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'Bridgerton': Nicola Coughlan como Penelope Featherington Liam Daniel/Netflix

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Alexis Soloski
The New York Times

Em janeiro, na época em que completou 35 anos, Nicola Coughlan fez o que descreve como "uma megaviagem de férias" –Nova York; Austin, Texas; Havaí; e de volta a Nova York.

Quando retornou a Manhattan, ela fez o que os turistas fazem. Foi a restaurantes finos, assistiu a uma gravação de "Saturday Night Live" (mas, diferentemente dos turistas comuns, foi convidada para a festa depois do final do programa), e assistiu a um espetáculo na Broadway.

O espetáculo era "Company", um musical sobre uma mulher de 35 anos que passa por uma crise existencial. Quando Coughlan saiu do teatro, ela viu um outdoor gigantesco em Times Square. O outdoor, um anúncio sobre a nova temporada do drama de época "Bridgerton", da Netflix, tinha seu rosto em posição central. "Caminhei um pouco pela rua e lá estava, imenso, imenso, imenso", ela disse. "Meu Deus, aquela foto era enorme".

Coughlan –animada, disposta a fazer confidências e dona da pele mais perfeita que já vi em um ser humano adulto– estava falando no final de sua viagem, pouco antes de voar de volta para casa em Londres. Ela selecionou o pub irlandês Molly’s Shebeen, no Gramercy Park, e chegou alguns minutos atrasada porque seu carro havia primeiro a levado ao Molly Wee, um outro pub irlandês perto da Penn Station.

O bar parecia uma paródia de pub irlandês. "Gostei dessa interpretação", disse Coughlan. Tem um chaveiro com um leprechaun e sua biografia no Instagram oferece como resumo "pequena atriz irlandesa". Naquela tarde, estava de branco invernal –porque ela mesma se descreve como "uma bastarda porcalhona", era claramente uma decisão de risco–, e uma coleção de joias de ouro delicadas, entre as quais uma gargantilha com seu nome. Os fãs que estavam no pub e a reconheceram da celebrada série cômica "Derry Girls", da Netflix, já sabiam como ela se chamava.

"Derry Girls" deu a Coughlan –que trabalhava em um consultório de oftalmologia em sua cidade natal, Galway, Irlanda, apenas um ano antes de ser convidada para o elenco da série– seu primeiro papel substancial. O papel por fim conduziu a "Bridgerton", que se tornou uma das séries mais assistidas da história da Netflix e voltou nesta sexta-feira (25) para sua segunda temporada.

Como estrela de dois dos shows mais queridos do serviço de streaming mais assistido do planeta, Coughlan se tornou importante, agora. E tem um outdoor para provar isso.

Para a atriz, filha mais jovem de um oficial de exército e de uma dona de casa, o sucesso não veio do dia para a noite; na verdade, ela trabalhou para isso por milhares de dias. Depois da faculdade, onde estudou inglês e literatura clássica, ela fez um curso de arte dramática de seis meses na Oxford School of Drama, mas foi recusada como aluna do curso mais longo. Em seguida, acompanhou sua melhor amiga, a dramaturga Camilla Whitehill, à Birmingham School of Acting, onde estudou por um ano. Mas também foi recusada para o curso mais longo, lá.

Em Oxford e mais tarde em Birmingham, Coughlan desenvolveu seus dotes cômicos e, porque sempre pareceu inacreditavelmente jovem para sua idade, também desenvolveu a capacidade de interpretar crianças. (Sim, ela usa hidratante, mas me mostrou fotos em seu telefone que provam que uma aparência incrivelmente jovem é um traço comum em sua família.)

Depois ela se mudou para Londres, onde trabalhou no varejo em diversos lugares –produtos de beleza, iogurte gelado– e tentou encontrar trabalho como atriz adulta. Mas não conseguiu sucesso. Pequenina, petulante, com algo de infantil, ela não conseguiu um agente ou um empresário. Sua conta bancária ficou beirando o vermelho mais de uma vez. E mais de uma vez ela teve de voltar a morar com os pais. "A sensação era a de que, bem, o sonho morreu", ela disse.

