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Elisabeth Moss Valerie Macon -24.fev.2020/AFP

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Jennifer Vineyard
The New York Times

Esta entrevista tem spoilers sobre a quarta temporada de “The Handmaid’s Tale”, até o episódio nove.

Elisabeth Moss já era a estrela, e uma das produtoras executivas, de “The Handmaid’s Tale”. Mas nesta temporada se tornou diretora, comandando três episódios nos quais mostrou aptidão para a linguagem visual.

No episódio três, Moss regeu uma fuga cheia de suspense, e quase sem diálogos, na qual apenas duas das aias sobrevivem à tentativa. No episódio oito, ela revelou com vislumbres sutis e impressionistas que uma personagem tinha se enforcado. E no episódio nove, ela fez uma alusão à Última Ceia, na sua apresentação das Tias, talvez apontando para uma traição iminente.

Ainda que os episódios representem a estreia oficial de Moss como diretora, ela trabalhou atrás das câmeras pela primeira vez alguns anos atrás, em 2015, durante a filmagem de "Rainha do Mundo", trabalho independente de Alex Ross Perry do qual ela também foi produtora.

Perry, com quem ela colabora frequentemente, cedeu a direção do filme à atriz para uma cena, o que bastou para despertar o interesse dela em expandir a carreira. "Na verdade, fizemos só por brincadeira”, diz Moss, em entrevista por telefone.

"Mas foi a primeira vez, de verdade, e eu gostei demais da experiência. Achei muito divertido." Naquele momento, ela não tinha um plano mestre para continuar a experiência de dirigir, e por isso começou o percurso prestando atenção ao trabalho dos diretores que conhecia bem.

Durante as filmagens da série “Top of the Lake: China Girl”, em 2017, ela via a diretora e roteirista Jane Campion (“O Piano”) como mentora e como exemplo de comando de um set. Um dos segredos de Campion era manter a calma.

“Ela sempre me ensinou que isso é parte muito importante da direção”, diz Moss. “Se um diretor começa a gritar, se um diretor parece ansioso, estressado, ou parece não saber o que está fazendo, todo mundo no set percebe."

Moss também pediu conselhos de diretores com quem trabalhou (Wes Anderson em “A Crônica Francesa”, Taika Waititi em “Next Goal Wins”, um filme que ainda não foi lançado) ou com quem teve a oportunidade de conversar por outros motivos (por exemplo Martin Scorsese, que serviu como moderador de uma mesa redonda sobre “Shirley”, o filme mais recente de Moss.)

“É claro que, se estou conversando com Martin Scorsese, vou pedir conselhos sobre direção!”, afirma Moss, rindo. A quarta temporada de “The Handmaid’s Tale”, enfim, lhe deu uma oportunidade.

Em sua preparação, ela pediu conselhos de diretores frequentes de episódios da série, como Daina Reid e Mike Barker, que fizeram muito por estabelecer o tom e a estética do programa. E começou a pensar sobre como dirigiria —a refletir sobre sua personagem, June, como diretora, e não apenas como a atriz que a interpretava.

Falando de Chicago, para onde ela viajou como produtora executiva, diretora e estrela de uma nova série da Apple+, chamada “Shining Girls”, Moss discute as novas responsabilidades e contribuições criativas. A seguir, trechos editados da conversa.

De que maneira "The Handmaid’s Tale" facilitou a estreia como diretora?
Minha sensação era a de que, se eu queria mesmo fazer aquilo, seria melhor tentar com alguma coisa que conheço muito, muito bem. Estou superenvolvida em todos os elementos da série, como produtora executiva e como atriz, e por isso senti que seria algo orgânico e que me daria a melhor chance de sucesso. Pensamos em uma oportunidade como diretora na temporada três, mas era complicado. Fui eu que terminei desistindo, porque, assumindo meu papel como produtora executiva, pensei comigo mesma que aquilo não funcionaria bem para a série.
Há poucos dias em "The Handmaid’s Tale" em que não estou no set como atriz e, para meu primeiro episódio como diretora, realmente queríamos garantir que tivéssemos tempo suficiente de preparação. Quando chegou a temporada quatro, chegamos à conclusão de que era a hora.
Conseguimos rodar o primeiro episódio que dirigi no primeiro bloco, e aí, dois dias depois de começarmos as filmagens, veio a parada da pandemia, e pude passar mais seis meses pensando em como faria o trabalho. Quando voltamos, me ofereci para dirigir mais um bloco de dois episódios.

Como os conselhos que você pediu a ajudaram a se compreender como diretora?
Algo sobre o que ouvi muita coisa era que o trabalho do diretor é feito na preparação. Quando você chega ao set, precisa ter todas as tomadas na cabeça. Precisa estar em um estado de ânimo que permite que você se divirta com o trabalho, explore a situação com os atores e enfrente o milhão de coisas que vão aparecer e para as quais você não tem planos.
Vou parafrasear Martin Scorsese, nisso, mas é importante ter um plano. Mesmo que você o mude —se você tiver uma ideia melhor sobre como posicionar os atores, ou qualquer coisa assim— o trabalho terá sido feito: do que trata essa cena? Que história estou contando? O que os personagens estão fazendo em cada cena? De que ponto de vista essa cena estará sendo narrada? Mesmo que você chegue ao set e precise mudar de plano, já fez toda a preparação.
Acho que eu nunca tinha percebido isso até dirigir alguns episódios: eu penso como diretora. Penso na edição. Penso no corte. Penso sobre onde usaremos tal e qual tomada. Sempre estive consciente do quadro mais amplo de uma tomada ou projeto, em oposição a simplesmente chegar ao estúdio concentrada em minhas falas. Sempre considerei útil compreender por que estamos fazendo o que fazemos, por que a câmera está onde está, que importância tem aquela cena para a história. Quando você é a diretora, pode dizer as coisas sobre as quais está pensando. Gosto disso.

