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De faixa a coroa
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Primavera das Misses: Denúncias apontam um novo momento nos concursos de beleza

As vozes das misses nunca foram tão exercidas e tão escutadas, no Brasil e no mundo

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Gerações distintas: A brasileira Ieda Maria Vargas (Miss Universo 1963) encontra com a nicaraguense Sheynnis Palacios (Miss Universo 2023) - Fábio Luís de Paula/Folhapress
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São Paulo

As recentes denúncias de misses sobre diferentes temas, no Brasil e no mundo, trazem uma reflexão importante sobre o momento atual dos concursos de beleza. É fato que estes eventos, conhecidos por seu glamour e elegância, estão há algum tempo passando por profundas transformações que o reposicionam em seu papel não só de entretenimento mas, sobretudo, social. E era uma questão de tempo até que esse cenário se refletisse no perfil das principais protagonistas desse setor: as candidatas.

A "Primavera das Misses" foi acontecendo aos poucos, mas nunca esteve tão pujante como agora. Além da plataforma que os certames oferecem, essas mulheres estão tomando posse de suas vozes, sob o título que carregam, em suas próprias plataformas.

Elas estão se posicionando de maneira cada vez mais ativa para discutir e questionar frentes sociais relevantes, como racismo, igualdade de gênero e empoderamento feminino, e até mesmo os próprios concursos em que participam.

Os exemplos são inúmeros. No final de julho, a vencedora do Miss Kansas, nos Estados Unidos, revelou ao vivo, no palco, que era vítima de violência doméstica e que seu agressor estava na plateia (leia aqui). Ainda naquele mês, a Miss São Paulo (Universo) não se calou quando passou a sofrer ataques de ódio e racismo na internet (saiba mais neste link). Durante a Paris Fashion Week, a francesa vencedora do Miss Universo 2016, denunciou seu namorado por violência doméstica (saiba mais).

Na semana passada, algumas das candidatas do Miss Universe Brasil 2024 usaram suas redes sociais, com apoio de veículos de imprensa, para apontar supostas condutas na competição que não consideraram adequadas (publicado pelo F5, neste link).

Sem falar que, neste ano, tem sido recorrente a notícia de misses que renunciaram a suas coroas, pelo fato de não concordarem com atitudes de suas organizações ou por motivos pessoais, que passam à frente do título, como aconteceu nos Estados Unidos.

O contexto de Primavera mora, principalmente, no reposicionamento de concursos-chave do setor. Ao dar mais voz e poder às misses, os concursos abrem espaço para que essas mulheres se posicionem sobre injustiças e lutem por seus direitos, atuando mais como líderes, porta-vozes de mudança e símbolos de empoderamento do que "rainhas da beleza"..

O Miss Universo, por exemplo, tem sido um dos grandes carros-chefe desta abertura, uma vez que está constantemente atualizando suas regras desde que foi comprado em 2022, por uma empresária tailandesa, que é uma mulher transgênero, casada e com filhos. Depois de 70 anos sob o mesmo regime, a competição agora permite, além das características já conhecidas, a candidatura de mulheres cis e trans, casadas ou separadas, mães ou grávidas e que tenham qualquer idade a partir dos 18 anos.

Outro importante player é o Miss Mundo (ou Miss World, no original), por ser pioneiro em trabalhar para dar às misses voz como transformadoras sociais. Há muitos anos, a organização exige que as candidatas desenvolvam, executem e apresentem projetos sociais de impacto, por meio do programa "Beauty With a Purpose" (Beleza com Propósito).

Valendo pontos classificatórios, a iniciativa incentiva suas concorrentes a utilizar a visibilidade que ganham com o título para plantar sementes visando o futuro. Com isso, a miss deixa de ser só um rosto bonito e veste sua versão de promotora de mudança, ao mesmo tempo em que inspira outras mulheres e homens a fazer o mesmo.

Esse cenário amplifica a diversidade das candidatas e atrai mulheres com experiências de vida mais complexas e engajadas. E, além de instituir a complexidade de mulheres multifacetadas, essa reconfiguração do setor reforça a importância de concursos de miss como espaços de empoderamento e inclusão, que proporcionam oportunidades de que histórias pessoais e habilidades sejam usadas para defender causas significativas.

MISS E MULHER CAMINHANDO JUNTAS

A "Primavera das Misses" reflete, portanto, a própria evolução da mulher na sociedade. Na década de 1950 e 1960, esperava-se que as mulheres fossem mais reservadas, e os concursos de beleza seguiam essa linha, focando principalmente na aparência física.

Elas encarnaram comportamentos silenciosos, sob padrões de beleza tradicionais, uma futura dona de casa perfeita —aquela do comercial de margarina. Afinal, embora essas misses fossem admiradas por sua elegância e graciosidade, não se esperava que assumissem um papel público, com voz na promoção de discussões sociais.

Contudo, isso não diminui a importância que elas tiveram em suas épocas, pois representavam, acima de tudo, mulheres corajosas e disruptivas, que muitas vezes desafiaram a estrutura hierárquica e familiar em que se inseriam, conquistando lugares de destaque e sendo mundialmente admiradas.

Vencedoras como a gaúcha Ieda Maria Vargas ou a carioca Lúcia Petterle, respectivamente as primeiras brasileiras a vencer o Miss Universo, em 1963, e o Miss Mundo, em 1971, são, sem dúvida, precursoras dessa "Primavera das Misses".

Hoje, o modelo de miss e os formatos de competição daquele tempo não existem mais. Nos últimos 20 anos, tem se intensificado que essas mulheres assumam papéis cada vez mais amplos na sociedade e que os concursos de beleza acompanhem esse movimento, oferecendo espaço para que as misses mostrem sua inteligência, liderança e capacidade de gerar impacto social.

Que hoje elas são influenciadoras sociais e agentes de mudança, que comandam projetos de impacto, defendem causas e se destacam por seu envolvimento em debates públicos e pela defesa da inclusão, dos direitos humanos e do empoderamento feminino.

Os concursos de beleza, portanto, continuam a evoluir, refletindo o progresso social em direção a uma maior equidade e reconhecimento do papel fundamental da mulher na sociedade. As misses de hoje não são apenas exemplos de beleza exterior, mas representam o poder da voz feminina, da inteligência e do impacto social, inspirando as próximas gerações a continuarem esse caminho de transformação e inovação.

A mensagem das denúncias é clara: antes de misses, elas são mulheres, humanas, e não querem que o simbolismo da faixa e da coroa as defina, mas sim que as direcione para seus objetivos pessoais, sejam eles quais forem. É um novo momento, em que elas tentam rasgar estereótipos impostos e idealizados, a fim de se aproximar da evolução da mulher na estrutura social.

Tudo isso mostra que as misses despertaram de um sono profundo de beleza que, por décadas, as colocava em um pedestal amordaçado —mas agora, ninguém pode negar que elas estão acordadíssimas.

De faixa a coroa

Fábio Luís de Paula é jornalista especializado na cobertura de concursos de beleza, sendo os principais deles o Miss Brasil, Miss Universo, Miss Mundo e Mister Brasil. Formado em jornalismo pelo Mackenzie, passou por Redações da Folha e do UOL, além de assessorias e comunicação corporativa.
Contato ou sugestões, acesse instagram.com/defaixaacoroa e facebook.com/defaixaacoroa

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