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Zendaya em cena de

Zendaya em cena de "Euphoria", da HBO Divulgação

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Marc Tracy
The New York Times

Quando o episódio final da segunda temporada de "Euphoria" foi ao ar, na HBO, a conversação na mídia social sobre o sombrio drama adolescente girava em torno da morte de um personagem, da grande batalha entre dois outros personagens e da trajetória de Rue, a problemática adolescente interpretada por Zendaya.

Mas uma pessoa real duas vezes mais velha do que qualquer um dos alunos da East Highland High School, a escola da série, também era parte importante da discussão entre os fãs e dos memes no TikTok, Twitter, Reddit e Instagram. E a maioria das postagens de mídia social sobre essa pessoa não era elogiosa; muitos fãs indagavam por que certas linhas da trama não haviam terminado de outra maneira.

Sam Levinson, o criador de "Euphoria", adaptado de uma série homônima israelense, escreveu todos os 18 episódios de 60 minutos e dirigiu cinco deles, e emergiu como figura central na narrativa quanto à série. Fãs se acostumaram a recorrer à mídia social a fim de criticar a visão dele sobre os personagens.

O nome de Levinson apareceu em 300 mil tuítes desde o início da temporada, em 9 de janeiro, de acordo com o Twitter, um número modesto se comparado ao de menções aos personagens mais populares do programa, mas quase inédito para um roteirista. (As menções a ele são comparáveis às recebidas por #Fexi, a hashtag criado pelos fãs para resumir o par romântico que eles desejam ver surgir entre Fezco e Lexi.) No TikTok, vídeos com a hashtag #SamLevinson registraram quase 40 milhões de "views", de acordo com a empresa.

Embora algumas séries prestigiosas de TV tenham transformado seus showrunners em celebridades, até certo ponto, é incomum que um diretor que não aparece diante da câmera seja tão debatido entre os fãs. E o teor da discussão é diferente do visto durante as temporadas finais de "Game of Thrones", quando muitos fãs argumentavam que os showrunners estavam oferecendo um produto inferior.

Mesmo os críticos de Levinson admitem que atacá-lo por servir mal a um programa que eles amam –um programa que ele comanda– é "uma maneira realmente estranha de se envolver em um diálogo sobre seu programa favorito de TV", como escreveu Madeline Ducharme recentemente em um artigo na revista Slate. (Levinson se recusou a comentar.)

O diálogo extraordinário sobre Levinson resulta de diversos traços notáveis de "Euphoria". A serie não tem uma equipe de redatores como é costume na maioria dos programas parecidos, confirmou a HBO, e por isso os fãs podem considerar justo atribuir a Levinson a maior parte das decisões criativas.

"Euphoria" passou por uma disparada de popularidade, atraindo atenção desproporcional. E, talvez o mais importante, a série conta histórias complexas sobre pessoas cujas narrativas nem sempre são relatadas de maneira nuançada na cultura popular: personagens não brancos, viciados em drogas, pessoas queer e transgênero –e tudo isso como alunos de segundo grau.

Se somarmos esses fatores todos, temos em Levinson um artista que os fãs amam odiar, mas que faz algo que eles amam amar.

"É engraçado sugerir que ele deveria ser tirado da série. É claramente a série dele", disse Drew Gregory, cineasta e crítica que escreveu sobre "Euphoria" para o site de notícias queer Autostraddle. Mas ela descreve a irritação dos fãs para com Levinson como resultado exatamente das coisas que ele fez certo, em termos de roteiro, seleção de elenco e direção.

Ela descreve a atitude de alguns fãs: "Você criou esses personagens. Eu me afeiçoei a eles. E agora você os está deixado na mão e com isso está me deixando na mão".

Paul Booth, professor de estudos de mídia e cinema na Universidade DePaul, disse que o status curioso de Levinson representa a um só tempo uma continuação de tendência na cultura de fãs que datam de algumas décadas atrás e de uma aceleração contemporânea dessas tendências.

A mídia social, ele disse, "faz com que você se sinta parte de uma comunidade". Ele acrescentou que "porque, como fã, você está contribuindo para uma compreensão cultural mais ampla de um texto, surge uma sensação de propriedade".

O público da série explodiu nesta temporada com o primeiro episódio atraindo quase 19 milhões de espectadores desde a estreia, incluídos o público da HBO e o do serviço de streaming HBO Max, disse a rede, o que equivale a 250% mais espectadores do que os do episódio de estreia da primeira temporada.

