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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Televisão

'The Marvelous Mrs. Maisel': Gravação final teve elenco em peso e muitas lágrimas

Criadores da série já trabalham em uma nova série para plataforma de streaming da Amazon

Rachel Brosnahan nas gravações da série 'The Marvelous Mrs. Maisel' - Heather Sten/The New York Times
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Alexis Soloski
The New York Times

Em uma manhã de meados de outubro, no set de filmagem da comédia "The Marvelous Mrs. Maisel", na Amazon, os assistentes de cenografia estavam montando o soturno escritório, em Midtown, Manhattan, no qual Susie Myerson, a empresária artística interpretada com um olhar sempre feroz e um boné de jornaleiro por Alex Borstein, conduz seus negócios. Um adestrador de animais supervisiona os pombos posicionados do lado de fora de uma janela falsa, e uma artista cênica pinta as marcas de seu excremento. Envoltos pela fumaça de cigarros herbais cênicos, os atores —Borstein, Alfie Fuller e Rachel Brosnahan– repetem a cena uma vez mais, até que até as pausas desapareçam e o diálogo pareça estar sendo cantado.

Se vocês já viram "The Marvelous Mrs. Maisel", o primeiro programa de streaming a ganhar um Emmy como melhor série de comédia (um dos 20 Emmys que o programa recebeu no total), suspeitarão, corretamente, que a iluminação era deslumbrante, os figurinos suntuosos, o cabelo e a maquilagem luxuriantes.

Até os pombos reluziam (os excrementos falsos também pareciam muito bonitos). A série jamais se deparou com uma situação que não conseguisse embelezar e tornar mais decorativa.

Na cena, Midge, a exuberante humorista interpretada por Brosnahan, recebe a notícia de uma grande oportunidade pela qual esperava há muito tempo. "Você está falando sério?", Midge pergunta, quando Susie a informa da notícia. "Sou 'Antígona’ sem as gargalhadas", rebate Susie.

Portanto, sim, em sua última temporada, que estreou na sexta-feira (14) e se passa em 1961, Midge Maisel, a única dondoca do Upper West Side a falar de sexo em seu número de humor, enfim se dá bem (mas exatamente quando, onde e como? Terei de perguntar a um pombo). Amy Sherman-Palladino, que criou a série, e seu marido, Dan Palladino, produtor executivo, sempre imaginaram que a história terminaria assim –rápida, enérgica e vestida para impressionar.

"Todos sabiam que Midge ia ser famosa", disse Palladino. "Teria sido uma viagem muito decepcionante para as pessoas se ela decidisse ser só dona de casa."

"Uma dona de casa muito engraçada e fabulosa", emendou a mulher dele. "Mas essa não era a viagem."

O passeio, em vez disso, foi um redemoinho ascendente em tons de joia e roupas de pregas cada vez mais aguçadas, acompanhado por uma trilha sonora animadíssima (três daqueles Emmys foram para a excelente supervisão musical), um sonho febril da metade do século passado revestido em cores de confeito. Por baixo desse revestimento estava a história de uma mulher —na verdade duas mulheres, se incluirmos Susie– que conseguem triunfar em uma indústria dominada pelos homens, por conta de seu talento e espírito batalhador.

O piloto de "The Marvelous Mrs. Maisel" foi gravado em 2016, há não tanto tempo atrás, mas uma vida inteira em termos de conteúdo de streaming. E, já durante a gravação, Sherman-Palladino e Palladino (de "Gilmore Girls" e "Bunheads", entre outros) imaginavam que poderiam ter um sucesso em mãos.

"Foi uma série que parecia saltar dos nossos monitores enquanto filmávamos", disse Palladino. Mas um par de décadas no negócio os tinha ensinado que nem todo o brilho do mundo bastava para garantir que os executivos viessem a aceitar o programa, ou que as audiências o encontrassem.

