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Cenas da série

Cenas da série "Peaky Blinders: Sangue, Apostas e Navalha" Divulgação

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Desiree Ibekwe
Londres
The New York Times

Quando Roy Short, John Brophy e Ryan Hyland se fantasiam de Peaky Blinders, eles o fazem do jeito certo. Usando bonés de aba rígida, ternos com coletes, sobretudos e relógios de bolso, os três imitam não só o estilo "vintage" mas também a panca dos Shelby, a família que tem papel central no seriado de época sobre um grupo de criminosos.

Quando a segunda temporada da série foi ao ar no Reino Unido, em 2014, "nós entendemos tudo que ela queria dizer, e amamos cada detalhe", disse Short, 54. Ele se lembra de ter pensado que "esse look é maravilhoso, fantástico. Ninguém mais usa looks como esses".

Vestir roupas como os modelos do começo do século 20 usados pelas personagens inicialmente era algo que os três amigos faziam nas noitadas de lazer, mas em breve, disseram Short e Brophy, as fotos que eles postavam na mídia social começaram a atrair atenção e organizadores passaram a convidá-los para participar de eventos cujo tema era "Peaky Blinders".

Os Peaky Blinders de Birmingham –o nome pelo qual o trio se define– não são o único grupo desse tipo. Por todo o Reino Unido, fãs da série se reúnem, participam de cerimônias de casamento e às vezes reproduzem cenas importantes da série, todos vestidos como os personagens, que foram baseados em membros reais de quadrilhas da época. O título do programa se relaciona às navalhas que eles levavam costuradas às abas de seus bonés. "Somos todos uma grande família", disse Short.

A despeito de encarnarem personagens que chegaram a ser criticados pela versão violenta de masculinidade que eles representam, os Peaky Blinders de Birmingham dizem que o lado sanguinolento da série é algo que eles não reproduzem. "Jamais houve nem mesmo um pequeno incidente. Nada", disse Brophy. "O que temos sempre é respeito, apertos de mão e pessoas que se comportam como cavalheiros, como damas".

Nos mais de oito anos desde a estreia de "Peaky Blinders" na BBC, a série conquistou o amor dos críticos britânicos e uma audiência mundial de milhões de pessoas. Mas também se tornou um fenômeno cultural, com uma base de fãs dedicados a dar vida aos elementos fictícios do programa.

Agora a série está chegando ao fim. A sexta e última temporada está em cartaz, com um episódio novo a cada semana no Reino Unido, exibido pela BBC (no Brasil, a estreia deve acontecer em 10 de junho na Netflix). A história acompanhou a ascensão e os infortúnios do líder dos Peaky Blinders, Tommy Shelby (Cillian Murphy) e de sua família, no período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. É uma série altamente estilizada, com uso ocasional de câmera lenta e uma trilha sonora anacrônica recheada de canções modernas de Nick Cave, Arctic Monkeys e Black Sabbath.

No Reino Unido, "Peaky Blinders" inspira um zelo que costuma ser reservado a tramas de ficção científica e fantasia. "A maneira pela qual os fãs adotaram a série é quase imersiva", disse Caryn Mandabach, produtora executiva de "Peaky Blinders", em uma entrevista por vídeo, acrescentando que bases de fãs com lealdade equivalente costumam ser reservadas a Harry Potter e aos filmes da Disney.

Embora a popularidade que a série manteve ao longo do tempo possa ser comprovada pelo fato de que o corte de cabelo característico dos personagens continua em moda e pelo aumento das vendas do modelo de chapéu que os protagonistas usam, seus criadores também trabalharam deliberadamente para construir uma marca. Os produtos oficiais de "Peaky Blinders" variam do usual (trilha sonora) ao interessante (um jogo de realidade virtual e uma peça de teatro imersiva), passando pelo inesperado (um livro de receitas). Existem diversos motivos para essa resposta forte –e duradoura.

Na opinião de Julie Kershaw, que organiza e guia excursões às locações em que a série é filmada, em Liverpool, Inglaterra, o apelo está em contar a história "dos homens e mulheres de classe trabalhadora", ela disse, acrescentando que "a história estabelece uma mitologia própria para a classe trabalhadora de Birmingham e, por extensão, de todo o Reino Unido", algo semelhante ao que aconteceu com os caubóis nos Estados Unidos.

Tommy Bulfin, que trabalha como comissário para produções dramáticas na BBC e é produtor executivo da série, acredita que sua representação dos elos familiares também seja importante. "‘Peaky Blinders’ coloca o drama familiar em uma situação de alto risco, semelhante à de uma cultura de gângsteres", ele disse, acrescentando que "as relações pessoais" entre os membros da família são aquilo que faz com que os fãs se identifiquem com a série.

Para algumas das fãs, o retrato das mulheres que a série apresenta também merece elogios. O elenco recentemente perdeu sua matriarca, Polly Gray, interpretada por Helen McCrory, que morreu no ano passado. "Muitas das personagens femininas são mulheres muito fortes, e isso não é assim tão comum nas séries", disse Jade Salt, 24, que vive em Shropshire, é fã da série e opera uma conta de mídia social muito popular sobre "Peaky Blinders". "Nessa série, as mulheres não se deixam enganar pelos homens, e levam adiante o que elas querem fazer".

Outro grupo para quem a série ecoou fortemente foi o dos "brummies", o apelido dado aos moradores de Birmingham. A cidade costuma ser alvo de piadas no país, e seu sotaque já foi votado como o menos atraente e o menos confiável entre as variedades do inglês, em pesquisas de opinião pública.

"Acho que a série transformou Birmingham em um lugar cool, culturalmente, o que provavelmente não tinha acontecido antes", disse Laurence Mozafari, editor chefe do site de televisão e cinema Digital Spy e antigo apresentador de um podcast sobre a série na BBC. "Mas o programa também se tornou sucesso mundial, e aí começamos a ouvir comentários do tipo ‘a história é sobre uma grande cidade, Birmingham’".

A série estimulou o turismo e encorajou o ramo de cinema e televisão local, que está dando seus primeiros passos e já atraiu a filmagem de partes de "Jogador Nº 1", de Steven Spielberg, e uma iniciativa de Steven Knight, o criador da série, para construir um estúdio de cinema milionário na região.

A série desperta um senso de orgulho local, algo que os Peaky Blinders de Birmingham claramente sentem. "Passa-se em Birmingham; vemos Small Heath, Bordesley Green e Digbeth, todas essas áreas. São as nossas áreas, onde moramos, trabalhamos, saímos para beber", disse Short. "E gostamos de eles estarem retratando o sotaque ‘brummie’".

Com tamanha ressonância entre os fãs, as emoções quanto ao término da série são contraditórias. Mas será que "Peaky Blinders" vai realmente acabar em seu episódio final?

Mandabach enquadrou a temporada seis não como um fim, mas como uma oportunidade. Há um filme baseado na série em desenvolvimento, e surgiram menções quanto a potenciais séries derivadas. Mais tarde este ano, "Peaky Blinders: The Rise", uma produção imersiva de teatro, estreará em Londres, e um espetáculo de dança, "Peaky Blinders: The Redemption of Thomas Shelby", será encenado em Birmingham, e há uma turnê nacional planejada para 2023.

Já no que tange aos fãs, os Peaky Blinders de Birmingham disseram que continuariam seu trabalho, e Kershaw afirmou que ela continuaria a organizar suas excursões enquanto existir demanda. "A série acabou, mas a dedicação a ela não", disse Brophy, um dos Peaky Blinders de Birmingham. "As pessoas continuarão a sair vestidas como personagens da série, continuarão a fazer o que já fazem".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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