Uma objeção frequente dos fãs é que Levinson sexualiza inapropriadamente certos personagens femininos. Cassie, uma aluna de segundo grau interpretada por Sydney Sweeney, aparece de topless em diversos episódios. Sweeney disse em uma entrevista este ano que tinha recusado tirar a roupa em certas cenas escritas por Levinson –e acrescentou que Levinson aceitou imediatamente suas sugestões.

Uma segunda atriz, Minka Kelly, disse à revista Vanity Fair que ela também tinha objetado a ser filmada em uma cena sugestiva, nesta temporada, o que levou Levinson a reescrever a cena. As duas atrizes deixaram claro que o acontecido não as incomodou. Mas parece incomodar alguns fãs de "Euphoria".

Francesca Hodges, aluna de quarto ano na Universidade da Califórnia em Berkeley, escreveu em um jornal estudantil que a nudez conspícua e as cenas de sexo de Sweeney "a colocavam na mira do olhar masculino", acrescentando que "Levinson utiliza a atriz como veículo para projeção de fantasias masculinas".

Alguns dos fãs objetaram à redução do papel da personagem Kat (Barbie Ferreira) nesta temporada. Em uma entrevista coletiva ao site The Cut, Ferreira disse que nesta temporada sua personagem "é um pouco mais interna e um pouco mais misteriosa para a audiência".

Um subtexto de muitas das queixas com relação a Levinson parece familiar, e está presente em discussões mais amplas sobre muitas esferas cultuais quanto a quem está autorizado a contar que histórias e sobre a apropriação de personagens, cenários e experiências estreitamente associados a grupos marginalizados por autores que não pertencem a eles.

Alguns espectadores questionaram por que personagens tão diversos, em tantas dimensões, respondem a um homem branco de 37 anos que cresceu na indústria do entretenimento. (O pai de Levinson é Barry Levinson, que ganhou um Oscar como melhor diretor.)

"É toda essa premissa de um homem hétero e cisgênero que escreve uma narrativa sobre si mesmo –sobre sua luta com o vício no passado—, mas o faz por meio de personagens diferentes e diversos", disse Hodges.

Levinson descreveu a série em geral e especialmente a personagem Rue –a narradora da história– como extremamente pessoal, dizendo que ele se baseou em suas experiências de vício em drogas.

"Sinto estar assistindo a uma versão de mim mesmo navegando o mundo quando era mais moço", disse Levinson em um clipe produzido pela HBO em 2019 quando a primeira temporada entrou em cartaz.

"A série não pode ser escrita por qualquer outra pessoa porque é muito pessoal", disse Zendaya no mesmo vídeo, acrescentando para Levinson que "tenho essa ideia de que todos os personagens são apenas facetas da sua personalidade".

O dramaturgo Jeremy Harrison, coprodutor de "Euphoria" nesta temporada, defendeu Levinson em um vídeo no TikTok. "Foi realmente divertido ver as pessoas falando sobre ‘Euphoria’ e propondo teorias", ele disse, mas insistiu em que o set era tanto seguro quanto divertido para o elenco.

Levinson e outras pessoas associadas à série disseram que existe uma colaboração criativa substancial entre Levinson e os integrantes do elenco. A única ocasião em que ele dividiu os créditos por roteiro aconteceu em um episódio centrado em Jules, personagem trans interpretada pela atriz trans Hunter Schafer, que ajudou a escrever o episódio.

E esse episódio "empolga por trazer mais do que uma voz e por permitir que uma lufada de ar fresco entre naquele ambiente sitiado pela quarentena", escreveu a crítica Alison Herman no site The Ringer.

Alguns fãs analisam o trabalho de Levinson pela lente de sua identidade, mas elogiam sua empatia imaginativa ao expressar suas preocupações por meio de personagens que não são totalmente como ele.

"Vamos abrir essa conversa", disse Hadera McKay, aluna de segundo ano no Emerson College. Ela escreveu uma coluna em um jornal universitário que insistia em que era importante examinar "o uso da negritude" por Levinson, mas ainda assim encontrar o que admirar em "Euphoria", em que Rue é filha de uma mulher negra e de um homem judeu, e em "Malcolm & Marie", filme escrito e dirigido por Levinson e também estrelado por Zendaya, que foi lançado pela Netflix no ano passado.

McKay disse que sentiu ter sido "vista", na escrita de Levinson. "A maioria dos críticos são brancos e criticam o uso de personagens negros por ele para descrever algo que veio de sua experiência pessoal", ela disse. "Eu senti que essa crítica era excessivamente redutiva".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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