'Vale Tudo' será um sucesso ou um fracasso? Elenco original opina sobre o remake
Para os atores, trazer temas polêmicos para o debate e reviver personagens ainda vívidos na memória do espectador serão os maiores desafio da nova versão da novela
No comecinho de 1989, uma pergunta parou o Brasil: "Quem matou Odete Roitman?". Com uma trama que envolvia conflitos familiares, corrupção e inversão de valores, a resposta veio no último capítulo de "Vale Tudo", exibido no dia 6 de janeiro daquele ano.
A novela fez história na teledramaturgia brasileira e é considerada por estudiosos e especialistas uma das melhores de todos os tempos. Seu aguardado remake virá em 2025 pelas mãos de Manuela Dias, mas antes da estreia, muitas críticas e especulações já estão sendo feitas. A pergunta agora é outra: será que vai dar certo?
A começar pela escolha do elenco e os rumos de alguns personagens —como Odete Roitman, que no original odiava o Brasil, os brasileiros, e exibia um vasto repertório de preconceitos. A expectativa está gerando incertezas no público. Na nova versão, ela será interpretada por Debora Bloch.
Exibida entre maio de 1988 e janeiro de 1989, a trama contava com nomes de peso, como Regina Duarte, Glória Pires, Beatriz Segall (1926-2018) e Antonio Fagundes, entre vários outros medalhões. A audiência média era de 61 pontos, algo impensável hoje. No capítulo que revelou quem matou a vilã, o ibope alcançou extraordinários 81.
"Vale Tudo" fez o espectador refletir sobre a honestidade na sociedade durante um período de transformações sociais e econômicas, além de tabus atemporais, como a corrupção e a comunidade LGBTQIA+. O F5 conversou com alguns atores do elenco original da obra de Gilberto Braga (1945–2021), Aguinaldo Silva e Leonor Bassères (1926–2004) para saber o que eles pensam sobre o remake.
Carlos Alberto Riccelli, 78, vivia o sedutor César e, a julgar pelo seu depoimento, ele não parece muito animado com a adaptação: "Por que refazer uma história de tamanho sucesso e ainda tão presente nas mentes e corações do público, como 'Vale Tudo'? Acredito que o melhor será tentar se afastar o máximo possível da versão anterior. Isso evitaria comparações inevitáveis".
Sobre a vilã, ele é ainda mais enfático: "Quem poderia ser melhor que Beatriz Segall como Odete? Ninguém! A menos que a nova Odete seja totalmente diferente da original", disse ao F5. Salvo alguma mudança de planos, é essa a ideia da autora.
Em recente entrevista à Folha, Manuela Dias comentou que haverá menos críticas ao Brasil por parte da vilã, algo que incomodou o público. Ela disse, entre outras coisas, que "falar que o Brasil é uma porcaria", como fazia Odete Roitman, "não traz mais nada hoje em dia".
Para alguns espectadores que assistiram à versão original de "Vale Tudo", quem de fato matou a personagem Odete Roitman foi a própria autora com essa releitura.
Indagado se seria a favor de remakes (um assunto controverso), Reginaldo Faria, 87, o vilão Marco Aurélio da novela de 1988, usa de sua diplomacia para mostrar outro ponto de vista sobre a questão. "Sou a favor de tudo o que estiver ao alcance do entretenimento e rezo para que as novelas não sejam engolidas pelo streaming. A importância das novelas para os brasileiros é cultural", disse.
Intérprete da personagem Consuelo, a atriz Rosane Gofman, 67, também falou sobre o que espera da nova novela. "Não consigo dizer com convicção", admite. "A primeira versão foi perfeita, minha expectativa é só expectativa. Não posso imaginar o que seja o remake". Por fim, ela diz acreditar no trabalho de Manuela. "Ela é ótima, então talvez a gente tenha um novo sucesso por aí".
A atriz não faz parte do elenco atual —e vontade (por parte dela) não faltou. "Te confesso que até tentei, porque além de a novela ter sido muito emblemática, foi bastante importante para mim" contou. Ela fará 50 anos de carreira em 2025 e estará na continuação de "Êta Mundo Bom", de Walcyr Carrasco.
Alvo da censura
Embora o país já não estivesse mais sob uma ‘repressão’ propriamente dita, isso não impediu que a novela sofresse censura, principalmente ao casal homossexual vivido pelas atrizes Cristina Prochaska e Lala Deheinzelin.
