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Música

Como o streaming criou uma 'classe média do pop' que talvez nunca chegue ao estrelato

Sem sucesso comercial expressivo, artistas são tratadas como grandes divas por bases de fãs

De esq. para dir., as cantoras Carly Rae Jepsen, Rita Ora e Kim Petras
De esq. para dir., as cantoras Carly Rae Jepsen, Rita Ora e Kim Petras - Montagem
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Shaad D’Souza
The New York Times

Há certos quadrantes da internet em que "The Loveliest Time", o sétimo álbum da cantora canadense Carly Rae Jepsen, talvez seja considerado como o maior disco do ano. Mas é bem provável que o ouvinte médio das rádios que tocam só os 40 maiores sucessos das paradas americanas não o tenha ouvido. E, quando a parada Billboard 200 foi publicada, na semana seguinte ao seu lançamento, no mês passado, "The Loveliest Time" não constava da lista.

A base de fãs online de Jepsen, sempre muito ativa, faz parte de um ecossistema conhecido como "Stan Twitter". Um passeio por "contas de atualização" administradas com cuidado obsessivo, como @PopCrave e @chartdata, gera a impressão de que estamos vivendo uma era dourada para o pop puro, semelhante ao período dos anos 2010 em que Katy Perry, Lady Gaga e Rihanna dominavam o mercado da música com canções construídas sobre "hooks" demolidores e sintetizadores vibrantes.

Nas redes sociais, fervilham constantemente conversas sobre um conjunto de artistas —Kim Petras, Ava Max, Sabrina Carpenter, Bebe Rexha, Rina Sawayama, Rita Ora, Troye Sivan e outros— que são debatidos e adorados, e muitas vezes se tornam "trending topics". Para seus fãs fiéis, muitos dos quais mulheres e homens gays (que sempre se esforçaram para valorizar as divas menosprezadas), eles são estrelas pop –pelo menos de acordo com os critérios da internet.

Sem dúvida, são celebridades com número considerável de seguidores nas mídias sociais. Talvez tenham desfrutado de alguma forma de popularidade —um sucesso no ranking Hot 100, um momento de prestígio viral no TikTok ou simplesmente uma coleção muito fiel (embora modesta) de devotos que lhes permite lotar shows em casas de espetáculos de médio porte em todo o planeta. Mas ainda não conseguiram dar o salto para a corrente dominante da música comercial, ou não conseguiram manter seu espaço nela.

Em lugar disso, constroem carreiras com base em um metapop viciante e de tom vívido —músicas que parecem abordar e brincar ativamente com as figuras de estilo da história do pop—, com a ajuda de bases de fãs que as tratam como se fossem sucessos tão grandes quanto Taylor Swift. Para esses artistas, o estrelato pop não é uma categoria comercial, mas um som, uma estética e uma atitude.

A economia do streaming criou uma faixa de estrelas pop que talvez nunca cheguem a obter o sucesso viral ou o apoio de grandes gravadoras necessário para atingir a faixa mais alta das paradas ou lotar estádios, mas que, mesmo assim, têm bases de fãs dedicadas e uma renda constante com turnês e licenciamentos —essencialmente, o tipo de modelo no qual os músicos independentes confiam há anos. Isso pode estar a quilômetros de distância do espetáculo e do brilho normalmente associados à música pop, mas oferece um caminho em direção a algo que, durante décadas, se mostrou ilusório para muitas aspirantes a estrelas pop: uma carreira sustentável.

Algumas dessas cantoras, como Jepsen e Charli XCX, conseguiram um (ou alguns) sucesso(s) no início de suas carreiras, antes de se estabelecerem na classe média do pop; outras, como Rexha e Max, fazem sucesso consistentemente em nichos musicais, em geral na dance music, mas ainda não conseguiram se consolidar como nomes conhecidos. Rita Ora, verdadeiro sucesso nas paradas de sucesso no Reino Unido, construiu uma base de fãs que a cultua, em parte com base no fato de que ela parece não conseguir se firmar nos Estados Unidos (seu álbum mais recente, "You & I", não entrou nas paradas de sucesso, após seu lançamento em julho). Como acontece no caso de muitas dessas estrelas, os fãs de Ora a adoram exatamente porque ela não é bem-sucedida —uma artista de nicho que opera com toda a pompa e ostentação de uma estrela de primeira ordem.

Artistas como Sawayama e Caroline Polachek fazem música com pouco impacto comercial, mas manipulam um som de tendência pop que lhes permite montar shows ao vivo em estilo pop e brincar com a estética do pop, enquanto artistas como Sivan e Carpenter sempre parecem estar à beira do estrelato genuíno e, ocasionalmente, encaixam um sucesso nos postos mais baixos dos 100 mais das paradas, mas raramente sobem acima dessa faixa.

Petras, especialmente, apresenta seu trabalho como uma espécie de metacomentário sobre a natureza do estrelato pop propriamente dito. Seu álbum de estreia, "Feed the Beast", lançado em junho, é construído em torno de batidas crepitantes de EDM, "hooks" grudentos e um sucesso genuíno: "Unholy", que chegou ao primeiro posto das paradas com Sam Smith e ganhou um Grammy em fevereiro. Esse sucesso a transformou em uma verdadeira estrela pop? Não exatamente. "Feed the Beast" estreou na 44ª posição da parada Billboard 200, vendendo o equivalente a 17 mil cópias; o disco saiu da parada depois de apenas duas semanas. "Alone", um single com a participação de Nicki Minaj, ficou uma semana no Hot 100 em maio.

