A treta do avião resume bem o brasileiro dentro e fora das redes
No presencial, a folga em querer um lugar que não é seu; no digital, a obrigação em comentar um assunto que surge do nada e vai embora em poucos dias
Gostaria de fugir do assunto, mas é impossível: vamos à polêmica do avião. Jennifer Castro se recusou a ceder seu lugar no avião a uma criança, o vídeo foi filmado, caiu nas redes e viralizou em menos de 24 horas, sendo replicado por praticamente todos os perfis de fofoca. No Instagram, em poucos dias, Jennifer chegou a 2,3 milhões de seguidores.
Passei momentos divertidos ao digitar nas redes #polemicadoaviao ou #mocadoaviao. A impressão é que nove entre dez influenciadores de qualquer assunto tiraram proveito do episódio.
"O poder do Não: O que a moça do avião tem a nos ensinar?"; "O que o caso Jennifer ensina para você, empresário? No mundo dos negócios, esse dilema é diário. Ceder espaço ou proteger sua posição?"; "Eduque seus filhos para que eles aprendam que nem sempre será possível sentar na janela".
Em meio a tanto conteúdo "informativo" e "pedagógico", alguns poucos posts se colocavam a favor da mãe enfurecida. "A história da janela do avião que teve um final feliz" era o título de um post que contava o primeiro voo da pequena Beca, de dois anos, a Brasília, em que um senhor generosíssimo topou ceder seu lugar na janela à pequena.
Como hoje em dia a TV aberta é um cachorro que corre atrás do rabo das redes sociais, o assunto rendeu na Globo. Jennifer deu sua versão da história no Encontro, e todas as envolvidas foram ouvidas pelo Fantástico, que trouxe a grande reviravolta da novela: o vídeo que viralizou não foi feito pela mãe da criança, mas por outra mulher, que diz se arrepender do que fez.
A Renata Ceribelli, Jennifer declarou que ainda não teve tempo de dizer tudo o que queria –mas encontrou tempo para fazer uma publi da Magalu e outra de uma banda de pagode, cuja letra da música do vídeo diz algo como "Depois de tudo o que me fez passar, vai tomar naquele lugar" –uma indireta à mãe do avião?
Fato é que a treta do avião toca em tantas questões caras ao brasileiro que é difícil saber por onde começar:
1: A folga do brasileiro em ônibus, avião ou qualquer espaço público, achando que tem direito a um lugar que não é dele;
2: O narcisismo de mães e pais que cedem a qualquer berreiro dos filhos e acham que até os estranhos devem fazer o mesmo;
3: Empatia, para o brasileiro, é uma palavra que significa "o outro tem que entender o MEU lugar, a MINHA dor", nunca o contrário;
4: Todo mundo tem que dar a sua opinião sobre o ocorrido. Se não comentar nos posts dos perfis de fofoca ou dos amigos que postaram sobre a treta, será cobrado nos grupos de zap até fazê-lo;
5: Uma ilustre desconhecida ganha mais de 2 milhões de seguidores com uma treta que caiu no seu colo, enquanto centenas de influenciadores remam por anos para atingir tal marca;
6: O volume imenso de seguidores se reverte numa publi gorda em poucos dias –o que, no contexto das redes, equivale a ganhar na Mega-Sena.
E assim vamos, de galho em galho, até o próximo vídeo viral, felizes macacos do mundo digital.
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