A DCDP, Divisão de Censura de Diversões Públicas (extinta após a aprovação da Constituição de 1988, quando a novela já estava no ar) vetou as cenas que evidenciavam mais explicitamente a relação entre as duas, assim como diálogos contendo palavrões dos personagens de Reginaldo Faria e Carlos Alberto Riccelli.
Questionada se a sociedade brasileira ainda não estava preparada para ver um casal lésbico em horário nobre, Lala refletiu: "Fui sempre muito bem tratada, não tive nenhum problema, nem sofri ataques, talvez hoje seja diferente, por causa da polarização; curiosamente, em alguns pontos 2024 é mais atrasado que 1988".
Novela revelou novos talentos
"Vale Tudo" serviu também para revelar novos talentos, como Adriana Esteves (ela fez uma ponta como modelo), Soraya Ravenle, Edson Fieschi, Marcello Novaes, Otávio Müller e Flávia Monteiro. Integrante do elenco de apoio, Novaes, então com 26 anos, ganhou destaque no papel de André.
Flávia, 52, relembrou sua estreia na TV após o sucesso do filme "A Menina do Lado" em 1987. "Comecei com o pé direito. Foi uma novela que parou o Brasil, alavancou demais a minha carreira. A Beatriz não aparecia muito, mas as cenas com ela eram fenomenais".
A atriz fazia Fernanda, uma jovem de classe média baixa que namorava Tiago (Fabio Villa Verde), neto de Odete Roitman. Ela relembra com carinho de uma dentre tantas cenas que impactaram os espectadores: "A Odete dando um jantar e, de maldade, bota a Fernanda na mesa para comer escargot e lagosta. Ela não sabia comer... Essa [cena] me marcou muito", comentou, lembrando umas das vilanias típicas da personagem de Segall.
Vale o remake?
Na trama original, Maria de Fátima (Glória Pires) é uma alpinista social adepta da "Lei de Gérson" e capaz de qualquer coisa para se dar bem. Ao lado de César (Riccelli), articula planos obscuros para conquistar dinheiro e poder. Raquel (Regina Duarte), mãe de Fátima, é o oposto. Uma mulher íntegra, que desaprova as atitudes da filha, e que buscava a ascensão pelo suor de seu trabalho.
"Vale Tudo" promoveu um debate crítico sobre a ética (ou ausência dela) no país, cujo mote era "vale a pena ser honesto no Brasil?".
O ano era 1988; a moeda (Cruzado) sofria com a desvalorização causada pela hiperinflação; Cazuza estava no apogeu artístico e no ápice de sua luta contra a Aids; e uma nova Constituição Federal surgia para garantir direitos à sociedade. Fazer uma releitura de um clássico da teledramaturgia, readaptando essas transições para os dias atuais em plena era virtual, será um desafio para Manuela, em tempos onde a TV aberta não tem a mesma relevância do passado.
A atriz Monique Lafond, 70, que fez uma participação como Dolores, a dona do ateliê onde Fátima faz seu vestido de noiva, também compartilha da mesma opinião de Riccelli: "A novela foi um sucesso, então remake pra mim não rola porque a gente sempre vai comparar, e nada é melhor do que foi antes", disse.
Lala é mais otimista. "Espero que seja feito com a mesma inteligência e qualidade artística e tenha novamente o papel de abrir a cabeça e ampliar a mentalidade do povo brasileiro". Assim como Reginaldo, Flávia também é a favor das releituras, mas com ressalvas. "Eu gosto dos remakes, mas fico sempre com o meu coração e o meu afeto nas primeiras versões".
O ator Paulo Reis, 72, que fez o fotógrafo Olavo, parceiro de César e Fátima nas armações, avaliou suas expectativas com a nova produção: "Se será um sucesso ou um fracasso, depende; acho impossível repetir a repercussão da primeira versão, as condições atuais da TV são completamente diferentes hoje, mas acho possível alcançar um grande êxito artístico", disse ao F5.
Já Fabio Villa Verde, 53, não quis tecer comentários. "A obra é da empresa e ela achou por bem montar; não cabe a mim tecer opinião sobre o tema", disse, encerrando o assunto. Quase todos concordaram que o remake pode ser um sucesso motivado principalmente pela curiosidade do público.
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