Como a pressão estética pela magreza me privou de desfrutar a vida sexual plenamente
É difícil desfrutar do próprio corpo quando dizem o tempo todo que você deveria odiá-lo
O surto de celebridades perdendo muitos quilos em pouco tempo e parecendo um pirulito de tão esquálidas me fez pensar muito nos danos que a busca pela magreza trouxe para minha vida. Quem é mulher e viveu os anos 2000 sabe o que é ter a magreza extrema como imperativo da beleza, e a beleza como o objetivo que você deveria almejar para se enquadrar e servir.
Naquela época, ossos da bacia aparentes, rostos chupados, clavículas saltadas, barrigas negativas eram objeto de desejo de meninas que queriam ser belas como modelos de capa da revista Capricho.
Pontificava-se: as medidas ideais para você flutuar por uma passarela e ser linda e aceita são 90 centímetros de busto, 60 centímetros de cintura e 90 centímetros de quadril. Não esquecer que se você tiver menos de 1,70 m você está automaticamente fora desse sonho. Eu nunca, nunca, nunca iria me enquadrar.
Não só porque tenho 1,64 e não há nada que eu possa fazer quanto a isso. Mas porque meus quadris são largos, muito largos e para chegarem a 90 cm eu teria que morrer antes. Ainda assim eu tentei. E durante décadas de tentativas nunca me senti bonita e magra o suficiente para merecer ser desejada sexualmente.
Ora, veja. Um dia resolvi ter atitude e disse para um guri do meu colégio que queria beijá-lo. Ele disse que até faria isso, desde que fosse escondido. Nos beijamos, e ele apertou minha bunda com bastante vontade, gostou muito —e eu gostei. A questão é que em público ele só andava de mãos dadas com gurias de no máximo 50 quilos.
Por que eu quis beijar esse babaca? Não me recordo o que me atraía nele. Talvez seus belos cabelos castanhos e volumosos, que já não existem mais, pelo que me mostram suas fotos do Instagram.
Essa foi uma das situações que me fizeram pensar que eu era gorda e por isso ninguém queria ficar comigo, e se o fizesse, seria por caridade, meio escondido. É uma série de concepções erradas. Para começar, eu era uma menina de peso médio e formas mais voluptuosas do que as de uma modelo, mas revistas femininas, professores, coleguinhas, minha mãe, minha avó e minhas tias me convenceram que eu era obesa mórbida.
Segundo, é uma mentira que pessoas gordas não sejam desejadas sexualmente e não encontrem parceiros que sintam tesão pelos seus corpos (às vezes de forma fetichizada, mas isso é papo para outra coluna). Só que cresci sendo ensinada que ser gordo é uma das piores coisas que pode acontecer a uma pessoa, e durante muito tempo pensei que ter IMC (essa medida obsoleta) acima de 25 era sinônimo de ser sexualmente repulsiva para os homens.
Comer é uma das coisas que eu mais gosto de fazer na vida. E eu me privava desse prazer. Anos sem comer arroz e batata porque carboidrato engorda. Depois vários meses comendo franguinho sem graça com salada pra fazer um detox. Melhor evitar doces. Me privava de um prazer para poder caber num corpo magro e ser aceita e desejável.
E não adiantava, pois, por mais magra que eu estivesse, sempre achava que não estava magra o suficiente, ou malhada o suficiente e que, portanto, eu não era desejável e deveria me sentir satisfeita com o pouco que aqueles caras que faziam o favor de me comer tinham para oferecer em termos de afeto. Não que o sexo que fiz durante todos esses anos tenha sido ruim. Muitos foram muito bons. Mas sempre ficava aquela sensação de que eu deveria ser grata.
A chave foi virando aos poucos e talvez nem tenha virado totalmente. Mas em algum momento dos últimos anos passei a me olhar no espelho e constatar de modo irrefutável o óbvio (sou uma gostosa). Acho meu corpo bonito e gosto de usar roupas justas, olhar em volta, flertar com um homem e perceber que ele está me desejando. E fico com muito ódio quando fotos desse passado aparecem e eu percebo que eu sempre fui bonita, mas era conveniente que eu não soubesse disso.
Vivo um período mais feliz com meu corpo e com minha sexualidade, ainda que não tenha escapado totalmente das garras da magreza. Volta e meia sinto que preciso malhar mais, definir mais, perder uns centímetros de quadril. Mas não se compara com a época em que vivi a base de seleta de legumes com frango desfiado para pesar 49 quilos.
Pensei que com Kardashians bundudas e discursos de aceitação apropriados pelo capitalismo essa era de ossos salientes e olhos fundos era página virada. Ledo engano. Agora descobriram que antidiabéticos injetáveis emagrecem rapidamente e te fazem comer muito pouco. Temos mais um padrão recheado de privações e gastos financeiros para fazer com que nunca nos sintamos desejáveis o suficiente.
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