Havia ideias sobre as quais você não estava segura, inicialmente?
Meu diretor de fotografia. Stuart Biddlecombe, e eu consideramos o monólogo do tribunal, no episódio oito, e pensamos: "Isso é uma loucura, mas não seria ótimo se pudéssemos filmar tudo em uma tomada só?" Nós nos olhamos e perguntamos um ao outro se daria certo. Não sabíamos. Na cena do tribunal, tínhamos um limite de dez pessoas presentes diante da câmera em cada tomada, por causa dos protocolos de Covid-19, e por isso precisaríamos de efeitos visuais para criar a audiência do tribunal. E assim nós concebemos e filmamos um monte de imagens adicionais, para cobrir essas necessidades; não somos burros. Mas quando chegou a hora de editar, a cena funcionou como uma só tomada longa. Isso torna seu impacto e sua emoção muito maiores.

Você dirigiu duas sequências especialmente comoventes no episódio 9, com a decepção de June e Luke (O-T Fagbenle) conduzindo à reunião romântica entre June e Nick (Max Minghella). Comparativamente, o romance entre June e Luke é minimizado, e o romance entre June e Nike, expandido, com o rodopio da câmera.
Sim! Fico arrepiada por você dizer isso, porque foi exatamente o que quisemos fazer. Foi a primeira coisa sobre a qual O-T e eu conversamos, e provavelmente é a coisa mais dolorosa pela qual June e Luke já passaram. Terrível! Luke e June estão sentados na sala de estar, um diante do outro, e só há três tomadas naquela cena. Em circunstâncias comuns, isso seria considerado um tanto ousado. A sensação que a cena dá é a de um casamento perfeito entre cinematografia e narrativa. Não é o caso de criar uma cena visualmente fantástica só para podermos pensar que somos cool. O objetivo é contar a história da melhor maneira.
O romantismo é culpa minha (risos). Culpa de Stuart e minha. O que queríamos era filmar “Moulin Rouge”! Somos nerds românticos. E, como você viu no episódio três, a Steadicam fez três giros completos em torno deles enquanto se beijam. Alguém precisa nos controlar. Tudo que queremos fazer é rodar cena mais romântica de todos os tempos.

A cena em que June deixa aquela reunião lembra Diane Lane no trem em “Infidelidade”. Foi intencional?
Não era uma referência, necessariamente, mas bem lembrado. Foi trabalho do meu editor, Chris Donaldson. Saltar de corte a corte foi ideia dele. Ficou fantástico. Usamos esse recurso economicamente, mas parecia a única maneira de mostrar o que estávamos tentando mostrar, que é a emoção, a alegria, o amor, mas também a culpa e a confusão. E tentar encaixar tudo isso em dez segundos ou pouco mais.

Alguma coisa a fez chorar diante do monitor?
Eu diria que aquele momento no episódio três, quando Luke tem aquela cena na varanda, e ele está preocupado por June talvez não querer voltar. Aquilo me matou! Nick no episódio três, se despedindo de June. A última cena de Fred Waterford no episódio nove, com Serena (Joseph Fiennes e Yvonne Strahovski) —aquele homem está em uma posição em que nunca havia estado, sentindo amor, amor verdadeiro, pelo filho que está por vir. Isso me emocionou. Janine (Madeline Brewer) e tia Lydia (Ann Dowd), no episódio nove. Elas foram ao máximo. Foi extraordinário ver Ann e Madeline tomarem caminhos que nunca haviam tomado. A verdade é que amo dirigir cenas em que não estou, porque posso ficar sentada vendo o trabalho desse pessoal, que é realmente fenomenal.

Partes do desempenho de Dowd nesta temporada, mas especialmente no episódio nove, parecem servir como plataforma de lançamento para a série derivada, “The Testaments”, ou como elo entre as duas coisas.
O trabalho que fiz com Ann Dowd nesta temporada, como diretora, definitivamente envolve "The Testaments", por motivos óbvios. Era algo que sempre mantínhamos no pensamento. Mesmo que não houvessem coisas escritas explicitamente no roteiro sobre a jornada posterior de tia Lydia, Ann e eu estávamos muito cientes disso e procuramos constantemente por pequenos momentos nos quais pudéssemos sugerir o que está para vir. Era algo que estava por toda a trajetória dela nesta temporada, e acho que acrescentou toda uma camada ao desempenho dela.
Uma interpretação de Ann Dowd sempre tem nove milhões de camadas! Cada olhar, cada movimento, tudo que você possa ligar ao que está por vir, e torna o trabalho inteiro mais interessante. Eu voltava para casa à noite depois de dirigi-la pensando que “mal consigo acreditar que pude trabalhar com Ann Dowd naquelas cenas hoje! Sou a pessoa mais sortuda do planeta”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci.

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