Brosnahan, então com 26 anos e mais conhecida por um arco de alguns episódios como uma garota de programas condenada em "House of Cards", também tinha dúvidas. Depois de passar anos, como disse em uma entrevista recente, "chorado e morrendo", mal podia acreditar que os criadores houvessem confiado nela para interpretar uma comediante de stand-up.

"Parecia assustador e impossível, petrificante e entusiasmante", ela disse. Mas Brosnahan receava que um episódio piloto sobre uma mulher que conhecia muito bem seu caminho na seleção de decotes e na operação de caçarolas pudesse vir a ser visto como um nicho demasiado pequeno. "Lembro de terminar e dizer: Mas quem vai assistir?", disse ela.

Pessoas assistiram ao episódio piloto, embora, porque a Amazon mantenha segredo sobre seus números de audiência, os criadores nunca tenham descoberto quantas. Seja como for, o suficiente para a Amazon encomendar duas temporadas da série, o seu primeiro pedido de mais de uma temporada para um programa. O serviço de streaming Prime Video passou por várias mudanças de paradigma desde então, mas ano após ano (e Emmy após Emmy), a empresa manteve a fé em "The Marvelous Mrs. Maisel".

"Seria de esperar que, a dada altura, alguém questionasse se precisamos mesmo de tantas saias", disse Sherman-Palladino. "Mas isso nunca aconteceu."

Mas todas as saias têm de chegar ao fim, algum dia. Palladino descreveu a decisão de concluir a série ao final de sua quinta temporada como uma decisão mútua.

"Tornou-se uma decisão mútua quando nos foi dito que era a última temporada", esclareceu a mulher dele. Nesses últimos episódios, ao mesmo tempo em que amarravam quaisquer trechos desatados de enredo, eles queriam dar aos espectadores uma noção não só de como Midge finalmente chega ao sucesso, mas também do que esse momento acaba por significar para os personagens principais da série. A temporada final de nove episódios é repleta de flash-forwards, concebidos para mostrar o que se passa com Midge e a sua família estendida.

Esses saltos temporais emprestam à série uma sobriedade que ela nem sempre ofereceu. "A vida é uma série de escolhas, e algumas delas são escolhas estúpidas e outras grandes escolhas", explicou Sherman-Palladino. "Parte do que essas projeções do futuro nos deram foi mostrar as consequências das escolhas que ela fez."

Até agora, "The Marvelous Mrs. Maisel" em geral apresentava o arco de Midge como uma subida destemida. Quando o seu casamento se despedaçou como uma pilha de travessas Fiestaware, ela se jogou ao palco de uma casa noturna, e foi lá que viveu desde então.

"Achei sua resiliência inspiradora e a sua coragem para continuar a enfrentar a mudança inspiradora", disse Brosnahan. Mas será que essa resiliência e essa coragem tiveram algum custo? Essa última temporada, por mais animada que seja, confirma que sim.

As temporadas anteriores deixam passar quase sem menção a negligência de Midge com seu filhos. Nesta, o brilho protetor em que ela parece estar sempre envolta diminui, e a história enfatiza o robusto sistema de apoio —um pai empenhado, uma governanta muito competente, dois conjuntos de avós dedicados— de que os Maisel mais jovens desfrutam.

No entanto, de acordo com os criadores, o sucesso ou fracasso de Midge como mãe não era especialmente importante. "Não me propus a fazer uma história sobre uma mãe", disse Sherman-Palladino. "A história era sobre uma mulher que está descobrindo sua própria ambição, em uma época na qual as mulheres não deveriam ter ambição."

Brosnahan ecoa essa observação. "Não sei se importa que tipo de mãe ela é", disse a atriz, observando que os homens de prestígio ou ambiciosos da televisão não têm sido sujeitados à mesma crítica. "Não tivemos uma conversa como essa, e nesse volume, sobre Don Draper ou mesmo Walter White."

O programa permitiu que muitas pessoas além de Midge realizassem as suas ambições pessoais. Borstein, que ganhou dois Emmys pelo programa, tinha quase abandonado a carreira como atriz quando recebeu o roteiro do episódio piloto. Ela admirou a dureza de Susie e também sua vulnerabilidade.

