Ana Paula Padrão posa sensual e se diz mais confortável que aos 30
'Vou estar de biquíni aos 80', diz a âncora do Masterchef, que conclui que o mercado de trabalho foi muito cruel com sua geração
Aos 56 anos, a ex-âncora de telejornais que construiu uma imagem de mulher muito séria, forjada pelas imposições machistas de nossa geração e reforçadas por Brasília, cenário onde iniciou sua carreira de jornalista atenta à cobertura de hard news, está mais à vontade no papel de ser quem realmente é.
Dedicada ao entretenimento há pelo menos seis anos, Ana Paula Padrão diz à coluna que está muito mais confortável hoje do que estava aos 30. E lamenta o cenário geracional que submeteu as mulheres a se comportarem como homens, de preferência com terninhos alinhados, evitando unhas vermelhas e a até a sorrir.
Após publicar em seu perfil no Instagram a bela foto de um ensaio para a campanha @eu.emdesconstrucao, a jornalista concordou em falar à coluna sobre o que representa este momento e em desenvolver em detalhes o que diz a legenda da imagem: "Pois é. Essa é a seríssima jornalista Ana Paula Padrão posando de maiô. Por quanto tempo só mostrei uma faceta das muitas que toda mulher carrega em si pra atender à imagem pública que eu mesma construí sobre mim. Sabe por quê? Medo de ser julgada."
"Mulher séria não mostra o corpo, mulher séria não pode ser sensual. Esse era (e ainda é) o recado subliminar contido nas críticas que as pessoas à minha volta, homens e mulheres, faziam a todas aquelas que ousavam ser felizes sendo elas mesmas", afirma ainda na legenda.
Entre um turno e outro das gravações da atual temporada do Masterchef, no ar pela Band, Ana Paula conversou com a coluna por telefone sobre o tema. Confira a seguir.
Você acha que a ida para o entretenimento acelerou esse reconhecimento sobre a necessidade de estar mais à vontade no papel de quem você realmente é?
Eu não sei, sinceramente. Não conseguiria te responder sobre se foi uma mudança profissional que me fez ficar um pouco mais leve e um pouco mais confortável comigo mesma, com os meus diversos universos, com todos os meus lados, ou se foi a passagem do tempo mesmo. A gente amadurece, os tempos são outros.
O que eu sei dizer é que tem uma questão geracional envolvida nisso, com certeza. Eu acho que as mulheres da minha geração, que têm mais de 50 hoje, se encontram muito nesse ponto, de terem entrado todas num mercado de trabalho que exigia que a gente copiasse os homens. Mulheres que se arrumavam, se penteavam, se maquiavam, usavam roupa justa ou pintavam a unha de vermelho, ou dançavam numa festa eram consideradas pouco sérias pra consolidar uma carreira no mesmo lugar onde os homens consolidavam as deles.
É claro que se você quisesse fazer uma carreira de atriz, nada disso era proibido pra você. Mas se você quisesse fazer uma carreira numa corporação e ser executiva, você carregava essa expectativa com você, de que você fosse séria. Em que momento a gente acreditou na expectativa? Eu acho que desde sempre. Eu acho que a gente cresceu com ela e a gente acreditou muito nela, ou pelo menos eu acreditei.
E eu não sei se eu acreditava porque eu acreditava ou se eu acreditava porque era uma convenção social tão sólida, que eu não ousava questionar. Mas o fato é que eu vesti essa roupinha de moça séria, mesmo sabendo que na minha intimidade eu nunca fui uma pessoa séria, embora eu sempre tenha levado as minhas coisas muito a sério. Daí a ser uma pessoa séria, que tudo na sua vida é sério, que só conversa sobre assuntos sérios, é exatamente o contrário, no meu caso.
Eu sempre fui muito bem-humorada. Eu sou dessas pessoas que acorda às 4 da manhã ou as 10 da manhã com o mesmo humor, eu sou muito bem-humorada, eu sou muito da luz, muito da manhã. Acordo animada, sempre fui uma pessoa que gostou de dançar, não é à toa que eu fui bailarina, seria um contrassenso se eu não gostasse.
Eu sempre fui uma pessoa que gostou de praia, eu sempre usei biquíni a minha vida inteira, não uso nem maiô, eu uso biquíni mesmo, e vou estar de biquíni aos 80 anos de idade, eu adoro pegar sol na barriga, sabe?
Gosto muito de piada, gosto muito de ambiente leve, eu sou a primeira a fazer piada comigo mesma e com os outros, eu sou de sagitário, portanto eu sou uma pessoa do mundo, eu sou meio sincericida, eu falo tudo o que eu penso, não tenho muito filtro pra falar as coisas, Então, eu não sei em que momento eu deixava isso dentro de casa, no ambiente digamos mais íntimo, dos amigos próximos e comecei a vender a imagem de uma pessoa muito séria.
