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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu jornalismo

Tutinha deixa presidência da Jovem Pan em meio a inquérito por fake news

Grupo é investigado pelo Ministério Público Federal por informações falsas e estímulo a ataques antidemocráticos

Tutinha apresenta novos estúdios da Panflix
Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, nos estúdios da Panflix, plataforma de streaming da Jovem Pan, em janeiro de 2020, quando o programa recebeu o então ministro da Justiça Sergio Moro - Divulgação
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São Paulo

No mesmo dia em que o Ministério Público Federal (MPF) anunciou ter aberto inquérito para apurar a conduta do grupo Jovem Pan na "disseminação de conteúdos desinformativos a respeito do funcionamento das instituições brasileiras e com potencial para incitar atos antidemocráticos", o grupo informou nesta segunda-feira, 9, o afastamento de seu presidente, Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha.

O posto agora está nas mãos de Roberto Alves de Araújo, que integra o grupo desde 2013 e, segundo nota da emissora, liderou os processos de transformação digital da empresa e de expansão do projeto multiplataforma.

Herdeiro da empresa fundada pelo avô, Paulo Machado de Carvalho, ainda como Rádio Panamericana, e consolidada pelo pai, Antonio Augusto Amaral de Carvalho, o Tuta, Tutinha continua no Conselho de Administração da empresa, assim como os demais acionistas, com a missão de "preservar os princípios e valores que norteiam o Grupo Jovem Pan há 80 anos", informa a nota.

INQUÉRITO

O foco da investigação do MPF mira a veiculação de notícias falsas e comentários abusivos por parte de profissionais e comentaristas da emissora, que soma estações de rádio, plataforma de streaming, canal no YouTube e canal de TV paga.

A peça é assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto em SP, Yuri Corrêa da Luz, que cita "numerosos conteúdos, entre reportagens, debates ao vivo e comentários no formato de coluna e opinião desinformativos".

Esses conteúdos, segundo ele, têm "potencial para minar a confiança dos cidadãos na idoneidade das instituições judiciárias brasileiras e na higidez dos processos democráticos por elas conduzidos".

Nas apurações até aqui feitas pelo MPF, a Pan tem veiculado sistematicamente, segundo o órgão, "fake news e discursos que atentam contra a ordem institucional, em um período que coincide com a escalada de movimentos golpistas e violentos em todo o país".

Procurada, a Jovem Pan informou que não tem posicionamento a fazer, por enquanto.

A investigação pretende apurar se a Jovem Pan violou direitos fundamentais da população e incorreu em abuso à liberdade de radiofusão. As punições contra a empresa poderão ser por meio de multas e indenizações por dano moral coletivo, a suspensão da sua concessão por 30 dias e até a sua cassação.

SEM ADULTERAÇÃO

Ao longo da cobertura dos atos de vandalismo ocorridos em Brasília neste domingo, 8, comentaristas da Jovem Pan minimizaram o teor de ruptura institucional dos atos e tentaram justificar as motivações dos criminosos que invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes.

Segundo o MPF, a Jovem Pan tem até 15 dias para enviar informações detalhadas sobre sua programação e dados pessoais dos apresentadores e comentaristas dos programas Jovem Pan News, Morning Show, Os Pingos nos Is, Alexandre Garcia e Jovem Pan – 3 em 1.

O documento determina ainda que a empresa não pode fazer qualquer alteração nos canais que mantém no YouTube, como a exclusão de vídeos ou a restrição de sua visualização, já que todo o conteúdo será objeto de investigação minuciosa.

Ao YouTube, o MPF ordenou a preservação da íntegra de todos os vídeos publicados pela Jovem Pan desde janeiro de 2022 até hoje. A plataforma deverá ainda informar em até 30 dias a relação completa dos conteúdos removidos ou cujo acesso público foi restringido pela emissora.

O YouTube, que espontaneamente já derrubou a monetização dos canais vinculados à Jovem Pan, terá de indicar os vídeos que foram alvo de moderação de conteúdo pela própria plataforma ao longo do ano passado, especificando os fundamentos adotados nesse controle.

NA MIRA DAS INVESTIGAÇÕES

Ex-Globo e ex-CNN Brasil, Alexandre Garcia atribuiu legitimidade às ações de destruição em Brasília, diante do que ele acredita ser um contexto de inação das instituições. "É o poder do povo", disse o comentarista, em alusão ao artigo 1º da Lei Maior da Constituição.

Para Garcia, "nos últimos dois meses as pessoas ficaram paradas esperando por uma tutela das Forças Armadas. A tutela não veio. Então resolveram tomar a iniciativa."

A postura da Jovem Pan na defesa de atos antidemocráticos e na difusão de notícias falsas não é nova. Tomou fôlego ao longo dos quatro anos de governo Bolsonaro, lembrando que o mesmo Alexandre Garcia difundiu insegurança sobre a eficácia da vacina contra a Covid e incentivava um falso tratamento "precoce", baseado em cloroquina.

Paulo Figueiredo foi outro comentarista a proferir ataques aos Poderes da República e validar os atos de vandalismo em Brasília. Mesmo após cenas de destruição do patrimônio público, o comentarista tentou culpar os agentes públicos pelo caos.

