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Tony Goes

Estreia de 'Xuxa, o Documentário' ignora os primórdios eróticos da carreira da apresentadora

No Brasil de hoje, seria impensável que ela se tornasse um ícone da criançada

Xuxa Meneghel revisita toda a sua trajetória na série da Globoplay - Blad Meneghel/Divulgação
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São Paulo

O início da década de 1980 foi um período único na história do Brasil. O país estava exausto depois de quase 20 anos de ditadura militar. Além de não podermos votar para presidente, ainda experimentávamos uma inflação galopante, que só seria debelada muitos anos mais tarde.

Mas, nas artes e nos costumes, o clima era de efervescência. A censura retrocedia, e peça e filmes proibidos de repente entravam em cartaz. Nas praias, surgia o biquíni fio-dental, e as mais ousadas praticavam o topless. O nu frontal foi liberado nas revistas masculinas, e toda uma indústria de pornografia explícita começou a se formar às margens do "mainstream" cultural.

Em meio a esse oba-oba, Pelé começou a circular com uma namorada nova. Xuxa Meneghel tinha apenas 17 anos e era de fato muito bonita, mas não se destacava em meio às dezenas de lindas modelos que despontavam naquela época. No entanto, sua presença constante ao lado do rei do futebol garantiu a ela uma enorme cobertura da mídia, e Xuxa se tornou famosa apenas por isto.

Pelé não era ciumento e deixava a namorada posar nua para todas as revistas. Xuxa e sua amiga Luiza Brunet, outra beldade que caiu no gosto do público, apareciam em todas as publicações do gênero. Para manter o bronzeado no corpo inteiro, as duas tomavam banho de sol totalmente peladas, numa praia isolada próxima ao Rio de Janeiro.

Depois de inúmeras capas para a extinta revista "Ele & Ela", o destino natural de Xuxa parecia ser o cinema. Em 1982, ela fez um pequeno papel no filme "Amor, Estranho Amor", de Walter Hugo Khouri: uma jovem prostituta que tirava a virgindade de um garoto de 14 anos, num bordel de luxo de São Paulo.

A estreia de Xuxa na tela grande se tornou uma lenda e uma enorme dor de cabeça para ela, e será abordada em detalhes no segundo episódio da minissérie "Xuxa, o Documentário", dirigida por Pedro Bial. Mas o primeiro capítulo, que chegou na noite desta quinta (13) à plataforma Globoplay, passa batido pelos primórdios eróticos da carreira daquela que viria a ser a Rainha dos Baixinhos.

Este episódio inaugural, aliás, tampouco fala da infância e da adolescência da apresentadora, que nasceu em Santa Rosa, no interior do Rio Grande do Sul, e depois se mudou com a família para o subúrbio carioca de Bento Ribeiro. Xuxa surge na série já plenamente formada, tal Vênus emergindo das águas.


Há muitos depoimentos interessantes de gente que participou do "Clube da Criança", o programa infantil que Xuxa comandou na TV Manchete, e do "Xou da Xuxa", a atração matinal da Globo que a transformou numa superstar. A própria apresentadora compartilha detalhes saborosos, e ri de sua ingenuidade naquela fase.

Mas um pouco mais de contexto histórico faria bem para a compreensão e sua trajetória. Só mesmo naquele Brasil desbundado dos anos 80 que uma modelo, sem nenhuma experiência em frente às câmeras de TV, conseguiria passar de musa das revistas masculinas para ícone da garotada. E não foi uma transição gradual: num dia Xuxa estava nua em todas as revistas, e no dia seguinte já era idolatrada por crianças do Oiapoque ao Chuí.

Sua atuação no "Clube da Criança" se tornou folclórica, e hoje rende memes como o incontornável "senta lá, Claudia". Os críticos a acusavam de ser rude com os pequenos, mas este era o segredo de Xuxa: apesar do corpo voluptuoso, ela era tão imatura quanto seus fãs mirins, e os tratava de igual para igual. O tom professoral dos antigos apresentadores de programas infantis foi enterrado por ela, para todo o sempre.

Hoje seria quase impensável que uma mulher que todo mundo já havia visto nua se tornasse o maior nome do entretenimento infantil. O Brasil encaretou, e aquela bagunça libertária de 40 anos atrás foi substituída por tribunais da internet e um moralismo hipócrita. Como a própria Xuxa diz na série, ela apareceu na hora certa.


Ainda falta quase um mês para vermos na íntegra o momento mais aguardado de "Xuxa, o Documentário": o reencontro da apresentadora com sua ex-empresária Marlene Mattos. O Fantástico já exibiu algumas cenas, mas o embate entre as duas – e que deixou Xuxa bastante decepcionada – só virá no quinto e último episódio da série.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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