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Televisão

'Vai na Fé': Jovem negra evangélica que inspirou Jenifer diz se identificar mais com Kate

'Eu sou muito mais legal que ela, pô!', brinca Thuane Nascimento sobre a estudante de direito vivida na trama por Bella Campos; novela chega ao fim nesta sexta-feira (11) na Globo

Thuane Nascimento com a atriz Bella Campos - Arquivo Pessoal
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São Paulo

Quando soube que um time de mulheres escreveria uma novela com centralidade na fé evangélica, Thuane Nascimento, 26, se animou. "Achei interessante a possibilidade de ter várias personagens evangélicas. Crente tem mania de falar que a Globo só tem novela espírita", afirma.

Diretora-executiva do PerifaConnection e ativista, ela inspirou a história de Jenifer (Bella Campos) em "Vai na Fé", que chega ao fim nesta sexta-feira (11). Apesar de perceber pontos em comum entre sua trajetória e a da personagem, ela diz que se identifica mais com Kate, interpretada por Clara Moneke.

Cria da Vila Operária, favela de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ), Thux, como é conhecida, foi convidada por Renata Sofia, uma das escritoras da trama, para uma conversa nos Estúdios Globo. Elas se conheceram num grupo de estudos sobre mulheres e, desde então, se acompanhavam pelas redes sociais.

"Na época eu fui com minha namorada, a Débora, e a gente falou muito sobre a nossa perspectiva de cristianismo, teologia e a minha trajetória como cristã nos espaços da faculdade." Thuane foi criada na Igreja Batista da Pauliceia, no Rio, e entrou para o curso de direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) por cotas, sendo a única de sua turma a vir de uma escola estadual.

"Falei sobre minha história como uma menina evangélica dentro da faculdade, e acredito que foi essa a reviravolta para construir a Jenifer", diz. Jovem negra periférica, a filha de Sol (Sheron Menezzes) foi a primeira da família a entrar para a faculdade de direito, logo nos primeiros capítulos da trama.

Ao chegar nesse novo mundo, a personagem se depara com as desigualdades econômicas e sociais, experiencia situações de racismo e se abre para a diversidade de pensamentos.

Assim como Thux, são os estudos que proporcionam a ascensão social de Jenifer. "Também trouxeram os Jogos Sem Racismo [campanha de combate ao preconceito nos Jogos Jurídicos Estaduais], que é um movimento que eu liderei. Fiquei muito feliz de ver isso", conta.

Para Renata Corrêa, que também colaborou com Rosane Svartman na escrita da novela, Thux encarna na vida real a história de crescimento da personagem, cujo desenvolvimento também passou por pesquisas e dados sobre cotas, por exemplo.

"Thux foi uma das pessoas com quem a gente conversou. Falamos com ela várias vezes a respeito da fé dela. Muitas coisas da Jenifer se assemelham à trajetória da Thux. É muito legal quando a gente consegue conversar com quem encarna na vida o que a gente quer para os nossos personagens", afirma Corrêa.

Apesar das trajetórias semelhantes, a personalidade de Jenifer não gerou identificação em Thuane. "Ela é muito mais conservadora que eu. Ela é muito chata, né? (risos) Eu sou muito mais legal que ela, pô! Vamos colocar aqui no papel que, se eu tivesse ali na televisão, as pessoas iam gostar, ia ser um ícone, e não foi o caso da querida", brinca.

Já Kate tem 100% da energia de Thux. "É uma pessoa maravilhosa, incrível, engraçadíssima. Tem resposta na ponta da língua para tudo. Eu acho que tenho mais a ver com a Kate nesse sentido, de ser mais saidinha, mais quente."

De acordo com ela, a trajetória da personagem lembra a história de suas primas, que não tiveram o mesmo acesso à universidade e tiveram que trabalhar desde cedo.

Ela também destaca o fato de Kate e suas primas não terem crescido na igreja. "A comunidade ajuda pessoas periféricas a terem acesso às coisas. A igreja é um espaço de socialização, de cidadania, de encontro", diz.

Além da resistência comum aos evangélicos, muitas vezes associados aos escândalos de corrupção envolvendo grandes igrejas, Thuane também enfrentou na faculdade um estranhamento por não ser uma crente padrão. "Tinha uns choques com meus posicionamentos", conta.

Isso porque, mesmo sendo atuante na igreja, Thux não deixava de assistir aos desfiles das escolas de samba do Rio no Carnaval, nem de dançar todas no bailão.

Há dois anos, ela se descobriu bissexual e começou a namorar uma mulher. "A gente começou a ficar e percebeu que se gostava, queria construir coisas juntas e se amava no sentido de construção", lembra.

Sua única preocupação era a reação da avó, que frequentava a mesma igreja que ela e se tornara sua referência de família depois da morte de sua mãe, ainda na infância, e de seu pai, já na juventude.

"Eu amo a minha avó e estava disposta a fazer o que fosse para continuar tendo a relação de filha que tinha com ela. E eu sabia que o tema da afetividade é mais delicado para o cristianismo. Costumo falar que o cristianismo vai aceitar o mundo, e a última coisa que eles iriam aceitar seria a questão LGBT".

Por esse motivo, Thux decidiu se desligar da igreja. "Essa foi minha maior prova de amor pela Débora [sua namorada], porque eu amo muito a minha igreja, fui nascida e criada lá", diz. Ela conta que poderia ter apresentado a questão à assembleia para ser discutida, mas acredita que isso pudesse interferir em sua relação com a avó.

Com o tempo, Débora e a avó de Thuane criaram uma relação, e a jovem também passou a ser chamada de neta pela matriarca.

Hoje o casal frequenta algumas igrejas que visita, sem um vínculo como parte da comunidade. "Minha dificuldade tem sido muito mais por causa da agenda de trabalho e muito menos por causa da questão LGBT", afirma Thux, que diz conhecer igrejas mais progressistas, já frequentadas pelo público LGBTQIA+.

Para ela, a resistência de algumas comunidades diz mais respeito à religiosidade, do que à palavra de Deus.

"O cristianismo brasileiro virou uma cultura. Em algum momento perceberam que era difícil demais ser igual a Cristo e inventaram coisas paralelas, mais fáceis, para que as pessoas se acostumassem a ser evangélicas. É realmente muito mais fácil deixar de usar calça jeans do que dar o rosto quando é ofendido. É mais fácil ter que usar um coque do que amar ao próximo como a si mesmo", afirma.

Para Thux, os posicionamentos de Jenifer na novela com a família tiveram falta de estratégia e entendimento do contexto social. "Essas pessoas também são vítimas dessa cultura, ninguém está fazendo aquilo porque quer te esculachar, porque não gosta de você", diz. Para isso, o caminho do diálogo poderia ser mais útil, defende.

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