Marcelo Arantes

Zeca, Marieta e a mandioca

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A recente polêmica envolvendo o jornalista Zeca Camargo e os sertanejos está cercada de equívocos. E ainda que ninguém aguente mais falar sobre isso, há o que se extrair desse chorume.

De um lado, os que se julgam culturalmente mais evoluídos, os eruditos, que defendem o discurso de Zeca de que "a alma cultural brasileira é pobre" e que o país passa por uma regressão cultural.

De outro, os flagelados artísticos, herdeiros de gêneros culturais de raízes populares. Fenômenos de sucesso na música regional, os sobreviventes da roça na cidade grande que cantam sofrimentos universais na linguagem do povo.

Na disputa entre eles ganha quem tem melhor mercado, porque a mídia não vive de caridade. A guerra é comercial, mas a discussão é o relativismo cultural.

O fato é que nem todo o mundo compreendeu a crônica de Zeca Camargo. Ele fez um texto para ser porta-voz do primeiro grupo, e só este o entendeu. Mas, para qualquer um dos lados desse embate, a questão parece ser a obrigação em aceitar outra linguagem que não a sua própria, e tolerá-la.


Ainda que o jornalista parecesse irritado com a exagerada comoção popular por Cristiano Araújo e livros de colorir, suas palavras lamentam a pulverização dos ídolos pop no país e a unificação cultural que deixou de existir.

Os neo-sertanejos entraram na briga porque sentiram seu ego atingido. Ao ouvirem que não são considerados suficientemente famosos no país todo, passaram a guerrear como numa luta de classes em histeria coletiva. Todos querem uma fatia do enorme público comovido de Cristiano Araújo, e se vitimizaram contra o discurso elitista de Zeca.

Mas alguém precisa lhes contar a verdade: está cada vez mais difícil se tornar nacionalmente conhecido.

Se antigamente todos sabiam quem era Chitaozinho e Xororó ou Zezé di Camargo e Luciano, isso acontecia porque as gravadores os empurravam para o mainstream, afinal mereciam lugar na programação da TV por serem bem-vendidos.

A internet e a cauda longa de Chris Anderson impulsionaram o consumo regional, o que significa que, apesar do país viver a diminuição da desigualdade social, como lembrou Marieta Severo no "Domingão do Faustão" (Globo) deste domingo (28), a desigualdade cultural parece aumentar, porque cada grupo consome mais produtos da própria identidade.


Cultura é um termo dinâmico que define as manifestações artísticas. Por muito tempo, seu conceito foi usado como instrumento de dominação de uma sociedade por outra, e a própria escravidão foi justificada na diferença cultural de europeus e povos africanos e indígenas.

Zeca Camargo infelizmente se apropriou deste conceito para lamentar que o gosto médio da população brasileira não seja refinado como o seu, e isso soou preconceituoso.

Quando Cristiano Araújo morreu e muitas pessoas que não o conheciam perguntaram quem era ele, seus fãs se viram desprestigiados. Depois sentiram-se diminuídos quando estas mesmas pessoas classificaram a cobertura da morte como "exagerada".

Quanto à opinião de Zeca, politicamente incorreta para os sertanejos, serve de alerta para qualquer grupo aprisionado em bolhas culturais, inclusive o grupo dele mesmo.

Às vésperas de estrear um novo programa na TV aberta, o jornalista terá a árdua missão de tomar emprestado o otimismo da Marieta Severo e falar uma linguagem que todos possam absorver, para não haver mal-entendidos.

A internet fez a nova revolução cultural ao quebrar a dominação dos grandes grupos de comunicação e pulverizar unanimidades.

Uma das maiores conquistas do Brasil, segundo Dilma, a mandioca também é a metáfora do novo sucesso. Nivelada cada vez mais por temas genuinamente populares, a programação da TV passa pela revolução da raiz.

Marcelo Arantes

Marcelo de Oliveira Arantes (@dr_marcelo_) é psiquiatra, mora em São Paulo e comenta o "BBB" há dez anos, desde que participou do "Big Brother Brasil 8". É autor de “A Antietiqueta dos Novos Famosos”.

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