'Terra e Paixão' se esforça para ser boa novela, mas tem mais erros que acertos
Novela de Walcyr Carrasco vai completar três meses no ar sem engrenar na audiência
Um dos principais autores de novelas da atualidade, Walcyr Carrasco tem um trabalho com características próprias. Algumas se tornaram verdadeiras marcas registradas, e a maioria está de volta em "Terra e Paixão", novela das nove da Globo no ar desde maio.
Mas por que, mesmo com todos os "ingredientes" do autor, a trama simplesmente não engrena na audiência nem cai na boca do povo, como ocorreu com outras produções assinadas por ele? Afinal, ela ainda parece longe do impacto gerado por "O Outro Lado do Paraíso", para ficar em um exemplo.
Exibida entre 2017 e 2018, na mesma faixa, a obra teve a maior média de audiência da década (38,2 pontos) e frases repetidas à exaustão pelo público ("vocês não sabem o prazer que é estar de volta" lhe soa familiar?). Até as novelas do autor na faixa das 18h, que tem público bem menor, emplacaram mais bordões ("sou chique, bem!", de "Chocolate com Pimenta" que o diga).
E não foi por falta de tentativa. Capítulo sim, capítulo também, alguém fala da tal "sucessão" das empresas de Antonio La Selva (Tony Ramos). A palavra nunca havia sido tão empregada na teledramaturgia brasileira até agora.
Quem também berra a mesma frase o tempo todo é a mocinha Aline (Barbara Reis). Quem assiste todos os dias está cansado de ouvir que a heroína "vai plantar e vai colher" na "terra vermelha". Sem falar no apelido Miss Tarja Preta, que o autor tentou à exaustão fazer colar na personagem Petra (Debora Ozório).
Outra característica do autor que está na novela são as cenas de causam grande catarse junto ao público. A morte de Daniel (Johnny Massaro), que causou uma virada na trama e fez aflorar a vilania de Irene (Gloria Pires) são bons exemplos de que, quando inspirado, Carrasco consegue trazer emoção e expectativa. Porém, mesmo em grandes momentos como esse, parece sempre faltar algo a mais para o folhetim.
Por enquanto, é interessante de acompanhar a história de Lucinda (Débora Falabella), uma mulher que sofre violência doméstica do marido Raul (Ângelo Antônio). A dupla Luigi (Rainer Cadete) e Anely (Tata Werneck) tem química e merecia mais momentos em cena, mas suas passagens ainda não têm profundidade. Parecem esquetes de humor sem contexto. Mesmo caso dos excelentes Kelvin (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo).
Talvez por isso Carrasco tenha percebido a necessidade de ter uma colaboradora e novos personagens na novela, que vai ficar no ar até janeiro de 2024. Falta a "Terra e Paixão" o carisma que sobrava em outras novelas suas. Tem sido difícil torcer para a heroína da história, principalmente porque a gente até agora não sabe seu propósito de vida.
Cauã Reymond como o mocinho Caio está em uma de suas piores passagens na TV. Em uma atuação sem vontade, o ator parece obrigado a estar lá porque tem um contrato fixo para cumprir —sem contar o sotaque estranho. Gloria Pires está vários tons acima, mas parece se divertir em cena com os exageros.
O maior problema parece ser a direção de Luiz Henrique Rios. Diferentemente de "A Dona do Pedaço" (2019), cuja direção farsesca de Amora Mautner casava com a farofa que ia ao ar, Rios parece não entender que está lidando com um texto de Carrasco —ao menos não o tempo todo. Com a família La Selva, existe seriedade demais para algo tão rocambolesco. Nas cenas de violência doméstica, ele acerta e dá bom espaço para Débora Falabella se destacar.
No fundo, "Terra e Paixão" é uma obra absolutamente irregular. Não tem o carisma que tinha "O Outro Lado do Paraíso" ou um personagem extremamente carismático para guiar a narrativa, como o Félix (Mateus Solano) de "Amor à Vida" (2013-2014). É uma novela de altos e baixos, e que não atrai por si só.
A Globo e autor vão ter que rebolar para manter o interesse do público até o ano que vem, quando a novela deve ser concluída. A média de 25,2 pontos em São Paulo, bem abaixo do que o horário pede, é a prova de que o público ainda não comprou a trama.
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