O single de estreia de Max, uma faixa sintetizada e dançável chamada "Sweet But Psycho", alcançou a 10ª posição em 2019. Desde então, ela vem seguindo uma fórmula semelhante, mas com retornos decrescentes; seu último disco, "Diamonds & Dancefloors", só ficou uma semana na parada de álbuns. Carpenter alcançou a fama como estrela do Disney Channel e se estabeleceu como um sólido sucesso pop de médio porte: "Emails I Can't Send", lançado no ano passado, é seu quinto LP e, até agora, seu maior sucesso, e traz "Nonsense", um single que por um breve momento tomou as rádios de assalto, mas alcançou apenas a 56ª posição no Hot 100. Rexha tem 11 milhões de seguidores no Instagram, uma multidão de "Rexhars" dedicados, online, e um single recente no Top 5, "I'm Good (Blue)", em colaboração com David Guetta. Mas, como acontece com tantas outras estrelas pop que estão trabalhando atualmente —inclusive Sivan, que estrelou "The Idol", badalada série da HBO—, sua celebridade parece estar completamente dissociada de seu desempenho comercial.

O ponto em comum que une esses artistas é o fato de não tratarem a "música pop" como uma categoria comercial, mas como uma linhagem musical separada, dotada de códigos e convenções próprios a serem explorados e reinterpretados. É um ponto de vista que se tornou possível graças ao tipo de fama que a internet cria e promove: a ideia de que o termo "popstar" é uma medida de influência ou reconhecimento de nome, não um distintivo diretamente relacionado ao sucesso comercial.

Essas estrelas do pop produzem basicamente canções de nicho. Ao contrário de predecessoras que pilhavam o underground em busca de novos sons para levar ao mercado comercial, parecem viver uma fixação pela própria história do pop. De muitas maneiras, faz sentido que sejam consideradas como Estrelas Pop com letra maiúscula, pelos habitantes de um mundo tão obcecado por referências quanto o Twitter; grande parte de sua música parece ter sido feita por e para fãs fervorosos.

O recente single de Sivan, "Rush", que alcançou a 76ª posição no Hot 100 no mês passado, combina um house inebriante ao estilo dos anos 2000 com um refrão irônico que lembra o Village People. Os três álbuns completos de Petras funcionam como pesquisas sobre o pop dançante ao longo dos tempos, menos preocupados com sons de ponta do que com homenagens carinhosas. A bricolagem pop de Sawayama faz referência a Shania Twain, Lady Gaga, Linkin Park e à lenda do J-pop Utada Hikaru.

De muitas maneiras, o pop mesmo está encolhendo. Atualmente, o Hot 100 é povoado por músicos country (Morgan Wallen, Luke Combs), criadores de sons regionais (Rema, Peso Pluma) e estrelas do rap (Travis Scott, Gunna). Com exceção de algumas luzes persistentes, como Swift e Miley Cyrus, relíquias de uma época em que a música convencional era dominada por estrelas pop reluzentes, há poucos cantores pop nas paradas de sucesso atuais.

Para outras estrelas pop contemporâneas, o próprio ato de lançar música parece pouco relacionado ao seu status como celebridades. Nos últimos anos, Kesha —uma das forças comerciais dominantes da década de 2010, depois de garantir 10 sucessos no Top 10s em seus primeiros quatro anos de carreira– se tornou conhecida menos por sua música do que por sua longa batalha judicial com o produtor Dr. Luke; ainda uma figura fixa no Twitter (agora conhecido como X) e nos jornais sensacionalistas, a música de Kesha é frequentemente a coisa menos discutida sobre ela. "Gag Order", seu último álbum, estreou em 187º lugar em maio, vendendo o equivalente a 8,3 mil cópias em sua primeira semana.

E ainda há Charli XCX, que passou grande parte de sua carreira gravando discos estranhos e abrasivos, com uma série de colaboradores do mundo do hiperpop e da música eletrônica experimental. No passado uma cantora com potencial comercial claro —durante os primeiros anos de sua carreira, Charli obteve um punhado de sucessos no Top 10 do Hot 100, incluindo uma colaboração com Iggy Azalea, "Fancy", que chegou ao primeiro lugar– a impressão dominante, por algum tempo, era a de que ela havia se retirado voluntariamente das Olimpíadas da música pop, talvez como uma forma de se isolar dos caprichos insensíveis e muitas vezes cruéis das grandes gravadoras.

No fim das contas, a questão era muito mais simples do que isso: ela simplesmente escolheu fazer um desvio estético. Seu quinto álbum, "Crash", lançado no ano passado, foi descrito pela própria Charli como seu "principal momento de garota pop" e estreou em sétimo lugar, sua posição mais alta no Billboard 200. Neste mês, o single "Speed Drive", escrito para a trilha sonora de "Barbie", se tornou seu primeiro lançamento a chegar ao Hot 100 em nove anos. Isso deixou bem clara a situação: ela pode perfeitamente ser uma grande estrela pop, se assim escolher.

Tradução de Paulo Migliacci

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