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A atriz Denée Benton em um parque em Bedford-Stuyvesant, no Brooklyn Ike Edeani - 04.jan.22/The New York Times

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Alexis Soloski
The New York Times

"Oh, cara", disse Denée Benton, 30, encarando a porta metálica de uma loja fechada. "Nada está funcionando, mesmo".

Era uma manhã gelada de terça-feira no começo de janeiro, e Benton, atriz indicada ao Tony e estrela do drama de época "A Idade Dourada", na HBO, estava caminhando pela avenida Tompkins, no bairro de Bedford-Stuyvesant, Brooklin, com a intenção de fazer compras. Sua lista incluía velas, cristais, ervas e talvez algumas roupas "vintage".

Seja por culpa da variante ômicron, do frio ou da ressaca pós-feriado de Ano-Novo, quase todas as lojas na avenida estavam fechadas. "Não os culpo", disse Benton, olhando para as vitrines escuras da Ancient Blends Apothe’Care. "Amo que as pessoas negras descansem. Mas eu queria mesmo comprar velas".

Quando Benton se mudou para Nova York, em 2015, depois de se formar na Universidade Carnegie Mellon, ela encontrou um apartamento no bairro. "Amei a área", ela disse. Mas depois que começou a trabalhar na Broadway –primeiro em "The Book of Mormon" e depois em "Natasha, Pierre & the Great Comet of 1812" e "Hamilton"—, Benton se mudou para Manhattan.

Durante a pandemia, ela tinha lido sobre os mercados de rua do projeto Building Black Bed-Stuy. Ela os visitou e se apaixonou pelo bairro mais uma vez, a ponto de ela e o marido, o ator Carl Lundstedt, terem encontrado um apartamento lá e decidido se mudar de volta para a região.

Apesar das lojas fechadas, Benton estava determinada a curtir o dia. "As pessoas me perguntam quais são os meus hobbies e eu digo que gosto de ficar sentada no sol, caminhar com calma, e procurar alguma roupa bonitinha para comprar". Ela estava vestida confortavelmente para enfrentar o inverno, com um sobretudo marrom, jeans com a bainha dobrada, um suéter branco, tênis brancos de cano alto e um chapéu onde se lia "Black Is Beautiful". Usava uma gargantilha com pendentes de ametista e turmalina negra, brincos de aros dourados, e sombra dourada nos olhos.

Na Sincerely, Tommy, uma das poucas lojas do bairro que estavam abertas, ela saiu à procura de alguma roupa bonitinha, parando para admirar uma saia feita de couro falso e diversos chapéus parecidos com o seu. No café em frente, ela perguntou sobre o "beetroot latte" [beterraba com leite]. O pó de beterraba tinha acabado, e ela perguntou sobre o "lily shot". Benton não estava no clima para um CBD [bebida de canabidiol]. Optou por um chá com leite e cogumelos juba de leão. O barista disse que a bebida melhoraria sua saúde cognitiva. "Foco", ele disse. "Mais percepção, uma mente mais alerta". A ideia parece ter agradado a Benton.

De volta à rua, ela parou para olhar as vitrines de mais algumas lojas fechadas —Peace & Riot, Make Manifest BK—, bebendo seu chá e derramando alguns pingos na manga do casaco. (Aparentemente, a pessoa não se torna mais alerta instantaneamente.) Depois de limpar a manga, ela passou por outra loja fechada, a Byas & Leon –"mais uma loja ótima de roupas ‘vintage’", disse Benton, em tom melancólico.

Caminhando sem pressa alguma rumo ao Herbert Von King Park –"costumo andar bem devagar", ela disse—, Benton parecia completamente relaxada, em contraste acentuado com Peggy Scott, a personagem que ela interpreta em "A Idade Dourada". Como secretária negra na casa de Agnes van Rhijn (Christina Baranski), que é branca, Peggy se sente distanciada por sua raça. E na casa de seus pais endinheirados, Dorothy e Arthur Scott (Audra McDonald e John Douglas Thompson), as ambições literárias de Peggy também criam distâncias.

Benton respondeu à personagem de imediato, por ser uma artista negra que frequentemente precisa navegar por espaços brancos. "Vi um reflexo imediato de mim mesma na corda bamba sobre a qual ela caminha, todas aquelas identidades se entrecruzando", disse a atriz. "A corda bamba não mudou tanto assim". E ela também viu em Peggy alguma coisa inspiradora. "Ela tenta ser o árbitro de sua própria liberdade", disse Benton.

Em um dos primeiros episódios, Peggy diz à sua amiga Marian que "para um nova-iorquino, tudo é possível". Benton, que modelou sua personagem nas escritoras negras Julia Collins e Ida Wells, do século 19, acredita nisso. A questão que ela se propôs para este ano foi: "O que acontece se eu não precisar me explicar para qualquer outra pessoa a fim de ser eu mesma?"

Chegando ao parque, Benton escolheu um banco e inclinou seu rosto de forma a receber o sol. Nos primeiros anos de sua carreira, ela disse que nem sempre soube como se reabastecer diante das demandas físicas e emocionais da atuação. Mas depois veio a aprender o que funciona, em seu caso.

"Sentar em um banco de praça, no sol me dá energia suficiente para o dia todo, e uma aula de Pilates nunca terá o mesmo efeito", disse a atriz.

Além de vitamina D, ela também acredita em banhos espirituais, banhos físicos, meditação, sauna vaginal, reiki. "Sinto que os atores precisam fazer fisioterapia para a alma", ela disse. "O trabalho espiritual se tornou vital para mim, porque preciso sentir que ainda tenho algo que extravasar".

Os cristais também ajudam. "Eu nunca imaginei que seria a mulher que tem cristais no bolso ou no sutiã", ela disse. "Nem é que eu ainda use sutiã, aliás". (Quando usa, pode ser que carregue nele um cristal rosa.)

Bastam alguns minutos de sol de inverno para energizá-la. Benton se lembrou de mais um lugar onde podia tentar fazer compras: o Life Wellness Center, um spa e salão de massagem na avenida Tompkins que também tem um viveiro de plantas e uma loja que vende cristais, velas e sais de banho. "É meu refúgio", ela disse. "As massagens deles são maravilhosas".

Ao se aproximar do local, ela percebeu sinais de vida. "Estão erguendo uma das grades", ela disse. Uma placa indicava que o centro estava aberto há uma hora. Mas a despeito de diversas batidas na porta e gritos polidos, a entrada continuou fechada, e as luzes apagadas. O lugar parecia vazio. Benton aceitou a situação graciosamente. "Se eu fosse dona de uma loja, também estaria dormindo, hoje", ela disse.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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