor intelectual dos atentados de 11 de setembro.
A tradição começou em 1927, como Homem do Ano. Hoje, atualizada como Pessoa do Ano, não destaca só indivíduos: grupos, ideias e até mesmo uma máquina (o computador, em 1982) já foram contemplados. O próprio planeta Terra estampou a capa da revista em 1988. Uma das mais escolhas mais curiosas foi a de 2006: "você", saudando o poder que a internet dá às pessoas comuns.
Em seus quase 100 anos de existência, no entanto, a Pessoa do Ano nunca havia sido alguém ligado à cultura. Nenhum escritor, nenhum cineasta, nem mesmo um grande astro da música pop foi reconhecido pelos editores da Time. Os Beatles, Michael Jackson e Madonna, nomes cuja influência global ultrapassou em muito as paradas de sucesso, foram todos solenemente ignorados. Até que, na manhã desta quarta-feira (7), a revista anunciou que Taylor Swift é a Pessoa do Ano de 2023.
Como assim, Taylor Swift?? Quer dizer então que a The Eras Tour, a turnê mundial da cantora, é mais importante do que a guerra entre Israel e o Hamas, as mudanças climáticas ou o avanço da extrema direita em vários países?
Há algo de ganancioso nesta escolha. A edição impressa da revista sairá com quatro capas diferentes, na esperança de que os "swifties", os fãs ardorosos da artista, comprem todas.
Também parece que a Time não quer entrar em maiores polêmicas e perder assinantes. O planeta vive convulsões políticas em diversos lugares, da Faixa de Gaza à disputa entre Venezuela e Guiana, mas a revista preferiu passar ao largo. Talvez, com razão: a escolha, por exemplo, de um Binyamin Netanyahu, tacaria fogo no parquinho.
Taylor Swift é, sem dúvida nenhuma, a maior estrela da atualidade. Faz sucesso desde o início da carreira, mas em 2023 atingiu um patamar ainda mais alto. Seu show gigantesco causa frenesi por onde quer que passe. A devoção de seus fãs só é comparável à beatlemania, a histeria causada por John, Paul, George e Ringo em meados da década de 1960.
No entanto, ao contrário dos Beatles, Madonna ou Lady Gaga, Taylor parece não querer ser mais do que uma "entertainer". Suas letras falam de dramas estritamente pessoais. Suas declarações públicas não clamam por uma revolução nos costumes, pelo combate à homofobia e à desigualdade ou mesmo pela paz no mundo.
Mas talvez ela mesma seja uma encarnação contemporânea do empoderamento feminino: uma mulher que se tornou bilionária antes de completar 30 anos, capaz de peitar o Spotify e brigar para ter o controle total sobre sua própria obra.
Mesmo reconhecendo o gigantismo da moça, ainda não acredito que ela seja quem mais influenciou os eventos de 2023, "para o bem ou para o mal". Há coisas muito mais graves acontecendo neste exato momento, em qualquer lugar do mundo. Mas sua escolha pela Time não deixa de ser um refresco, num ano tão conturbado como este que vai terminando.
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