Eu me lembro que quando eu apresentava o Jornal da Globo, tinha uma revista que fazia o ranking das mulheres mais sexy do ano, e era pelo voto popular. E todo ano eu estava naquela lista e todo ano eles me pediam pra mandar foto, participar da festa, eu morria de vergonha, eu nem citava isso, eu não atendia pedido de entrevista sobre isso, que eu achava um desacato uma jornalista com uma carreira tão séria transitar ali em algum lugar da lista dos mais sexy, eu ficava brava.
Você poderia argumentar que obedecia a uma convenção interna da empresa, mas você mesmo parecia se incomodar.
Não, não, eu não quero botar a culpa em ninguém, eu mesma me incomodava. Essas responsabilidades são minhas. Eu comprei essa ideia porque eu quis comprar, tinha um monte de mulher na minha época que não comprava.
Mas as que fizeram carreira executiva, em geral compravam. É muito difícil achar uma executiva de 50+ que não tenha feito carreira de terninho.
Mesmo na presidência da República...
A presidente, a presidente da Petrobrás, Graça Foster...
Mas a gente tinha um pouco a ideia de que as mulheres naquele ambiente tinham de se comportar como homens para serem respeitadas, não?
Na verdade, para entrar mesmo no mercado de trabalho. Eu comecei a mesmo a trabalhar no meio dos anos 90, que foi quando a maioria das mulheres entrou no mercado de trabalho seriamente no Brasil. Já tinha muita mulher trabalhando, mas não trabalhando formalmente, fazendo carreira. A gente entrou no mercado pra fazer carreira, você olha os índices todos, essa entrada se deu maciçamente nos anos 80, que foi quando eu comecei a trabalhar também.
E naquele momento, o único modelo de corporação que você tinha era o modelo masculino. Essa coisa de não só mostrar todos os seus lados, mas também se preocupar com a questão familiar ou com a questão emocional, se preocupar com filhos, ter alguma prioridade pra vida doméstica ou pro lazer, tudo isso era considerado um pouco fragilidade.
Homens trabalhavam muitas horas por dia, ou pelo menos trabalhavam nas corporações um número de horas xis, mas depois tinham os encontros com outros executivos. E pra gente era simplesmente acumular agenda com todas as outras coisas que a gente já tinha, e não reclamar, porque era a única maneira de a gente ser considerada apta, competente o suficiente para ousar disputar com um homem em pé de igualdade.
Foi uma maneira muito cruel de conquistar o mercado corporativo de trabalho, e era a única que existia. Eu entrei nessa, como um monte de outras mulheres da minha geração.
E eu acho que hoje, talvez porque a gente tenha uma outra geração que também trabalha e que foi educada com esse tipo de obrigação, isso esteja contaminando a gente, as mais velhas, e eu espero que seja isso, sim. Vejo que esse movimento é coletivo. Tem um monte de mulheres com mais de 50 que se sentem muito mais à vontade para ser quem elas são.
Então, se elas se elas forem em festas, elas se deixam fotografar, ou fazem vídeos e postam esses vídeos, porque elas têm um lado de ‘vou me arrumar, vou botar um salto alto, vou me maquiar, e vou pra uma festa'. Ou nas férias, vai pra uma praia, se deixa fotografar ou se fotografa mesmo de biquíni. Tem uma relação amorosa e faz fotos, não tem vergonha de falar que gosta, que ama, que tá envolvida, que quer fazer uma família, ou dos filhos, ou dos pets, ou das tarefas domésticas, ou de estar cozinhando alguma coisa em casa.
A gente tá mais confortável com quem gente é.
E isso também pode significar abandonar a ideia de estar arrumadinha, de terninho e salto, maquiada, podendo circular sem culpa, calçada só no All Star.
Evidente! Claro. Você vai de All Star, eu só ando de tênis. Quando eu vou a uma festa, para um lugar onde as pessoas se arrumam mais, eu gosto de botar um salto. Eu acho que fica bonita a perna torneada, eu gosto de botar uma calça mais justa. Eu adoro usar decote, adoro, sempre gostei de decote, e não usava publicamente.
Usava na minha casa, nas minhas festinhas particulares, nas festas dos amigos, e quando eu me lembro de mim na adolescência, eu digo: ‘nossa, eu abandonei um monte de coisas que também era eu, pra que a imagem pública de seriedade prevalecesse'.
Por que é que eu fiz isso? Porque eu sou uma caretona? Provavelmente não. Provavelmente eu fiz isso pra ser aceita no mercado de trabalho, que deixava muito claro... Não estava escrito em nenhum lugar, não tinha uma lei sobre isso, mas deixava muito clara essa posição de que se você não passasse uma imagem séria, você não era competente o suficiente.
Era que nem a mulher de Cesar: não basta ser, tem que parecer ser.
Eu parecia ser. Se você perguntar pra qualquer amigo meu como eu sou, vão dizer: ‘Ih, Ana Paula é doida. Ana Paula conta piada pra caramba, Ana Paula é engraçada, é divertida’.
