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Tony Goes
Descrição de chapéu Televisão LGBTQIA+

Dez anos depois de 'Amor à Vida', beijo gay ainda não foi normalizado na TV brasileira

Entre avanços e retrocessos, cenas homoafetivas foram se tornando comuns

Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) se beijam no último capítulo de 'Amor à Vida' - Reprodução
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O Brasil parou na noite de 31 de janeiro de 2014. Claro que há um exagero na frase, mas a Globo conseguiu criar um certo clima de final de Copa do Mundo para o último capítulo da novela "Amor à Vida".

O motivo de tanta comoção era o aguardado beijo entre os personagens Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso). Depois de meses de expectativa, será que os dois finalmente se beijariam em frente às câmeras? Ou a cena acabaria sendo cortada na última hora?

Não foi. No último bloco do episódio, Niko e Félix trocaram um beijo apaixonado. Não foi um selinho, tampouco um beijaço de língua. A emissora gravou três opções, com diferentes graus de intensidade, e a que foi ao ar era a "do meio": nem muito tímida, nem explícita demais.


Lideranças evangélicas aproveitaram para denunciar a chegada de Satanás ao Brasil, mas a imensa maioria do público gostou e aprovou. Mérito do autor Walcyr Carrasco, que soube tecer com calma o envolvimento entre Félix e Niko, conquistando assim a simpatia do espectador. Na reta final, até senhoras de idade torciam pelo beijo entre os dois personagens.

Não foi o primeiro beijo entre pessoas do mesmo sexo na televisão brasileira. Há alguns outros exemplos, que não tiveram maior repercussão. Mas foi o primeiro beijo gay exibido no horário mais nobre da Globo. A emissora, inclusive, havia sido muito malhada por cortar beijos entre dois homens nas novelas "América" (2005) e "Insensato Coração" (2011). Com "Amor à Vida", ela se redimiu.

Desde então, beijos homoafetivos se tornaram frequentes nas novelas da Globo, em todas as faixas horárias. Mas já em 2015, um beijo entre Fernanda Montenegro e Nathália Timberg provocou uma forte reação negativa. As duas formavam um casal de lésbicas em "Babilônia", de Gilberto Braga, e se beijavam logo no primeiro capítulo da trama, sem que o público já estivesse envolvido com elas.

Talvez poucos estivessem preparados para ver essas duas damas do teatro brasileiro trocando carícias. Talvez seja a nossa dificuldade em lidar com a sexualidade das pessoas mais velhas. O fato é que lideranças evangélicas, sempre elas, fizeram um escarcéu, e boa parte da audiência migrou para "Os Dez Mandamentos", que a Record exibia na mesma época.

Mesmo assim, casais do mesmo sexo foram se multiplicando na teledramaturgia da Globo, e os beijos entre eles já não causavam mais celeuma. Enquanto isto, Record e SBT, as duas outras redes de TV aberta que produzem e exibem novelas, continuaram agindo como se estivessem no século passado.

Até que chegou o ano de 2023 e, com ele, um novo diretor dos Estúdios Globo, Amauri Soares, que substituiu Ricardo Waddington no cargo. Atribui-se a ele os beijos gays cortados da novela "Vai na Fé" e da série "Aruanas".

O primeiro corte até encontra alguma justificativa: "Vai na Fé" buscava aproximar a Globo do segmento evangélico, e era exibida na faixa das 19 horas. Mas "Aruanas" ia ao ar depois das 23h, e já estava disponível na íntegra na plataforma Globoplay, com beijo lésbico e tudo.

Amauri Soares foi criticadíssimo por seu suposto conservadorismo, mas a Globo negou qualquer interferência dele. Alegou que cortes pontuais podem ser feitos para adequar um produto ao horário. Então tá.

A polêmica rolava solta na internet, enquanto Walcyr Carrasco aprontava mais uma das suas. Na recém-terminada "Terra e Paixão", o machão Ramiro (Amaury Lorenzo) foi se apaixonando aos poucos pelo espalhafatoso Kelvin (Diego Martins). Ramiro precisou lutar contra o próprio preconceito, mas acabou se rendendo. No último capítulo, os dois se casaram no civil, e trocaram um longo e acintoso beijo de língua.

Não houve celebração nacional como a de dez anos atrás com "Amor à Vida", mas tampouco as reações contrárias foram relevantes. Será que, finalmente, o beijo entre pessoas do mesmo sexo está se tornando parte da paisagem da televisão brasileira?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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