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Os sons do filme "Duna" Peter Fisher/The New York Times

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Kyle Buchanan
The New York Times

"Duna" está nos detalhes, e Denis Villeneuve conhece quase todos eles. O cineasta franco-canadense, que é obcecado pelo seminal romance de ficção científica de Frank Herbert, passou os últimos anos adaptando o livro de 1965 e transformando-o em uma franquia cinematográfica que está dando seus primeiros passos.

O primeiro filme estreou em outubro e o segundo começará a ser filmado este ano. Assim, se há qualquer coisa que você queira saber sobre os detalhes de funcionamento de "Duna", Villeneuve é o homem a consultar.

Mas em março, em Malibu, Califórnia, Villeneuve estava contemplando uma caixa azul de cereais matinais com uma expressão alegre no rosto, e se viu forçado a admitir que havia um detalhe sobre o qual ele não estava informado. "Só descobri hoje que há Rice Krispies em 'Duna'", ele disse.

Estávamos na praia de Zuma, em uma tarde quente de março sobre a qual os leitores nova-iorquinos não gostarão que eu fale demais, e Mark Mangini e Theo Green, os editores de som da equipe de Villeneuve, ambos indicados ao Oscar, estavam por perto, derramando cereais na areia. A ideia não era provocar as gaivotas; Mangini e Green estavam demonstrando as técnicas de captura de som que usaram para dar vida a Arrakis, o planeta deserto no qual o herói de "Duna", Paul Atreides (Timothée Chalamet), descobre seu destino.

"Uma das imagens mais fortes do filme são os primeiros passos de Paul no planeta", disse Mangini. Porque a areia de Arrakis contém a "especiaria", uma valiosa substância alucinógena, os designers de som tinham que encontrar uma maneira especial de transmitir que havia algo de precioso sob os pés dos personagens.

Para demonstrar o efeito, Mangini afundou sua bota no trecho de areia no qual ele tinha derramado os cereais. A areia produziu um som sutil, sedutor, e Villeneuve abriu um largo sorriso. Embora ele o tivesse ouvido inúmeras vezes na pós-produção, o diretor não tinha ideia de como os designers de som tinham capturado aquele registro.

"Uma das coisas que amo no cinema é a mistura de tecnologia avançada e de fita crepe", disse Villeneuve. "Usar um microfone caríssimo para gravar o som de Rice Krispies –isso me comove".

"Duna" está repleto de sons secretos e inteligentes, quase todos os quais derivados da vida real. Dos 3.200 sons criados exclusivamente para o filme, apenas quatro foram obtidos exclusivamente com sintetizadores e equipamento eletrônico. Green apontou que, em muitos filmes de fantasia e ficção científica, existe uma tendência de indicar futurismo pelo uso de sons que nunca tenham sido ouvidos.

"Mas a visão de Denis era a de que o filme deveria criar uma sensação tão familiar quanto a de certas áreas do planeta Terra", disse Green. "Não estamos colocando o espectador em um filme de ficção, mas sim em um documentário sobre os povos de Arrakis".

Para tanto, Green e Mangini fizeram uma expedição inicial ao Vale da Morte [uma região desértica da Califórnia] a fim de recolher sons naturais que pudessem ser usados mais tarde na palheta sonora do filme. "Quando uma audiência ouve sons acústicos, é como se ela estivesse ticando um item mentalmente e dizendo que aquilo é real", disse Mangini.

Mas, dentro dessa realidade, ele não tem medo de estender as coisas um pouco. Quando trabalhou em "Mad Max: Estrada da Fúria", filme pelo qual ganhou um Oscar, Mangini combinou sons de animais moribundos ao ruído da colisão do veículo mais formidável do filme.

Para outra demonstração sobre "Duna", ele enterrou um pequeno microfone na areia. "É um microfone subaquático, um hidrofone", explicou Mangini. "Em geral é usado no oceano para registrar sons de baleias, mas descobrimos um novo uso para ele".

Em "Duna", os personagens usam um instrumento chamado "thumper" para bater ritmicamente na areia e convocar imensos vermes de areia. Para conseguir o som, Mangini e Green enterraram hidrofones em profundidades diferentes no Vale da Morte e depois usaram um martelo para bater na areia por cima dos microfones enterrados.

"Também gravamos o som na superfície, para registrar o ruído real do impacto", disse Mangini, demonstrando o método com alguns golpes ríspidos na areia da praia de Zuma. "Cada um desses golpes é o ruído do ‘thumper’ que se ouve no filme".

Para dar alguma grandeza às mandíbulas escancaradas do verme de areia, Green gravou o cachorro de um amigo rangendo os dentes, e Mangini acrescentou sons de baleias resmungando em ritmo semelhante ao do "thumper" –gunk, gunk, gunk. E como eles criaram o som do verme de areia deslizando pelo deserto e liquefazendo cada partícula em seu caminho?