Lembro que na Globo tinha gente que temia pela sua espontaneidade, como se a qualquer momento você fosse falar algo que saísse do tom.
Pois é, quem me conhece sabe. Tanto que fui eu que saí. Quando eu senti o comichão, de ‘eu preciso ter as rédeas da minha vida’, eu saí. E eu nunca atendi a grandes expectativas em torno de mim. As pessoas esperavam que eu ficasse sentada ali para o resto da vida, e fui eu que saí. As pessoas esperavam que eu ficasse o resto da vida atrás da bancada. Então, eu não sei se foi o entretenimento, eu acho que eu já fiz isso antes, mas talvez as pessoas ainda me vejam com a seriedade que eu tinha na bancada.
Agora, óbvio que bancada também não é que você dá só notícia boa, engraçada, que tem que morrer de rir. A carreira que eu escolhi, de cobertura de hard News, também é uma cobertura pesada, de assuntos densos, não tem muito cabimento fazer piada com isso o tempo todo. E olha que eu era considerada uma âncora soltinha, uma âncora que não usava só terninho, eu usava camisa, usava camisa de manga curta, o que era mega proibido na época, eu fazia comentários um pouco mais ácidos ou um pouco mais irônicos, eu sempre fui essa pessoa.
Agora, eu não fazia questão de mostrar esse lado, pelo contrário. Eu acho que em muitas ocasiões eu escondi isso. E também foi uma estratégia de carreira que era coletiva, minha geração inteira fez isso
Hoje, olhando dessa perspectiva nossa, quanta coisa a gente fez contra a gente mesma. Hoje é possível não fazer isso, naquele momento não foi.
É por isso que eu acho que tem uma questão geracional forte nisso, sabe, Padi? Se você não fizesse, você não ia pra frente.
Não há também uma questão de baixa autoestima na criação das mulheres, em especial das gerações mais velhas? Fomos inibidas desde cedo a andar de miniblusa se não tivéssemos abdome sarado, enquanto homens de circunferências larguíssimas passeiam felizes, em público, sem camisa.
Tem, evidente que tem, e isso é muito a maneira como a gente é educada. A gente foi educada para encontrar segurança sob a asa de alguém, de preferência um homem, e ficar ali, como se a gente não pudesse encontrar lugar de segurança sozinha, e nesse sentido até dei sorte, porque meu pai, apesar de ser alguém da geração dele, socialmente machista, ele foi um cara que me incentivou muito a fazer carreira, a encontrar um mundo intelectual pra mim, de ganhar o meu dinheiro a partir de quanto eu poderia produzir, e não a partir do quanto eu poderia aparecer ou ter um cabelo bonito, ou ter um corpinho sarado.
Então, acho que dei sorte, mas é óbvio que eu estou mais confortável hoje do que eu era com 30 anos de idade.
E você ainda começou no jornalismo em Brasília, um reduto machista reforçado por aquele ambiente do poder. Era mais difícil?
É uma escola dura, é uma escola difícil. Ali, se você não parecer séria nos primeiros dez minutos de conversa com uma fonte, essa pessoa nunca mais vai levar você a sério. Então, você tinha que parecer muito séria, muito 'estou aqui para trocarmos informações a respeito desse assunto'. Não dava nem para fazer uma amizade.
Mal dava para sorrir...
Mal dava pra sorrir. É difícil, é uma relação complexa, essa com a fonte. Você tinha que conhecer uma pessoa a ponto de saber se ela estava plantando uma notícia falsa em você, para saber se ela estaria tirando algum proveito daquilo, e tinha que conhecer bastante aquela pessoa, mas não podia se aproximar demais para não parecer outro tipo de relação. Então, era difícil.
E apesar de ser uma profissão que tinha muita mulher, e muita mulher em cargo bom --tinha muita colunista de política, de economia, não era um mercado machista sob esse ponto de vista--, a cobertura de Brasília era muito machista, sempre foi.
Como você entrou no movimento que resultou na publicação desse ensaio fotográfico de maiô?
O Danilo Borges fez as fotos, ele é um desses grandes fotógrafos. Eu trabalhei com ele lá atrás, há 20 anos, e venho acompanhando a carreira dele, é um cara muito e muito talentoso, e claro que me deixou à vontade num estúdio, de body, fazendo foto, mostrando perna , braço, cabelo, numa atitude mais sensual do que eu costumo fazer habitualmente.
O criador da campanha é o Marcos Guimarães, e foi uma campanha que desde o início ele queria que eu parecesse mais comigo mesma, então ele propôs fazer algo diferente do que eu estou acostumada, e eu conversei muito com a figurinista que me veste, do Masterchef, a Larissa, e Larissa falou: 'Ana, se você vai fazer uma coisa diferente, pode ser uma coisa que nunca fez, posso arrumar uns bodies, são muito diferentes. E curti aquele negócio. Realmente, se a história da campanha é quebrar expectativas e mostrar coisas que você não mostra, tem todo cabimento. E ainda colaborou muito o fato de ser no estúdio do Danilo.
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