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Tony Goes

Aos 65 anos, Madonna enfrenta o desafio de se manter relevante sem abrir mão do passado

Goste-se dela ou não, é a artista popular mais importante dos últimos 50 anos

Madonna em foto publicada no Instagram
Madonna em foto publicada no Instagram - @madonna no Instagram
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Em meio à enxurrada de comentários suscitada pela série "Xuxa, O Documentário", do Globoplay, teve um que me chamou a atenção. Não vou me lembrar do nome nem da profissão da pessoa, mas o que ela disse era muito pertinente.

Aos 60 anos de idade, Xuxa enfrenta um desafio. Por um lado, precisa manter viva a lembrança de seus anos como Rainha dos Baixinhos, que lhe renderam fama, fortuna e fãs que duram até hoje. Por outro, precisa se manter relevante, para não viver apenas das glórias do passado e continuar faturando.

Pois Madonna encara exatamente o mesmo dilema. A Rainha do Pop completa 65 anos nesta quarta-feira (16), e só isso já é uma façanha e tanto: ainda é chamada de Rainha do Pop, apesar da idade provecta e das várias gerações de estrelas que surgiram depois dela.

Muito mais do que Xuxa, Madonna sempre quer estar na crista da onda. Quer ser vista como inovadora ou, pelo menos, como uma espécie de atravessadora do bem: aquela que traz para as massas as novidades musicais produzidas nos becos do planeta.

Ela fez isto com a house music, o vogue, a french wave, até com o funk brasileiro. Sempre soube se associar ao produtor mais quente do momento, e conseguiu que seu som evoluísse sutilmente ao longo dos anos.

Mas a música não é nem metade do que Madonna é. Antes de mais nada, ela é imagem e atitude. É por isso que as novas faixas andam raras, mas suas redes sociais trazem fotos novas quase todos os dias.

Madonna sempre soube se traduzir visualmente muito bem. Já foi Marilyn Monroe, foi Ditta, a stripper de tapa-olho e dente dourado, foi cowgirl, bailarina tailandesa, cantora de fado, roqueira. Também já tirou toda a roupa e mostrou cada milímetro de seu corpo nu no livro "Sex", de 1992, hoje esgotado.

Só que, de uns tempos para cá, ela parece ter perdido a capacidade de capturar a "zeitgeist" —o espírito do tempo. Suas fotos recentes mostram uma mulher de pele artificialmente lisa, sem sobrancelhas, maçãs do rosto muito salientes. Talvez um clone sintético de Madonna, vindo diretamente do século 25?

Em fevereiro, sua aparência bizarra na cerimônia de entrega dos prêmios Grammy rendeu uma saraivada de críticas. Madonna se defendeu, alegando ter sido vítima tanto de uma câmera de TV que distorcia tudo quanto do etarismo do público. O fato é que ela estava feia, só isso.

Faz sentido uma pessoa reclamar que está sendo discriminada por ser velha, ao mesmo tempo em que faz tudo para parecer ser jovem? Madonna não estaria validando o mesmo sistema que ela acusa de injusto?

Por outro lado, a liberdade que ela prega, para as mulheres –e para toda a humanidade– também é a de decidir sobre o seu próprio visual. Só não dá para esperar que o mundo aplauda qualquer resultado.

Madonna sempre se exigiu muito. Faz exercícios todos os dias e é vegetariana há cerca de 40 anos. Em época de shows, impõe a si mesma e a seus bailarinos uma rotina duríssima de ensaios.

No entanto, o tempo não para. Sua última turnê, "Madame X", entre 2019 e 2020, teve vários shows cancelados porque ela se machucava no palco sem parar. E sua próxima turnê, "Celebration", teve a estreia adiada em três meses porque a popstar baixou hospital, acometida de uma infecção bacteriana.

Confesso que me incomoda um pouco que "Celebration" não esteja promovendo um novo álbum. O repertório do show inclui os maiores sucessos a cantora, e nenhuma novidade foi anunciada até agora. Madonna jogou a toalha? Não quer mais se arriscar a lançar um disco que venda pouco?

Talvez seja mesmo a hora de diminuir o ritmo. Por mais bem cuidado que seja, um corpo de 65 anos não é igual a um de 25. Por outro lado, é mais que louvável a disposição de Madonna de continuar excursionando, de rodar o mundo, de se encontrar com seus fãs.

Que são cada vez menos, aliás. Assim como Xuxa, Madonna vem conseguindo poucos novos adeptos entre as novas gerações. Não há nada de surpreendente nisso. Para um adolescente de hoje, ela deve soar tão "música de avó" quanto Frank Sinatra soava para mim em 1976.

O que essa garotada precisa entender, no entanto, é que foi Madonna quem abriu as portas para Lady Gaga, Beyoncé, Ariana Grande, Rihanna, Taylor Swift, Katy Perry e praticamente todas as divas da dance music, desde 1982.

Porque a persona com que ela se apresentou ao mundo era inédita naquela época: uma feminista radical, que pregava a independência total das mulheres, mas que, ao mesmo tempo, gostava de sexo, sedução e putaria. Hoje essa combinação parece corriqueira, mas, 40 anos atrás, soava paradoxal para muita gente.

Ao longo de sua longa carreira, Madonna abraçou todas as causas certas. Foi das primeiras a se levantar contra a Aids, sempre defendeu os gays e os direitos igualitários, e hoje se dedica a ridicularizar a extrema-direita.

Não, não é perfeita, porque ninguém é. Mas, somadas a qualidade da obra, o impacto de suas ideias e a influência que exerceu sobre o showbiz e o comportamento, Madonna é, de longe, a artista popular mais importante do último meio século.

Feliz aniversário, Madge. Que privilégio estar vivo ao mesmo tempo que você.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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