Renato Kramer

Débora Duboc sobe ao palco para contar a tragédia pelo olhar de "Jocasta"

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A atriz Débora Duboc, através do belo texto de Elias Andreatto --que também dirigiu a peça-- mostra a alma e as entranhas de uma Jocasta rica em humanidade.

Débora, que deu vida à discreta Olga, empregada de Bete Gouveia (Fernanda Montenegro) em Passione (Globo), mas que teve uma reviravolta no final da novela e mostrou-se uma vilã de primeira, subiu ao palco do teatro Eva Herz (SP) nesta quarta-feira (30) para dar voz à Jocasta, até então mera coadjuvante na tragédia de seu filho, depois marido, "Édipo Rei" (Sófocles).

Jocasta conta a sua história com emoção mas sem exageros. A todo o momento se percebe que ela está tentando controlar-se, embora esteja farta de ser controlada. Cansada da subserviência ao marido Laio, que a trata com frieza por ser apaixonado pelo jovem Crisipo, que acaba por suicidar-se.

Num pacto com a deusa Afrodite, Jocasta consegue uma relação mais intensa com Laio e é daí que nasce o seu filho Édipo. Pélope, pai de Crisipo, culpa Laio pela morte de seu filho e o amaldiçoa, profetizando que ele será morto pelo próprio filho.

Crédito: Vicente e Lú Costa/Divulgação Débora Duboc interpreta a rainha Jocasta
Débora Duboc interpreta a rainha Jocasta

Édipo é mandado para longe para morrer ainda bebê e não se realizar aquela maldição, mas é poupado e cresce longe de Tebas. Numa briga em meio a uma viagem, ele mata o pai sem o saber e, pior, segue para Tebas onde, por um destino inevitável, casa-se com a mãe Jocasta, sem que nenhum saiba de sua ligação parental.

Jocasta conta toda essa tragédia pela visão da mãe que foi afastada do filho recém nascido, e da mulher que, desgraçadamente, foi conhecer o amor através do homem que ela própria gerou, e ainda tendo filhos com ele. Claro que este é um resumo simplista do todo apresentado, mas é só para esboçar o clima da história e o que poderia ter sentido uma mãe que se descobrisse em tal situação. Bota tragédia nisso!

Débora Duboc começa o seu relato de mansinho e vai envolvendo o espectador com o domínio de suas palavras que saem do fundo de seu ser. Quando menos se espera, já estamos hipnotizados pelo universo em que Jocasta vai nos enredando e quase temos o ímpeto de compartilhar com ela tanto pesar. A Jocasta de Duboc é rainha e é humana. Confessa que, apesar do horror, foi com o filho que conheceu o amor e sentiu-se amada como mulher.

Mas quem haveria de suportar tal pesar? Ao descobrir toda a verdade de sua trágica situação, Jocasta vai para o seu quarto e enforca-se. Édipo vai atrás dela e, ao deparar-se com essa cena tenebrosa, retira as duas agulhas que prendem o manto da mãe-esposa e fura os seus próprios olhos.

Leve e suave quando canta canções bonitas que sublinham alguns momentos do espetáculo, sensual e lasciva quando se descobre "mulher", intensa e enérgica quando impõe os seus argumentos, a Jocasta de Débora Duboc é envolvente e carismática --demonstrando todo o preparo e o talento de uma atriz que alcança excelência em sua função.

"Jocasta", com texto e direção do "Homem de Teatro", com H maiúsculo pela sensibilidade e devoção que tem demonstrado às artes cênicas ao longo de sua brilhante carreira: Elias Andreatto. Está em cartaz no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (SP).

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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