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Tony Goes

Criticar aparência de Madonna não é, necessariamente, etarismo ou misoginia

Cantora errou na produção, mas conseguiu politizar o debate em torno de si

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Madonna fez uma rápida aparição na entrega dos prêmios Grammy, que aconteceu no domingo passado (5) em Los Angeles. A cantora introduziu Sam Smith e Kim Petras, que se apresentaram logo em seguida. Depois, Madonna declarou à imprensa que fez questão de participar daquele momento histórico.

A alemã Kim Petras foi a primeira artista transgênero a se apresentar numa cerimônia do Grammy e também a primeira a faturar um troféu –ela e o britânico Sam Smith venceram a categoria de melhor performance pop de dupla ou grupo pela canção "Unholy". Em seu discurso de agradecimento, Petras foi explícita: "Acho que eu não estaria aqui se não fosse por Madonna".

De fato, a Material Girl tem um longo histórico de ativismo pelos direitos LGBTQIA+. Ainda na década de 1980, quando a Aids era tabu, ela levantou a voz em defesa das vítimas da doença. Nos anos seguintes, Madonna sempre esteve na linha de frente por causas como o casamento homoafetivo e o reconhecimento das pessoas transexuais.

Mas não foi nada disso que se alastrou pelas redes sociais. O que chamou a atenção de muita gente foi o visual bizarro de Madonna: as bochechas muito salientes, as sobrancelhas quase invisíveis, as trancinhas.

Madonna na premiação do 65° Grammy - Frazer Harrison - 5.fev.23/Getty Images via AFP


Não foi novidade para quem a segue nas redes. Mas para o espectador médio, que não via Madonna em pessoa havia algum tempo, foi um choque. Como a blogosfera costuma ser cruel, não faltaram comentários contundentes.

Madonna nunca foi de levar desaforo para casa e, no dia seguinte, contra-atacou. "O mundo se sente ameaçado pelo meu poder e minha energia. Minha inteligência e minha vontade de sobreviver. Mas jamais me quebrarão", reclamou ela no Twitter. Já no Instagram, jogou a culpa por sua aparência estranha numa "câmera que distorce tudo".

A moça é esperta. Com algumas postagens, conseguiu levar a questão para outro patamar. Quem ousasse criticar seu look estaria incorrendo em etarismo, o preconceito contra a idade, e em misoginia, a aversão a mulheres.

Muita gente comprou o argumento, e aí começou um animado debate online. Teve até quem achasse que ninguém tem o direito de falar sobre a aparência de ninguém. Fãs mais exaltados pediam devoção absoluta a Madonna, como se ela fosse um ente divino –"lembre-se de tudo o que ela já fez por você".

Menos, né, pessoal? Sim, houve quem resvalasse para a misoginia e o etarismo, como sói acontecer na internet. Mas a imensa maioria dos comentários era mesmo de espanto. Madonna, sempre tão zelosa quanto à própria imagem, apareceu horrenda num evento de alcance global.

Veja bem: não se estava criticando as rugas de Madonna, até porque ela não as tem. O que estava em questão era apenas a produção que ela fez para aparecer no Grammy. A cantora é uma das mulheres mais ricas do mundo, e é provável que tenha torrado uma grana em cirurgias plásticas, tratamentos estéticos, personal stylists, consultores, maquiadores, cabeleireiros e outros profissionais.

Só que desta vez não deu certo. O resultado final ficou feio. Mais nada. Madonna errou no modelito, como todos nós já erramos e iremos errar outras vezes. Ninguém está imune a um "fashion faux pas", um deslize na moda.

Também cabe lembrar que, hoje em dia, ninguém é poupado por ostentar visuais bizarros, não só as mulheres acima dos 40 anos. Volta e meia algum homem famoso faz uma harmonização facial que o transforma num ET e a web cai matando. É justo? Não, mas este é o mundo em que vivemos.

E ainda há outra questão: Madonna reclama do preconceito contra as pessoas mais velhas, mas será que ela mesma não se rendeu a ele? Os procedimentos a que se submeteu para parecer mais jovem são uma submissão aos padrões vigentes ou um grito de liberdade?

A palavra "ageless" (sem idade) está na moda e Madonna é uma de suas porta-estandartes. Ela demonstra que uma mulher pode, em qualquer idade, ser o que quiser e fazer o que quiser. O que não quer dizer que tudo o que ela fizer será sempre incrível.

No mais, conhecendo a figura, não duvido de que ela tenha se enfeiado de propósito para o Grammy, com o singelo objetivo de causar polêmica. Toda mídia é bem-vinda, ainda mais quando se está às vésperas de mais uma turnê mundial.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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