Mas não morreu, não completamente. Whitehill se lembra de que Coughlan encarava cada derrota com uma postura de desafio. "No fundo, bem, bem, bem no fundo, ela acreditava em si mesma", disse Whitehill em uma conversa por vídeo. "Ela teve alguns empregos de tempo parcial horríveis –​realmente horríveis–, e eles eram deprimentes demais. Mas nunca duvidei dela".

Por fim, Coughlan, com quase 30 anos, conquistou um papel como uma menina rica de 15 anos de idade em "Jess and Joe Forever" uma produção que estreou em 2016 no Orange Tree Theater, em Londres. O desempenho dela atraiu o interesse de um agente, que conseguiu uma audição para a atriz em "Derry Girls", comédia sobre um grupo de meninas –e um menino– que vivem na Irlanda do Norte na década de 1990, na periferia do conflito sectário que dividia a província.

O processo de seleção foi rigoroso: seis meses de novas convocações e de leituras com colegas de elenco para testar a química entre os atores. "Foi uma tortura", ela disse. "Eu queria demais aquele papel".

Coughlan estudou o sotaque da Irlanda do Norte e encheu um caderno de anotações sobre sua personagem, Clare, 16, uma menina muito ansiosa, muito esforçada e "uma pequena lésbica". Lisa McGee, a criadora de "Derry Girls", se lembra do caderno, que tinha o nome de Clare escrito em purpurina na capa.

Coughlan abordou o papel combinando uma sensação de completo improviso a um lado completamente calculista, qualidades que ela mais tarde levaria ao seu trabalho em "Bridgerton". McGee ficou admirada diante da velocidade e da precisão do timing cômico da atriz. "Eu comecei a escrever mais diálogos engraçados para Clare, quando vi a maneira pela qual Nicola a estava interpretando", disse McGee.

Mesmo então, Coughlan não estava certa de que encontraria um novo trabalho depois que a série terminasse. "Eu pensava que, bem, agora acabou. Encontrei ouro, mas isso não vai acontecer duas vezes", ela disse. Coughlan se saiu mal em diversas audições subsequentes e, quando os produtores de "Bridgerton" entraram em contato com seu agente, ela não tinha grandes esperanças.

Uma diretora assistente de elenco a convidou para um teste no papel de Eloise Bridgerton, a combativa quinta irmã da família, uma livre pensadora. Coughlan não achou que a audição tivesse isso particularmente bem. Mas quando Chris Van Dusen, o showrunner da série, viu a gravação, ele decidiu que tinha encontrado a pessoa certa para o papel de Penelope Featherington, 17, a melhor amiga de Eloise.

"Eu chamei todos os outros produtores à minha sala e lhes mostrei a gravação", disse Van Dusen. "E fico feliz por dizer que todo mundo a amou tanto quanto eu".

Informada de que tinha conseguido o papel, Coughlan procurou controlar seu entusiasmo. Ela conhecia muitos atores que foram contratados para projetos de prestígio e depois demitidos quando o estúdio exigiu alguém mais conhecido. "Eu deveria ter ficado entusiasmada, achado aquilo maravilhoso", ela comentou. "Mas em lugar disso pensei comigo mesma que aquela situação era duvidosa, e eu não sabia o que esperar dela". A tensão persistiu até a primeira leitura do roteiro por todo o elenco.

Mas ela não foi demitida. E enquanto estava provando o figurino que usaria na série, descobriu no Reddit o quanto seu papel seria importante, e que na verdade equivalia a dois papéis: Penelope, a moça tímida que o mundo todo via, e a astuta Lady Whistledown, o pseudônimo que Penelope emprega para escrever e publicar um boletim sensacionalista que tem o poder de levar a Inglaterra do período da regência a implorar clemência.