"Tive a ideia de pegar um microfone, cobri-lo com uma camisinha e arrastá-lo dentro da areia", disse Mangini. "Eu não sabia disso", disse Villeneuve, em tom surpreso. Os designers de som riram. "Não contamos a Denis sobre a camisinha", disse Green.

Green e Mangini trabalharam com Villeneuve em seu filme anterior, "Blade Runner 2049", e o diretor os contratou assim que conseguiu os direitos de adaptação do romance de Herbert, em lugar de esperar pela pós-produção, como é costumeiro.

"Eu queria que Theo e Mark tivessem o tempo necessário a investigar, estudar e cometer erros", disse Villeneuve. "É algo que me deixou realmente traumatizado em filmes anteriores que fiz, nos quais você passa anos trabalhando em um roteiro, depois meses filmando e editando, e aí o cara do som chega para trabalhar bem no finzinho, quando quase não resta mais tempo".

Ao contratar a equipe de som cedo e deixar que ela trabalhasse sem interferência, Villeneuve pôde até incluir algumas das descobertas deles na trilha sonora de Hans Zimmer, o que produziu uma experiência auditiva holística, com a música percussiva e os efeitos sonoros constantes às vezes se misturando a ponto de se tornarem indistinguíveis. "Hans aceitou isso, não teve medo disso", disse Villeneuve. "Funciona porque é como uma banda".

E, bem como acontece em uma banda, os sons de "Duna" se beneficiam de alguns vocalistas intrigantes. Para criar a Voz, a forma de falar persuasiva que permite que Paul e sua mãe (Rebecca Ferguson) usem o poder de seus ancestrais femininos –uma ordem de feiticeiras chamada Bene Gesserit—, Villeneuve e a equipe de som escalaram três mulheres mais velhas e com vozes fortes e roucas, e mixaram sua leitura dos diálogos por sobre as vozes de Chalamet e Ferguson.

Uma dessas mulheres era a cantora britânica Marianne Faithfull, cuja voz de uísque é uma das mais reconhecíveis no rock. Se você ouvir atentamente os momentos nos quais os personagens usam a Voz, conseguirá distinguir Faithfull, 75, silvando "matem-no!" Essa seleção de elenco se provou mais acertada do que Villeneuve poderia ter imaginado.

Faithfull disse a ele que, na década de 1960, ela fez amizade com Charlotte Rampling, que interpreta a mais temível emissária das Bene Gesserit no filme. "Com 20 e poucos anos, nas ruas de Londres? Elas eram matadoras", disse Villeneuve.

Enquanto o diretor e sua equipe de som contavam histórias, eu mencionei o Oscar. "Duna" foi indicado em 10 categorias. (Mangini e Green dividem sua indicação com Mac Ruth, Doug Hemphill e Ron Bartlett.) Cinco dessas disputas –som, trilha sonora, edição, design de produção e cabelo e maquiagem– terão seus prêmios entregues junto com as das categorias de curtas-metragens, uma hora antes que a cerimônia ao vivo comece, e depois terão imagens incluídas em versões editadas no programa principal.

A implicação é a de que essas disputas interessam menos ao espectador casual, o que Mangini imediatamente provou ser falso ao se inclinar na direção de meu gravador e imitar o ronronar de um gato –um dos diversos sons, entre os quais o de um besouro batendo as asas, que foram mixados para reproduzir o barulho dos aviões ornitópteros de "Duna". "Acho que isso ficaria bem na televisão", ele disse.

Villeneuve concorda. "O som é um dos instrumentos que ainda justificam sair de casa para ir ao cinema". E isso tem lugar importante em seus pensamentos enquanto ele completa o roteiro para a continuação, que levará Paul a impérios sonoros ainda mais estranhos. "A única coisa que posso dizer sobre ‘Duna 2’ é que o som importará tanto quanto a imagem", disse Villeneuve.

Ele se virou para a direita, onde Mangini e Greene estavam recolhendo cuidadosamente o microfone enterrado na areia. Villeneuve me disse que os montes de areia têm uma ressonância especial. "São como um tambor gigantesco, de certa maneira", ele disse. Ao acrescentar a ressonância à trilha sonora psicodélica do filme, surge uma experiência sensorial tangível que, em um caso, trouxe o acréscimo de mais um sentido inesperado.

"Minha filha viu o filme na Suíça em ‘smell-o-rama’ [um sistema de exibição que acrescenta aromas], vocês acreditam?", disse Villeneuve aos editores de som. E qual deve ser o cheiro quando o verme de areia emerge das profundezas do deserto, com a boca terrivelmente aberta? "Não sei", disse Villeneuve, refletindo sobre a questão. "Mau hálito?"

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