'Vai na Fé' se consagra como a melhor novela após 'Pantanal'
Trama das sete da Globo supera todas as produções desde o fim de Juma, em relevância e audiência
Apesar dos beijos homoafetivos cortados ao longo de "Vai na Fé", fruto dos esforços da Globo para reconquistar a plateia conservadora perdida nos últimos anos, a trama de Rosane Svatman é a melhor novela produzida pelo Grupo Globo desde "Pantanal". E o enredo alcança esse superlativo sob um risco alto: a ousadia de abordar o universo evangélico, considerado a ponta extrema de uma das gangorras que mais expõem rivalidade no jogo da polarização.
Melhor que isso, só se a audiência fosse boa. E foi.
Dentro dos parâmetros atuais, e levando em conta o percentual de TVs ligadas na faixa das 19h30 às 20h30, "Vai na Fé" tem, proporcionalmente, mais audiência que a novela das nove, e chegou até a superar "Terra e Paixão" em público absoluto em algumas ocasiões.
A condição de melhor novela pós-Juma & Cia. vale tanto para a TV linear como para o Globoplay, serviço de streaming onde "Todas as Flores" mereceu muitos aplausos em sua primeira etapa, para depois frustrar expectativas na segunda metade da história.
A morte de Dora, personagem de Cláudia Ohana, no capítulo desta quinta-feira (20) foi só mais uma sequência que esbanjou competência e delicadeza de texto e direção. O processo do luto vivido pela perda de alguém tão querido mereceu a leitura de trechos de "A morte é um dia que vale a pena", de Ana Cláudia Quintana Arantes, escritora já mencionada e referendada em outra novela da autora, "Bom Sucesso", assinada ao lado de Paulo Halm.
Assim como fazia na novela anterior, Svartman salpica literatura pura no meio das cenas, e nem por isso as pessoas diante da tela mudam de canal --muito pelo contrário. O efeito alcançado endossa que seduzir o público por meio de um bom texto é questão de habilidade, elemento que falta a outros autores do gênero, adeptos da convicção de que o telespectador enfia sorvete na testa.
Enxergar qualidade no primeiro capítulo é fácil. Difícil é encontrar esse lugar após cento e tantos episódios. Vale elencar a seguir o que levou "Vai na Fé" ao êxito que se aponta agora, a três semanas de seu fim e já com as gravações se encerrando esta semana.
O SUCESSO DE 'VAI NA FÉ' EM TÓPICOS
- Representatividade de diversidade: protagonista negra (Sheron Menezzes) entregou personagem evangélica fiel aos seus princípios religiosos, passando longe do maniqueísmo, ou seja, sem desprezar os conflitos com a atividade de dançarina, um talento e uma paixão para ela;
- Abordou homoafetividade com condições de furar bolhas: enquanto a direção da Globo cortava cenas de beijos entre meninas, os autores procuravam um meio de fazer valer a ideia. Cautela para uns, censura para outros, a abordagem favoreceu o alcance do recado a um público mais conservador;
- Tolerância religiosa: o enredo também furou bolhas para atingir evangélicos e não evangélicos, beneficiando a derrubada de estereótipos e preconceitos entre os dois lados;
- A presença de um vilão forte (Emílio Dantas) valorizou o heroísmo dos mocinhos;
- O elenco esbanjou química, graças a um texto orgânico, com frases que cabem na boca das pessoas na vida real, sob competência dos atores e a direção regida por Paulo Silvestrini;
- Por meio de Wilma, personagem de Renata Sorrah, vieram linhas de clássicos do teatro e várias referências a outras novelas;
- A produção revelou novos atores jovens e ampliou o cast de atores negros com êxito;
- O enredo zelou pelo humor mesmo em meio a dramas puxados como um episódio de estupro pautando a essência da história da mocinha;
- O texto de Svartman, em companhia de Mario Viana, Renata Corrêa, Pedro Alvarenga, Renata Sofia, Fabrício Santiago e Sabrina Rosa, é uma aula de roteiro, com diálogos curtos e afiados;
- Por fim, "Vai na Fé" se mostrou útil e bem acabada, acertando na forma e no conteúdo, mas sobretudo entregando o principal para os interessados em novela: entretenimento. Afinal, de nada adianta o propósito de enviar boas mensagens e intenções se a distribuição do bolo falhar.
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