"Foi emocionante ver uma personagem feminina tridimensional e não apenas uma coadjuvante vazia", ela disse. E viu paralelos entre a sua própria carreira e as de Susie e Midge. "Para mim soou realmente verdadeiro", ela disse. "Sempre tive de abrir meu caminho a machadadas."

Palladino e Sherman-Palladino nunca tiveram de recorrer a machados. Mas descreveram "The Marvelous Mrs. Maisel" como o primeiro projeto em que receberam todos os recursos de que necessitavam, a oportunidade de realizar quase todos os sonhos.

"Sentimos um orgulho muito forte com relação a esse projeto, um orgulho nunca tínhamos experimentado antes", disse Palladino. Eles estão particularmente satisfeitos com o design de produção elaborado e espirituoso da série.

"Nós tentamos aproveitar o que a época tinha de vibrante", disse Sherman-Palladino. "Os carros eram lindos. As torradeiras são [ela usa um palavrão]. As pessoas se vestiam mesmo daquele jeito."

Andar pelo estúdio de produção, mesmo durante as últimas semanas das filmagens, era como mergulhar naquele mundo fictício. O cenário criado para um bar incluía caixas de fósforos impressas sob medida para o stand da hostess. Havia pratos coordenados nas prateleiras da cozinha, fotografias autografadas e prêmios com inscrições gravadas nos escritórios de um talk show noturno.

Reid Scott, que interpreta o apresentador desse talk show, ficou maravilhado com o nível de detalhe. Integrante novo do elenco de "The Marvelous Mrs. Maisel", ele percebeu em seu primeiro dia no set que cada pedaço de papel em cada máquina de escrever tinha papel timbrado personalizado.

"A câmara nunca se vai concentrar no que aquela pessoa na escrivaninha está datilografando, mas eles cuidaram de todos os detalhes", ele disse em uma entrevista por telefone. "Essa atenção permeia toda a produção e faz com que todos os participantes se esforcem realmente."

Dizer adeus a todo aquele papel de carta não foi fácil. Os criadores organizaram a agenda para que todo o elenco comparecesse à última semana de gravação. Borstein disse que havia uma aposta para descobrir quem iria chorar primeiro (ela perdeu). Houve lágrimas nos ensaios, lágrimas a caminho do ensaio, lágrimas na estação do café.

"Homens adultos chorando por todo o lado", disse Sherman-Palladino. Brosnahan disse que, mesmo nos dias em que os membros do elenco principal não eram necessários, eles apareciam de qualquer forma, apenas para estarem juntos.

O último dia foi especialmente doloroso. "Não queríamos encerrar", disse Tony Shalhoub, que ganhou um Emmy por interpretar Abe Weissman, o pai de Midge. "Não queríamos terminar aquela última tomada."

O número de presentes de despedida foi grande demais ("porque acredito em comprar amor", disse Sherman-Palladino). E houve uma festa de encerramento, claro. E continuava a doer, mesmo que de um jeito agridoce.

"O fim da série deixa um buraco no meu coração", disse Borstein. "É difícil, mas é um espaço vazio maravilhoso. Porque sei aquilo que uma vez o ocupou, e sei do que sou capaz."

Sherman-Palladino e Palladino sentem a mesma pungência, mesmo que já estejam trabalhando em uma nova série (eles pareciam dispostos a falar mais a respeito, mas um agente de imprensa da Amazon interferiu para dissuadi-los educadamente). O principal sentimento deles é a gratidão —pelo elenco, pela equipe, pelas saias, pelo senso de um esforço compartilhado.

"Muitas pessoas têm carreiras adoráveis e mesmo assim nunca conseguem experimentar este tipo de unidade", disse Sherman-Palladino. "Temos muita sorte. Se formos atropelados por um ônibus ao sair daqui, tudo bem."

"Os ônibus gigantes chegam e atropelam todo mundo", ela brincou. "Um completo banho de sangue."

"É o final com que sonhamos", disse Palladino.

Tradução de Paulo Migliacci

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