Em ritmo acelerado, 'Terra e Paixão' começa literalmente pegando fogo
Novela de Walcyr Carrasco tem boa estreia, mas desaponta na audiência
Todo primeiro capítulo de novela precisa de duas coisas, geralmente nesta ordem: exposição, para apresentar os personagens, e uma grande cena de impacto, para segurar o espectador.
"Terra e Paixão", que estreou nesta segunda (8) na faixa das 21 horas da Globo, inverteu os fatores e alterou o resultado – para melhor. A primeiríssima sequência já foi o chamado "incidente incitante", aquele que põe a história em marcha.
Os capangas do poderoso fazendeiro Antonio La Selva (Tony Ramos) invadem uma pequena fazenda e fuzilam seu proprietário, Samuel Machado (Ítalo Martins). Mas a mulher e o filho do morto conseguem escapar, ajudados por Caio (Cauã Reymond), o filho mais velho de La Selva.
O rapaz leva Aline (Barbara Reis) e o pequeno João (Matheus Assis) para a casa de Cândida (Susana Vieira), a cafetina local. Foi num diálogo entre Caio e Cândida que o autor Walcyr Carrasco conseguiu explicar o que estava acontecendo: Antonio La Selva quer as terras da família Machado, e preferiu tomá-las à força do ao invés de comprá-las por um preço justo.
Carrasco nunca foi um mestre da sutileza, mas conseguiu a façanha de apresentar a trama de "Terra e Paixão" de maneira orgânica, sem puxar o freio de mão nem ofender a inteligência do público com explicações óbvias. A novela começou, literalmente, pegando fogo.
É injusto compará-la com "Travessia", sua antecessora no horário, mas também irresistível. Enquanto o primeiro capítulo da novela de Gloria Perez demorava a dar conta do que se tratava a história, Walcyr Carrasco foi direto ao ponto.
Mais uma vez, trabalhando com estereótipos manjadíssimos, como a protagonista batalhadora, o empresário (no caso, do agronegócio) inescrupuloso ou a madrasta manipuladora (Irene, vivida por Glória Pires). E dois conflitos básicos de facílima compreensão: a disputa por terras, e dois irmãos apaixonados pela mesma mulher.
Mas também há uma novidade muito bem-vinda: um núcleo de personagens indígenas, interpretado por atores também indígenas. É incrível pensar que esse subgênero tão popular da teledramaturgia brasileira, a novela rural, nunca tenha dado destaque aos povos originários, muito menos de maneira realista.
Alguns plots paralelos também foram introduzidos na estreia de "Terra e Paixão". Irene despreza Caio, filho do primeiro casamento de Antonio, e age para que seu filho Daniel (Johnny Massaro) seja o sucessor do marido no comando dos negócios. Jonatas (Paulo Lessa), primo de Samuel, vem oferecer amparo a Aline, sem esconder seu interesse pela jovem viúva.
"Terra e Paixão" não traz inovações formais, bem ao contrário. Mas seu ótimo primeiro capítulo levanta a suspeita de que será uma novela melhor que "A Dona do Pedaço" ou "Verdades Secretas 2", obras recentes de Carrasco que, repletas de situações inverossímeis, foram justamente malhadas pela crítica.
Com direção artística de Luiz Henrique Rios, a estreia ainda teve um fechamento épico, que emulou o final da primeira parte de "E o Vento Levou": a mocinha Aline, torrão de terra na mão, jurando em voz alta que ninguém irá expulsá-la da terra que lhe pertence.
Esse tipo de monólogo costuma ser uma fragilidade de Carrasco, que adora colocar seus personagens falando sozinhos no meio da rua. Mas, bem atuada por Bárbara Reis – que realmente tem o potencial de se tornar uma grande estrela – a cena funcionou direitinho.
No entanto, a audiência deixou a desejar. A Globo esperava superar a marca dos 30 pontos logo no primeiro capítulo, mas números ainda não consolidados apontam que a média, na Grande São Paulo, ficou em torno dos 24 pontos (cada ponto no maior mercado consumidor do país equivale a 206.674 pessoas).
Isto não quer dizer muita coisa. "Terra e Paixão" revisita territórios conhecidos, mas traz ingredientes novos, como muitos atores negros no elenco. Além disso, Walcyr Carrasco tem a melhor folha corrida entre os autores de novela em atividade, e é o único que emplacou grandes sucessos em todas as faixas horárias. Convém não subestimar sua capacidade de seduzir o público.
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