Ela mergulhou em seu papel duplo, enquanto os estilistas de figurino e cabelos de "Bridgerton" a equipavam com cachos ruivos e uma coleção de vestidos amarelos sem graça. "Ela fica bem usando a maioria das cores, mas eles conseguiram encontrar algumas que realmente conflitavam", disse Whitehill. (A resposta de Coughlan ao seu guarda-roupa foi mais contida: "Não se pode ter vaidade e trabalhar como ator", ela disse.)

A revelação de quem era a Lady Whistledown só surgiu no episódio final da primeira temporada. Mas desde o primeiro roteiro, Coughlan organizou sua interpretação de forma a posicionar a personagem de maneira a usar as fofocas que Lady Whistledown mais tarde publicaria. Se você assistir à primeira temporada, a verá sempre num cantinho qualquer da cena, observando, ouvindo e tentando passar despercebida.

Ela treinou para bisbilhotar, em suas horas vagas, e agora não consegue mais evitar o hábito. (No começo do dia, antes de se encontrar comigo, ela foi a um salão de manicure e descobriu muito sobre o que todo mundo achava da reforma em curso no banheiro.) "É espantoso o que as pessoas dizem quando acham que você não está ouvindo", ela apontou.

Para a temporada dois, ela acrescentou um novo papel. Ao entregar os textos de Lady Whistledown à gráfica, ela finge ser uma empregada irlandesa. A personagem não tem nome, no roteiro, mas Coughlan a chama de Bridget Bridgerton e usa um forte sotaque de Dublin. Coughlan é grande fã de "Drag Race", e pensa em seu alter ego como "a versão drag de Penelope".

A série trará novos desafios no futuro, porque Penelope terá uma história de amor. Isso acontece no quarto livro da série de romances que inspirou o programa, "Romancing Mister Bridgerton", o que significa que pode ou não surgir na quarta temporada. (A série já está garantida por pelo menos quatro temporadas.) Mas Coughlan disse que "já me sinto apavorada. Provavelmente me sinto mais confortável sendo desajeitada e divertida, e portanto isso será um grande desafio para mim. Porque fica fora de minha zona de conforto".

A atenção que "Bridgerton" trouxe a ela nem sempre foi confortável, além disso. "A fama é uma coisa estranha", disse a atriz. A pior parte vem sendo o escrutínio online de seu corpo. Muitos dos comentários sobre sua aparência foram positivos, embora alguns tenham sido negativos. Ela não acha que nenhuma das duas coisas ajude. "Eu penso que estou simplesmente existindo", ela disse. "E não é assunto de ninguém". Foi o único tema que ela parecia menos deliciada em discutir.

Uma semana depois de nossa conversa, ela pediu aos seus fãs no Instagram que não fizessem mais comentários sobre seu corpo. "É difícil escapar do peso de milhares de opiniões enviadas a você a cada dia", ela escreveu.

Mas a fama tem seu lado positivo. Ela apareceu como convidada no programa de culinária "The Great British Baking Show". (Segundo Coughlan, "foi a melhor experiência da minha vida, certamente", apesar de seu pãozinho suíço ter ficado um desastre.) Fez amizade com o astro Jonathan Van Ness, de "Queer Eye", depois de criar um "hoodie" com o rosto dele e mostra-lo na mídia social. Quando ela foi a Saturday Night Live, Coughlan deu um abraço em Kristen Wiig. E suas escolhas quanto a bolsas são sempre perfeitas. (No dia de nosso encontro, ela carregava uma ousada "clutch" Chanel.)

Coughlan está ansiosa para ver em que direção sua carreira a levará. Talvez algum dia ela apresente Saturday Night Live. Talvez ela um dia interprete uma personagem maior de idade. "Estranhamente", ela disse, "minha sensação é a de que só estou começando".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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