Figueiredo argumentou que "as pessoas estão revoltadas com a forma como o processo eleitoral foi conduzido, elas estão revoltadas com a truculência com que certas instituições têm violado a nossa Constituição", sustentando notícias falsas sobre supostas fraudes eleitorais e atuações enviesadas ou omissivas de tribunais superiores e do Congresso Nacional.

O MP garimpou ainda comentários de Fernando Capez, que classificou os atos como "manifestação claramente pacífica". "Um ou outro vândalo que se infiltra, mas 99,9% são pessoas que estão ali expondo a sua indignação, sua maneira de pensar", declarou.

Durante o processo eleitoral, a Jovem Pan já era voz ativa para alegações do bolsonaristas sobre a falsa ineficácia das urnas eletrônicas e constantes ataques contra o STF, em especial ao ministro Alexandre de Moraes, que tem sido rigoroso na punição a ameaças feitas a figuras públicas por meio das redes sociais.

Alvo de discórdia até entre ex-comentaristas da Jovem Pan, Rodrigo Constantino, em 14 de novembro, atribuiu o resultado dos processos democráticos do país a "um malabarismo do Supremo". Já sua colega Zoe Martinez defendeu, em 21 de dezembro, que as Forças Armadas destituíssem os ministros do STF.

Vários dos programas analisados também continham falas com potencial efeito de incitação a atos violentos no país. Exemplo foi registrado em 22 de dezembro, quando Paulo Figueiredo resumiu o cenário político-social a duas alternativas: a aceitação de "uma eleição sem transparência, sem legitimidade, sem confiança da população" e a deflagração de uma guerra civil. Diante delas, sentenciou: "Então que tenha uma guerra civil, pô!".

Dias depois, o mesmo comentarista diria que uma intervenção militar não traria consequências gravosas ao país e que, em caso de reação de grupos como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, caberia "mandar esses daqui para um lugar pior". "Passa cerol, pô, vocês são treinados para isso!", concluiu, dirigindo-se a integrantes das Forças Armadas.

Nas duas semanas que se seguiram à vitória de Lula nas eleições de outubro, o então presidente do grupo, Tutinha, dispensou várias grifes de sua programação, a começar por Augusto Nunes, Caio Coppolla e Guilherme Fiúza. Ana Paula Henkel se retirou da emissora em solidariedade a Nunes.

Durante a sua gestão, a rádio Jovem Pan 2 passou a absorver o radiojornalismo que fazia sucesso no AM, mas a programação híbrida, entre música, humor e notícia, foi ainda obra de uma pressão do patriarca, Tuta, hoje com 91 anos. Também foi de Tuta a ideia de aproveitar a internet para começar a levar imagens da rádio aos ouvintes, implementando assim uma nova relação entre a emissora e o público.

Tutinha incrementou o modelo de câmeras, soube como tirar melhor proveito das imagens via YouTube e criou a Panflix, uma plataforma de conteúdos para a TV, de modo que já possuía algum acervo quando conseguiu levar a marca Jovem Pan a um canal pago, hoje colado à CNN Brasil no line up de TV por assinatura.

A TV Jovem Pan estreou em outubro de 2021 tendo Jair Bolsonaro como convidado do Pânico. A linha editorial alinhada ao bolsonarismo fez a audiência crescer e se multiplicar, tornando-se um espaço apropriado para os fãs do ex-presidente.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O MPF lembra que a livre expressão do pensamento não exime a Jovem Pan de respeitar outras diretrizes constitucionais e legais referentes às atividades de comunicação, sobretudo porque parte de seu conteúdo é veiculado via rádio, uma concessão pública sujeita a limites relevantes.

O artigo 5º da Constituição garante acesso de todos à informação, não como o simples direito de recebê-la, mas de obter conteúdos qualificados. Ainda na Carta de 1988, o artigo 221 determina que emissoras de rádio e TV deem preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em sua programação, com respeito a valores éticos e sociais da pessoa e da família.

"Tendem a violar tais finalidades educativas e informativas, e em especial valores éticos da pessoa humana, conteúdos que sistematicamente veiculam desinformação sobre o funcionamento das instituições democráticas do país e, sobretudo, que incitam violência e ruptura em face dos Poderes estabelecidos", destacou o MPF na portaria de instauração do inquérito.

O MPF ainda aponta que o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962), ao qual a Jovem Pan está submetida enquanto concessionária do serviço de radiodifusão, é claro ao estabelecer que a liberdade de transmissão por som e imagem não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício.

Segundo a norma, incorrem em tais violações aqueles que empregarem os meios de comunicação para a prática de crimes previstos na legislação em vigor. Entre os exemplos estão incitar a desobediência às leis e a ordens judiciais, fazer propaganda de guerra ou de processos de subversão da ordem política e social e caluniar, injuriar ou difamar os Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário ou seus membros.

Foi solicitado ainda, ao Ministério das Comunicações, que informe sobre eventuais procedimentos instaurados a respeito de programas da rede que tenham como foco a eventual desinformação sobre as eleições de 2022 ou sobre a idoneidade das instituições estatais responsáveis pela condução dos processos democráticos do país.

(Colaborou José Marques, de Brasília)

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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