Quem acusa Madonna de 'queerbaiting' ignora que ela sempre defendeu os gays
Cantora causou polêmica por causa de vídeo postado no TikTok
Em 2003, Madonna foi homenageada na cerimônia de entrega dos VMA’s, o prêmio da MTV americana. Duas de suas mais famosas pupilas, Britney Spears e Christina Aguilera, surgiram no palco vestidas de noiva e cantando "Like a Virgin", um de seus maiores hits.
Logo em seguida, a própria Madonna apareceu, de fraque e cartola. As três cantaram "Hollywood". No meio da canção, Madonna beijou primeiro Britney na boca, depois Christina. O mundo veio abaixo.
Naquela época ainda não existiam as redes sociais, nem o patrulhamento "woke" dos dias de hoje. Os beijos lésbicos das três cantoras repercutiram na imprensa, mas ninguém se ofendeu. Pelo contrário: o gesto foi lido como uma atitude libertária. Uma banana solene aos rótulos sexuais.
Hoje em dia, é claro, as três seriam crucificadas virtualmente. Afinal, nenhuma delas é oficialmente homossexual, e o beijo na premiação da MTV seria considerado "queerbaiting": a apropriação de um símbolo ou comportamento LGBTQIA+ por alguém que não faz parte dessa comunidade com o inaceitável intuito de se promover.
"Queerbaiting" é como muitos internautas chamaram o vídeo postado por Madonna no TikTok neste domingo (9). A popstar aparece de cabelos cor de rosa e sobrancelhas raspadas, prestes a atirar uma calcinha numa lata de lixo. Aparece uma legenda: "se eu errar, sou gay". Claro que ela erra. Madonna então dá de ombros, meio que confirmando que gosta de mulheres.
E daí? Madonna nunca escondeu que já transou com gente de seu mesmo sexo, desde os 15 anos de idade. Teve rápidos relacionamentos com a empresária da noite Ingrid Casares e a atriz Sandra Bernhard. Também é perfeitamente possível que, neste momento, esteja namorando a rapper dominicana Tokischa, com quem lançou uma nova versão de seu sucesso "Hung Up".
Mas, para os santos e puros da internet, Madonna estaria dando uma de Harry Styles: fingindo que é gay só para atrair atenção para si mesma. Um pecado imperdoável no ano da graça de 2022.
Essa galera deveria pesquisar um pouco antes de falar bobagem. Para boa parte da garotada, Madonna é só uma senhora de 64 anos que seus pais costumavam ouvir na juventude. Não conhecem suas músicas e muito menos sua carreira.
Se conhecessem, saberiam que nenhuma outra popstar fez tanto pela causa LGBTQIA+ do que ela. Nem mesmo as lésbicas assumidas, como a canadense k. d. lang ou a baiana Daniela Mercury.
Madonna abraçou a comunidade gay desde seus primeiros discos. Expôs ao mundo sua relação com seu irmão Christopher e com vários de seus professores, todos homossexuais. E se tornou uma paladina da luta contra a AIDS, num momento em que a doença ainda era pouco conhecida e muito mais estigmatizada do que é hoje.
Tudo isso fez com que ela se tornasse uma espécie de Rainha dos Gays, e até hoje não surgiu alguém com força para destroná-la.
É verdade que também há um outro aspecto menos nobre em sua persona artística: Madonna também é a rainha do marketing. Sempre soube "causar", sempre conseguiu manchetes com relativa facilidade. É óbvio que o objetivo do vídeo da calcinha era provocar comoção. Mas, novamente: e daí?
Muitos jovens acham que o mundo nasceu com eles e ignoram o que os mais velhos sofreram para que hoje eles desfrutem de liberdades impensáveis algumas décadas atrás. Dizer que Madonna "se aproveita" dos gays é ofensivo não só a ela como também aos gays que cresceram tendo na cantora uma aliada incondicional.
Madonna já apagou o vídeo no TikTok, porque deve estar sem saco para polêmicas vazias. Mas aposto que está contente com o resultado. Afinal, ela voltou a ser notícia e está tendo sua trajetória explicada para as novas gerações. Seu reinado segue intacto.
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