Falta alguém na festa de aniversário de Roberto Carlos: o aniversariante
Cantor tem se feito raro nos últimos anos, e se isolou ainda mais na pandemia
Cantor tem se feito raro nos últimos anos, e se isolou ainda mais na pandemia
Roberto Carlos completou 50 anos de carreira em 2009, mas as comemorações começaram já em 2008, quando ele e Caetano Veloso fizeram um show com canções de Tom Jobim.
Depois, no ano seguinte, houve um especial de TV só com cantoras interpretando o repertório do rei e um outro só com sertanejos, além de dezenas de entrevistas e homenagens. Em quase todas, o próprio Roberto deu as caras, recebendo o amor e a gratidão de várias gerações de fãs.
Nesta segunda, 19 de abril, Roberto Carlos faz 80 anos, e a mídia está em polvorosa por causa da data. O Fantástico deste domingo (18) trouxe artistas de todos os gêneros dando suas versões de músicas cantadas por ele.
A Record desencavou imagens da Jovem Guarda, o programa que ele comandou na década de 1960 e mudou a história da MPB. A própria Folha dedicou várias matérias à trajetória de Roberto, tanto no jornal impresso quanto aqui no F5.
Mas tem alguém faltando nessa festa: o próprio aniversariante. Encastelado em seu apartamento no bairro carioca da Urca, Roberto não tem feito shows nem ido a programas de TV. Para saciar a fome da imprensa, sua assessoria distribuiu uma entrevista em que ele afirma que voltou a compor e que já tomou a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Sua última aparição pública foi, salvo engano, uma live no Dia das Mães de 2020, transmitida pela Globo.
A pandemia fez com que toda a classe artística reduzisse suas atividades. E, se tem alguém que não precisa fazer lives para ganhar uns trocados ou mesmo se manter em evidência, é Roberto Carlos. Aos 80 anos de uma vida gloriosa, ele tem todo o direito de se enfurnar. Ainda mais quando sair de casa é um perigo.
Mas não é de hoje que Roberto vem se isolando. Na verdade, ele não é figurinha fácil desde que assinou contrato de exclusividade com a Globo, na longínqua década de 1970. Mesmo na emissora, sempre apareceu a conta-gotas, para que seu especial de final de ano fosse aguardado com a máxima ansiedade.
Roberto Carlos evanesceu também na música. Seus discos deixaram de ser anuais em meados dos anos 1990. O último só com faixas inéditas saiu em 2005. E o hit mais recente, desses que todo mundo lembra, foi "Esse Cara Sou Eu", de 2012.
Além da idade e da pandemia, há outros fatores que podem explicar este sumiço. Um deles foi a morte precoce de Maria Rita, a terceira mulher de Roberto Carlos, em 1999 —um baque terrível, que o abalou profundamente.
Também houve o infeliz episódio do Procure Saber, em 2013. Roberto, que em 2007 já havia tirado de circulação o livro "Roberto Carlos em Detalhes", de Paulo César de Araújo, conseguiu que artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso se aliassem a ele na cruzada contra as biografias não-autorizadas.
Mas, quando a opinião pública se voltou contra a iniciativa, o rei tirou o corpo fora, fingindo que não era com ele e deixando seus colegas com uma batata quente nas mãos.
Nos últimos anos, Roberto se refugiou nos shows em cruzeiros, o equivalente brasileiro a uma "residência (um espetáculo que fica em cartaz por meses ou anos) em Las Vegas. Quem quiser vê-lo precisa desembolsar não o valor do ingresso, mas o preço bem mais alto de uma passagem e de inúmeros extras.
E, no entanto, toda essa invisibilidade é inútil, porque Roberto Carlos está entranhado em nosso DNA cultural. Pouca gente se lembra do ano exato em que clássicos como "Proposta" ou "Emoções" foram lançados. São músicas que não marcaram época, mas vidas: tocam até hoje, e tocarão para sempre.
Além de ser um monumento, Roberto Carlos também é uma das melhores traduções do caráter brasileiro, cheio de contradições. Romântico e machista; sensual e religioso; lúcido, porém com manias irracionais. É o mais brega dos chiques, e o mais chique dos bregas.
Seria fabuloso se sua música tivesse acompanhado os tempos de mais de perto e arriscado mais, tanto nas letras como nos arranjos. Mas aí é pedir demais, como se tudo o que veio antes já não fosse um colosso.
Aos 80 anos, Roberto Carlos merece todos os aplausos. Se ele prefere celebrar em casa, longe de quase todo mundo, pois, então, que o faça. Parabéns, rei, e que tudo mais vá pro inferno.
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