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Tony Goes
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Série 'João Sem Deus' causa impacto emocional ao dramatizar o escândalo de Abadiânia

Roteiro afiado e ótimos atores aprofundam o drama das vítimas do médium

Cena da série 'João Sem Deus - A Queda de Abadiânia' - Divulgação
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A revelação de que o falso médium João de Deus abusava sexualmente de mulheres que o procuravam em busca de milagres explodiu em 2018, no programa Conversa com Bial, e abalou o Brasil. Desde então, surgiram livros, podcasts e duas minisséries documentais sobre o caso.

Faltava uma obra dramática, com atores. Esta lacuna acaba de ser preenchida por "João Sem Deus – A Queda de Abadiânia", que estreou nesta sexta (13) no Canal Brasil e já tem seus três episódios disponíveis no Globoplay.

A história das irmãs Carmen e Cecília, o principal eixo da série, não aconteceu de verdade, mas foi costurada a partir de diversos depoimentos reais. Na trama, Cecília está perdendo a visão por causa de um tumor e, depois de passar por vários médicos, concorda em procurar o então mais célebre médium brasileiro, e vai a Abadiânia, no interior de Goiás, acompanhada pela irmã mais nova, Carmen.

A Casa Dom Ignácio de Loyola, onde aconteciam as supostas curas milagrosas, era um lugar acolhedor, com atendentes repetindo palavras como fé, amor e caridade, e o próprio João surgindo como um modesto emissário dos céus.

A coisa muda de figura quando as irmãs são levadas a um quarto pelo charlatão. Carmen é instruída a ficar sentada num canto, de olhos fechados. Em pé, Cecília é abordada por trás por João. Ele imediatamente começa a boliná-la e a dizer que aquele abuso era essencial para sua cura. Abre o zíper da calça e enfia a mão dela lá dentro. Pouco depois, horrorizada, ela retira a mão, toda melada.

Os depoimentos das verdadeiras reais de João de Deus são chocantes e comoventes. Mas ver uma cena dessas é mais perturbador do que apenas ouvir um relato. A dramatização consegue nos atingir em lugares que os documentários não alcançam.

Carmen, que não viu nada, se encanta com Abadiânia e resolve lá ficar. Começa a trabalhar com João, se casa com outro funcionário do médium e tem uma filha com ele. Cecília, traumatizada, não tem coragem de contar o que lhe aconteceu. Anos depois, se muda para Lisboa, em Portugal.

A série começa quando o escândalo vem à tona. Cecília finalmente toma a coragem de relatar o que viveu, e vai a Abadiânia, acompanhada por uma jornalista portuguesa, para resgatar a irmã. Só que Carmen não quer nem saber: João de Deus é o epicentro de sua vida, e ela não acredita nas denúncias contra ele.

Os roteiristas Patricia Corso e Leonardo Moreira, que tiveram a colaboração de Giuliano Cedroni e Luiz Filipe Noé, acertam em cheio em colocar suas protagonistas em lados opostos. Cecília, ferida por dentro e por fora, porém firme em sua convicção, quer desmascarar João de Deus de uma vez por todas, mesmo que isto signifique o desemprego para centenas de pessoas. Carmen, que construiu sua vida em Abadiânia, resiste às evidências o quanto pode. Até descobrir que sua própria filha adolescente, Ariane, foi abusada pelo médium quando criança.

Neste momento o conflito entre as irmãs se transfere para dentro de Carmen, que sofre o desespero de uma mãe que praticamente entregou a filha a um predador sexual. Bianca Comparato está incrível no papel. Começa como uma mulher comum, pacata, sem grandes preocupações. E termina mergulhada em contradições, sem saber que rumo tomar.

Karine Teles mostra mais uma vez sua versatilidade como Cecília, uma personagem totalmente diferente de Carol, a nerd meio aloprada que ela faz na novela "Elas por Elas" (Globo). E Marco Nanini, que encarna João de Deus, tem relativamente poucas cenas, mas consegue transmitir uma presença maléfica e majestosa em todas elas.

Com roteiro afiado, atores excepcionais e a direção precisa de Marina Person, "João Sem Deus" personaliza e aprofunda o drama das vítimas do maior abusador da história do Brasil. Não traz nada que já não soubéssemos, mas causa aquele impacto emocional que só a narrativa ficcional é capaz de dar.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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